© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motoqueiros Famosos
Fábio Magnani
[publicado originalmente em julho de 2009]
The Outsider
Em 2001 eu estava em uma fase existencialista nas minhas leituras. Li – ou reli – vários livros do Sartre e do Camus. Na minha tentativa de compreender um pouco melhor aquilo tudo, dei de cara com o livro The Outsider, de Colin Wilson. Um livro escrito por um jovem desconhecido, muito polêmico no seu lançamento por ser revelador ou um embuste completo, dependendo de quem fazia a crítica.
O livro discorria sobre algumas pessoas únicas, que conseguiam compreender ou sentir as coisas como realmente eram. Por verem as coisas e agirem de forma diferente, eram outsiders, estrangeiros. O grande problema dessas pessoas era como transformar aquela sabedoria ou sensibilidade em algo útil, através da ação. Conseguiram temporariamente, mas em geral aquela benção foi o motivo da destruição final daqueles homens.
Um dos homens analisados no livro era T. E. Lawrence, famoso mundialmente como Lawrence da Arábia. Importante como militar – liderou os árabes em várias batalhas contra os turcos na Grande Guerra – e por ter escrito o livro Seven Pillars of Wisdom: A Triumph. Nesse livro filosofa, descreve a vida no deserto e conta toda a campanha durante a guerra. O mais interessante, para mim, era como conseguia unir um lado intelectual com um lado de ação. Aproveitei para assistir de novo o filme sobre a sua vida, Lawrence of Arabia, e uma biografia com forte viés psicanalítico, A Prince of Our Disorder: The Life of T. E. Lawrence.
Motoqueirismo
O tempo passa e em 2005 comecei a me interessar pelo motoqueirismo. Ainda não tinha uma moto, mas comecei a ler tudo o que podia sobre o assunto: pilotagem, mecânica e grandes viagens. Nesta última categoria, fiquei fascinado com as viagens solitárias descritas em One Man Caravan (viagem ao redor do mundo na década de 30) e Jupiters Travels (outra viagem ao redor do mundo na década de 70). Mas uma outra fonte de admiração eram pessoas fortes em outras áreas da vida mas com grande amor por motocicletas. Além do novato Ian McGregor, do documentário/livro que eu adoro Long Way Round, apareceram dois outros caras: T.E. Lawrence e Steve McQueen.
Embora eu tivesse assistido alguns filmes com o Steve McQueen- The Magnificent Seven, The Great Escape e The Towering Inferno – não ligava o nome à pessoa. Não era um ator marcante para mim, ao contrário de Paul Newman, Humphrey Bogart, James Jean, Michael Cane ou Sean Connery. Mas falavam tanto de seu amor por motocicletas que fiquei empolgado para conhecer a sua biografia. Comprei o livro Steve McQueen: Portrait of an American Rebel, ficando automaticamente fascinado por sua vida e obra. Um garoto com muitas dificuldades, que nunca teve muito estudo, sempre tendo que enfrentar demônios internos e externos, mas que conseguiu vencer. Estrelou cerca de 30 filmes. Saiu derrotado na vida particular, com abuso de droga e destruição de grandes amores. Mas em alguns momentos de sua vida, em cima de uma motocicleta ou atuando em um grande filme, parece que se sentia completo. Além de assistir de novo filmes que já conhecia, comecei a procurar por outros filmes, dos quais destaco: The War Lover,The Getaway, The Cincinnati Kid, Nevada Smith, The Sand Pebbles, Bullitt, Le Mans e Tom Horn.
Nessas buscas filmográficas, acabei achando um filme muito engraçado, chamado The Tao of Steve. Alerta sobre o ridículo de pessoas comuns, como eu, cultuarem demasiadamente Steve McQueen.
Mas o que mais me chamou atenção foi o documentário On Any Sunday, produzido por Steve McQueen, sobre o mundo do motociclismo na década de 70. Literalmente incrível. Fala de corridas de velocidade, trilhas, Isle of Man e domingueiros. Todos os tipos possíveis de paixão por uma motocicleta. Embora trate de tudo, um dos personagens principais é Malcolm Smith, um das maiores lendas do motociclismo off-road. O documentário tem ainda algumas participações secundárias do Steve McQueen.
Influência
O que esses Steve McQueen e T. E. Lawrence têm em comum além do amor às motocicletas? Os dois eram apaixonados por máquinas, trens, carros, armas e explosões (literais ou de ira). Os dois fizeram o seu próprio caminho, mesmo que tivessem que sofrer por isso. Os dois conseguiram construir momentos em que tudo fazia sentido, seja no calor da batalha ou em uma corrida em velocidade suicida.
Um último fator comum é o deserto. Certamente T. E. Lawrence amava o deserto. Mas Steve McQueen, também? Não sei. Mas sei que sua imagem fica ligada à paisagens desérticas nos seus westerns. Então, pelo menos ao espectador, o deserto também liga os dois.
Talvez eu tenha forçado a barra. Talvez tudo tenha sido construção da minha mente. Talvez apenas eu consiga ver uma ligação entre os dois. Mas indubitavelmente são pessoas nas quais busco inspiração e que cuido como exemplos. Exemplos de amor à independência, de paixão pelas máquinas, de luta por existir no mundo por meio da ação, da experiência existencial e de busca por um significado pessoal. Mas também de alerta de como a liberdade pode ser fonte da autodestruição.
A única coisa que sei é que quando eu for ao Atacama, depois de cada curva no deserto, estarei esperando pela aparição de Nevada Smith em seu cavalo ou Al Lawrence liderando uma horda de guerreiros em luta pela sua liberdade. Quem sabe não terei a companhia de Steve McQueen em algum trecho de dunas ou de T. E. Lawrence falando sobre a vida do deserto em torno de uma fogueira após o pôr-do-sol?