Planejamento

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: De Motoca na Estrada

PLANEJAMENTO
Fábio Magnani
[publicado originalmente em julho de 2009]

24.07.2009

O planejamento das minhas viagens passa por várias etapas, que são explicadas abaixo.  Essas idéias estão em forma reduzida em um check-list que pode ser baixado na página de downloads. Mesmo que esse check-list tenha sido pensado para grandes viagens, eu o uso até em viagens pequenas, da seguinte maneira: imprimo o check-list e risco com caneta grossa os itens não pertinentes ao passeio daquele dia, depois sim é que começo conferir o que interessa. Clique na imagem para fazer o download.

Não deixe de ver também, no final da página, algumas considerações sobre a importância do planejamento, onde argumento que um bom planejamento não significa engessar a viagem, mas sim começar a viajar em sua cabeça muito tempo antes do início oficial e também aproveitar muito mais depois que o pneu começa a rodar no asfalto.

ETAPAS DO PLANEJAMENTO

Etapa 1 – Definição da viagem.

O passo inicial é decidirmos para onde vamos, quando, com quem e quanto vai custar. Dependendo da viagem, estas decisões ocorrem de 6 a 24 meses antes da saída. A necessidade de tanto tempo não é determinada pela dificuldade na preparação, mas sim porque as pessoas precisam marcar suas férias e arranjar o dinheiro. Às vezes vou organizando várias viagens ao mesmo tempo. Por exemplo, preparei a Grande Viagem e a Viagem ao Sertão ao mesmo tempo, durante o segundo semestre de 2007.

  • Tempo disponível. A primeira questão de é quanto tempo eu tenho para viajar. Isso significa ver se terei algum feriado ou férias. Mas a coisa não é tão simples assim, porque caso vá viajar com a Renata na garupa, então temos que discutir a disponibilidade dela. Às vezes a Renata não pode fazer toda a viagem comigo, então ela me encontra na metade do caminho e volta de lá. Por exemplo, na viagem ao Atacama ela vai me encontrar em Osvaldo Cruz-SP e voltar de Santiago-CH.
  • Distância da viagem. Eu gosto de andar 600 km/dia, andando dois dias de moto e ficando um dia conhecendo os lugares. Desta forma as minhas viagens têm uma média de 400 km/dia. Então, basta multiplicar o número de dias por 400, dividir por dois (ida e volta) e então sei até onde posso me programar. Por exemplo, se tiver 10 dias de viagem, posso ir até uma distância de 2.000 km.
  • Custo total aproximado. Outra questão fundamental é o custo da viagem. Nas minhas viagens, gasto R$ 140,00 por dia quando ando sozinho e R$ 200,00 quando ando com garupa. Voltando ao nosso exemplo, a viagem de 10 dias sairia por R$ 2.000,00 caso fosse com a Renata na garupa. Isso sem contar a compra da moto, sua equipagem e vestimenta. Se bem que esses últimos custos não são exatamente específicos da viagem porque você já tem boa parte, usará em outras viagens e vai recuperar parte do valor em uma venda posterior.
  • Grupo. Já sabendo quanto tempo/dinheiro tenho à disposição e a distância da viagem, começo a procurar amigos. No caso da viagem de 2010 eu tinha pensado em fazer uma viagem de 18.000 km pelo Brasil. Mas quando fui conversar com alguns amigos, surgiu a idéia do Atacama. Sempre foi um grande sonho para mim, mas não teria pensado em uma aventura dessas sozinho, principalmente com medo de quebras em lugares isolados. Então, embora a distância já estivesse definida, o local foi escolhido pelas circunstâncias. Essa questão do grupo é bastante delicada, pois todos têm que ter costumes parecidos (respeito aos horários ou não, por exemplo) e mesmos gostos (Atacama ou Machu Picchu?).
  • Local. O mais importante. Definido o raio possível, que é limitado tanto pelo custo quanto pelo tempo, vem a hora de decidir pelo local da viagem. Aqui cada um do grupo inicial vende a sua idéia e defende os seus gostos. Eu sempre prefiro escolher o lugar pelo caminho que vou passar, não me preocupando tanto com o destino. Por exemplo, seria legal o Ushuaia, mas não acho o caminho atrativo. Por outro lado, ir até a fronteira com a Venezuela não seria um bom destino, mas o caminho pela Transamazônica e Humaitá-Manaus seria um grande desafio. Já Machu Picchu seria tanto um destino legal quanto um caminho desafiador pelo interior do Peru e Bolívia. O Atacama, para mim, cai em uma classe diferente, pois são tantos destinos diferentes (vulcões, lagos, salares, cidades fantasma e portos abandonados) que não dá para separar caminho de destino. Mas aqui o gosto é de cada um.

Etapa 2 – Infraestrutura

Já tendo decido a viagem, começa a preparação. Nesta etapa temos que definir o roteiro, comprar os acessórios e juntar o dinheiro.

  • Estudo sobre o local. O primeiro passo nesta etapa é estudar o caminho da viagem. Procuro estudar guias, ler relatos de outros viajantes, comprar mapas e pesquisar na internet.  Gosto também de ler um pouco da literatura local, para tentar entrar no clima cultural do local. É uma parte legal, porque é como se você já estivesse viajando.
  • Escolha da moto. Baseado no roteiro e garupa deve ser decidido com que tipo de moto ir, que  potência e capacidade de carga. Também deve ser pensado se vale a pena levar uma moto mais nova, e não muito testada, ou uma mais rodada, mas com maior probabilidade de falhas por desgaste. Uma moto usada diminui bastante o custo total do projeto, desde que não precise de muita manutenção. Importante que a moto de todos do grupo sejam parecidas em relação à velocidade de cruzeiro e como enfrentam caa tipo de terreno.
  • Cursos. Para aproveitar melhor a viagem, é legal também fazer alguns cursos. Pilogatem, mecânica, GPS, fotografia, escrita, primeiros socorros, emergências e sobrevivência.
  • Mudanças no grupo. Infelizmente o grupo vai mudando com o tempo. Alguns vão aparecendo no meio do caminho, outros vão desistindo. O tempo de espera é grande o suficiente para ocorrerem mudanças nas vidas de todos, então essas substituições são inevitáveis. Não deve haver nenhuma mágoa em relação aos que não poderão ir mais. Os novos integrantes devem ser aceitos por todo o grupo restante.
  • Logística da garupa. Como eu disse ali em cima, a Renata normalmente não pode fazer a viagem toda comigo, seja pela dificuldade das estradas, pelo cansaço, pelo trabalho ou agora pelo nosso filhote. Na prática ela acaba fazendo trechos da viagem, fazendo os deslocamentos de/para Recife de avião. Então fazemos todo um arranjo para ver quando ela pode estar comigo e onde tem mais interesse de viajar de forma a ajustar o roteiro. Um ponto importante aqui são as compras de passagens aéreas, que devem ser feitas com antecedência para reduzir os custos da viagem
  • Patrocínio. Uma viagem dessas sempre é uma oportunidade para a divulgação de produtos e serviços de empresas. A divulgação é na forma de sites, blogs e fóruns. A equipe pode ainda participar de eventos, apresentações e entrevistas. Sem contar no relato ou vídeo finais. O patrocínio pode ser na forma de equipamentos, acessórios, motocicletas, custeio da viagem, cursos de mecânica, fotografia, GPS etc. Outra forma de patrocínio é na edição e comercialização de livros e vídeos.
  • Roteiro detalhado. Depois de estudar o caminho, chega a hora de detalhar o roteiro. Leva-se em conta as restrições de tempo de cada um dos integrantes, inclusive das garupas. Primeiro faço uma lista de todos os lugares que gostaria de conhecer, com prioridades. Depois, baseado no tempo que temos à disposição, vou cortando a lista. O roteiro leva em conta estradas legais, pontos turísticos e, com menor importância, cidades importantes. Não é muito legal entrar de moto em cidades grandes. Com o roteiro todo pronto, baixo os mapas no GPS e programo os waypoints. Também fazemos uma lista de pousadas e hotéis legais, de forma a diminuir os custos com hospedagem. Procurar na hora que se chega da viagem, todos cansados, normalmente causa a escolha do primeiro hotel que aparece. O roteiro é diário, incluindo os pontos a serem visitados naquele dia e a quilometragem total. Obviamente o roteiro não vai ser realizado daquele jeito na prática, mas é importante ter uma referência realista. Esta etapa também é muito legal, pois você faz a viagem em sua imaginação.
  • Orçamento detalhado. Ao mesmo tempo que o roteiro é montado também é desenvolvido um orçamento detalhado. Todos os custos têm que entrar: aquisição da moto, equipamentos da moto, vestimenta, acessórios de segurança e eletrônicos. Para um detalhamento no nosso caso, ver a página de moto & equipamentos e vestimenta & acessórios. Como a viagem vai ser longa e nem sempre a moto é nova, é preciso levar em conta uma manutenção grande, incluindo troca de transmissão secundária, eventualmente da embreagem, pastilhas de freio, pneus e câmaras de ar. Compra de sobressalentes, como cabos de acelerador e embreagem, lâmpadas, pastilhas, raios, câmaras, óleo motor, manetes, vela e fusíveis. Finalmente custos na viagem mesmo: gasolina, troca de óleo, revisões, hotéis, alimentação, emergências, passeios turísticos, passagens de avião e transporte de carga. Quando se junta todos esses custos, o investimento pode ser bastante grande. É preciso ser realista na análise destes custos para evitar surpresas desagradáveis. Procuro dividir estes itens em imprescindíveis e desejáveis, mas que não impossibilitam a viagem. Por exemplo, seria desejável ter um banco erê ou tanque de 22 litros, mas não deixarei de fazer a viagem se não puder comprá-los. Por outro lado é imprescindível ter o dinheiro da gasolina. Desta forma tenho um custo mínimo e máximo.
  • Cronograma financeiro. Com o custo total, faço um cronograma incluindo metas de compras e desembolso. Especifico uma determinada quantidade a ser reservada por mês, ou a previsão de parte do 13º ou férias. Aqui é que chega a hora da verdade. Se a sua previsão de economia não bater com os custos previstos, então não vai fazer a viagem. Você só estará enrolando os outros. É bom sonhar em fazer uma grande viagem, mas quando esse sonho comprometer o sonho de outros, então é bom colocar os pés no chão e cair na real. Talvez uma viagem menor.
  • Cronograma físico. Faço também um cronograma com metas a serem realizadas. Por exemplo, começar o preparo físico no mês tal, estudar espanhol no mês tal, comprar o tanque no mês tal, ter o roteiro detalhado pronto no mês tal e por aí vai.
  • Treinos. Como eu não sou nenhum grande piloto ou esportista, preciso me preparar para a viagem. Durante a etapa de preparação procuro marcar passeios com objetivos precisos de testar equipamentos, melhorar a segurança na areia, tirar fotos ou aprender a navegar pelo GPS. Por incrível que pareça, faço até alguns treinos para relaxar completamente, sem me preocupar com nada, pois eu sei que quando a viagem começa eu esqueço de toda a fixação pelo planejamento. Outro treino importante é o físico. Eu particularmente faço natação quatro vezes por semana, que me auxiliam a suportar muitas horas em cima de uma moto, sem dores musculares e com disposição. Mas a natação não é um treino muito bom para as caminhadas ou para uma redução de peso corporal. O bom para isso seriam corridas, mas eu me machuco muito com essa atividade. Cada um com seus problemas. Os treinos – que nada mais são que passeios ou viagens locais – também são muito importantes para o entrosamento do grupo. Também é uma boa fazer exames médicos, tomar vacinas e ir ao dentista.
  • Documentação. Outra parte que não dá para deixar para a última hora é a documentação. Ficar de olho tanto na data de vencimento quanto fazer novos.  CNH, documento da moto,  identidade, cartão de saúde, cartão de seguro da moto, cartões de crédito, cartões de banco, documentos internacionais (vistos, passaporte, carnet de passage, carta verde, habilitação internacional, seguro de moto internacional, seguro de saúde internacional).
  • Reservas. Finalmente fazemos as reservas de alguns hotéis. Procuramos reservar o mínimo possível, porque isso engessa demais a viagem. Mas às vezes não há escolha, como por exemplo a passagem de ano em algum lugar turístico ou a existência de uma festa anual na época em que estivermos passando. No caso do Atacama, teremos que pensar na Chapada dos Veadeiros próximo à passagem do ano (caso passemos por lá), Foz do Iguaçu e São Pedro do Atacama (para pegarmos preços baixos). Outra preocupação é com o Dakar, que talvez coincida com nossa viagem.

Etapa 3 – Últimas semanas

Neste momento já deve estar quase tudo pronto, faltando poucos detalhes. Destaco alguns mais importantes.

  • Revisão final. Fazer uma última revisão geral com reaperto geral, verificação da bateria, lâmpadas e sistema elétrico, troca de filtro de ar, óleo do motor, filtro de óleo, óleo da bengala, fluido de freio, vela, ajuste das válvulas, transmissão secundária (se for o caso), pneu e câmaras (se for o caso), pastilhas de freio e embreagem (se for o caso).
  • Pagamentos de contas. Tentar pagar o máximo possível de contas antecipadamente, deixar outras com cheque pré-datado ou débito agendado. As outras, pedir para alguém pagar para você durante a viagem. Às vezes pedimos também para alguém mandar o código de barras por telefone ou para que o credor mande uma cópia do boleto por e.mail, para pagarmos pela internet. Vale tudo, mas dá trabalho. Outra coisa legal é avisar para a administradora do cartão de crédito que você irá usá-lo em outro país, para que não seja bloqueado por suspeita de fraude.
  • Talão de cheques. Dependendo do banco os talões de cheque têm que ser pedidos com antecedência.
  • Imprimir mapas de bolso. Scanear partes do mapa para onde se vai e imprimir em páginas A4 para poderem ser levadas no bolso durante a viagem.
  • Preparar pasta. Pasta contendo documentos, passagens, informações turísticas, contatos, mapas e guias.
  • Verificar acessórios eletrônicos. Ver se GPS, câmeras fotográfica, mp3 e celular estão todos funcionado. Também é um bom momento para descobrir se você sabe operá-los.

Etapa 4 – Na saída diária

A cada dia da viagem, uma série de conferências devem ser realizadas. Deve-se tomar cuidado aqui porque o processo todo de saída (banho, café-da-manhã, arrumação, encher o tanque, check-out etc) pode demorar de 1 a 2 horas. Caso o horário de saída for 7 horas, deve-se acordar às 5h!

  • Conferência da bagagem. Fazer um levantamento nas malas para ver se tudo está organizado. Para facilitar isso, eu procuro separar os itens em pequenas bolsas e pastas: papéis, eletrônicos, higiene, primeiros socorros, sobressalentes e ferramentas. Daí fica mais fácil achá-los na viagem.
  • Saída do hotel. Café-da-manhã, conferir se não nada foi esquecido, check-out e montagem da moto.
  • Conferências técnicas diárias. calibrar pneus, encher tanque, lubrificar corrente, verificar folga da corrente, testar lâmpadas e freio, verificar óleo motor, fluido do freio e de arrefecimento, verificar folga do manete da embreagem. Ver manual da moto para mais atividades.
  • Conferência da carteira. Verificar todos os documentos e dinheiro.

Etapa 5 – Na chegada diária.

Durante a viagem, todos os dias no hotel devem ser realizadas algumas atividades.

  • Eletrônicos. Liberar memória e carregar baterias.
  • Contatos. Ligar para familiares ou amigos dizendo onde está e onde estará no outro dia. Fundamental em caso de acidentes.
  • Bagagem. Deixar tudo pronto para o próximo dia. Bagagem organizada e roupa separada para facilitar a saída.

Etapa 6 – Atividades eventais.

  • Relato. Escrever impressões no caderno,  copiar fotos para CD e deixar mensagens em fóruns/blog em alguma Lan House.
  • Roteiro. Tomar decisões sobre os roteiros dos próximos dias, pegar informações turísticas locais, separar mapa de bolso do dia e escrever o roteiro do dia.
  • Lavar roupa. Lavar as roupas no chuveiro ou contratar serviço no hotel. Em pousadas pequenas, muitas vezes a esposa do caseiro faz esse serviço por um baixo custo.
  • Orçamento. Fazer as contas e ver se é necessário tirar mais dinheiro.
  • Manutenção. Programar eventualmente a manutenção da moto em oficinas locais.

Algumas considerações primitivas sobre o planejamento de viagens

[Vantagens de um planejamento antes da viagem]

– O planejamento é uma forma de curtir a viagem vários meses antes dela começar propriamente. Isso se faz vendo mapas, lendo relatos e conhecendo a cultura do local. Seria legal viajar o tempo todo, mas como não é possível…

– Quanto maior o conhecimento que se tem de onde se vai, maior a chance de aproveitar a viagem. Obviamente, é dificil chegar em algum lugar do qual nunca se ouviu falar. Eu jamais teria chegado ao Pico do Jabre, Cachoeira de Bonito, Peri-Peri, Lajedo do Pai Mateus, Cachoeira do Roncador, Açude de Quixadá, Sete Cidades, Chapada Diamantina, Serra da Capivara, Catimbau, Serra da Canastra etc etc etc sem pesquisar antes. As excessões à regra são o Açude de Gargalheiras e Icó, lugares onde chegamos pelo mais simples acaso.

– O planejamento permite transformar sonhos em realidade. Como o tempo é limitado, sem o planejamento da rota pode ser complicado passar por todos os lugares que se sonhou. É bonito ser um sonhador, mas mais legal ainda é viver os sonhos.

– Quando o planejamento leva em conta alguns problemas que podem acontecer, é mais fácil acomodar a todos na viagem. Simplesmente “esquecer” que um problema aparecerá mais à frente pode significar a exclusão de algum membro do grupo. Um exemplo é não lembrar a todos da documentação necessária e alguém ser apreendido por isso. Ou ainda “esquecer” que um dos membros do grupo tem restrições de tempo ou de verba.

– O planejamento de uma viagem, mesmo exagerado para um caso específico, sempre pode ser usado em viagens mais complexas no futuro. Sempre é um aprendizado. Por exemplo, eu normalmente uso pequenas viagens para testar acessórios, registros, equipamentos etc. Eles não eram necessários nos pequenos passeios, mas serão nas viagens futuras. Quando planejo uma volta até Alagoas, estou pensando na viagem ao Atacama. Quando planejo a viagem ao Atacama, estou pensando em uma volta ao mundo.

– O planejamento permite reduzir os custos e, consequentemente, ampliar a viagem. É como diz o velho texto: “Qualquer pedreiro pode fazer uma casa que não cai, mas apenas um engenheiro pode fazer uma casa que não cai barata. Apenas um engenheiro, com o seu conhecimento e planejamento, pode fazer um arranha-céu. Não cobre de um engenheiro uma grande poesia, cobre uma grande obra.”

[Riscos ao exagerar a importância do planejamento durante a viagem]

– Perder oportunidades lançadas pelo acaso. Depois que a viagem começa, tem que haver um relaxamento em relação ao planejamento.

– Controle do grupo. O planejamento não deve ser usado para controlar as vontades pessoais do grupo. A liberdade deve ser sempre a primeira opção. Um bom planejamento significa respeito aos colegas e não controle.

– Detalhamento prévio excessivo baseado em poucas informações. O planejamento deve ser algo do tipo: tentaremos passar tal dia na região de Salta-AR, para fazer passeios em um raio de 200 km de lá. Tentar detalhar mais do que isso já fica complicado. O planejamento deve levar em conta que parte das informações somente pode ser conseguida no local. Por isso, no planejamento prévio se marca uma área grande. Quando se chega no local, daí sim se procura pelas oportunidades apresentadas pelos locais, diminuindo um pouco a área (como definir uma estrada a ser seguida, por exemplo). Mas é claro que só na hora da execução mesmo é que os detalhes são decididos. Um exemplo disso foi no passeio que fizemos para as cachoeiras de São Benedito do Sul. No planejamento sabíamos que havia várias cachoeiras na região. A distância era tal que dava para ir e voltar no mesmo dia, inclusive passando pela reserva de Saltinho. Mas só achamos a cachoeira quando chegamos no local, perguntando para as pessoas e nos metendo em estradinhas e picadas.

[Críticas comuns ao planejamento e critíticas a essas críticas]

– Crit.: o planejamento engessa a viagem. Resp.: não é a existência de um planejamento que engessa a viagem, mas sim o seu seguimento incondicional.

– Crit.: o planejamento destrói a espontaneidade. Resp.: é um preço baixo a se pagar por conhecer coisas interessantes, pois normalmente o efeito da espontaneidade é tornar a viagem sem graça; em raríssimos casos a espontaneidade supera a experiência de quem já passou por ali. Dá a impressão contrária porque a nossa mente tem o costume de só dar bola para coisas “diferentes”. Mas é uma ilusão.

– Crit.: o planejamento não leva em conta as informações/condições locais. Resp.: só um planejamento mal feito não leva isso em conta. Um planejamento bem feito considera que parte das informações somente aparecerá na hora da execução.

[Uma crítica aos que defendem o não planejamento]

– O argumento de que uma viagem de moto deve ser do tipo Easy Rider é legal para quem tem bastante tempo. Mas usar essa razão para viagens com tempo limitado é uma forma de desrespeito aos colegas, já que gastarão o seu precioso tempo com coisas sem interesse algum. Concordo que apenas o acaso nos traz grandes experiências. Mas isso não implica dizer que SEMPRE o acaso trará essas grandes experiências. Acredito no contrário, que embora o acaso possa ser ocasionalmente espetacular, normalmente é chato. O planejamento não destrói o acaso. Deixar tudo para o acaso, ao contrário, destrói sim grandes oportunidades. O acaso está em todas as ações, planejadas ou não. É só saber aproveitar quando ele chegar. Se você não planejar uma viagem e também não tiver a sorte do acaso, sua viagem vai ser nota 0. Se você planejar a sua viagem e não tiver sorte, sua viagem vai ser nota 8. Se você tiver a sorte do acaso, então sua viagem pode ter nota 10 independentemente se foi planejada ou não. Então, para que arriscar ter uma viagem chata deixando tudo ao acaso?

Em resumo: planejar o máximo possível antes da viagem e ter sabedoria para sair do planejamento quando for mais interessante. Não confundir planejamento com execução.

Cartilha de Viagem

15.02.2011

Um amigo pediu umas dicas de como se preparar para a viagem. Tem um monte de coisas espalhadas aí no blog sobre equipamentos, vestimenta e acessórios. Também discuto algo na página de planejamento.

Mas resolvi pensar um pouco mais para ver o que realmente é fundamental. Cheguei à seguinte lista:

  • Moto revisada. Não importa o ano ou a cilindrada, mas é bom começar com algo mais ou menos confiável. É sempre uma aventura quando quebra alguma coisa, mas não é bom que aconteça com muita freqüência.
  • Preparo físico. Depois de muitos dias na estrada, é normal sentir algumas dores e atrofiamentos. Um pouco de natação ou corrida antes da viagem pode fazer você aproveitar bem mais o passeio.
  • Afinidade com o grupo ou a garupa. Sempre estouram umas brigas por causa da tensão e do cansaço. Então, é bom estar entre amigos para resolver tudo. Também é bom que todos tenham mais ou menos o mesmo estilo, como quilometragem diária, horário de acordar, tipo de passeio e de conversa.
  • Pesquisa. Quanto mais você souber sobre a cultura, a geografia e a história de um lugar, mais aproveita a viagem.
  • Mente aberta para novas amizades. Estar preparado para aprender com todo mundo: com o frentista do posto, com a dona da padaria, com o carinha da CG. Afinal, é para isso que viajamos, né? Para conhecer gente igual a gente, não precisamos sair de casa.
  • Levar pouco peso. A gente não usa quase nada do que leva.
  • Aceitar a vida como ela é. Receber todos os imprevistos na boa. Os imprevistos são a viagem.

06.01.2012

Resumindo mais ainda, agora mais velho eu não dou tanta importância assim para o planejamento, a não ser: ter a companhia certa, andar sempre devagar, ir leve, ter a menor e mais velha moto que dê conta do recado, e conversar com todo mundo que encontrar no caminho.

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