Riders Magazine do Brasil: o Suprassumo do Chic no Motoqueirismo Brasileiro


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Política em Duas Rodas

RIDERS MAGAZINE DO BRASIL: O SUPRASSUMO DO CHIC DO MOTOQUEIRISMO BRASILEIRO
Fábio Magnani
[publicado originalmente em janeiro de 2011]

O mote desse post deveria ser apenas a nova revista do mercado motoqueirístico: a Riders Magazine do Brasil. A verdade é que fui escrevendo, escrevendo, e daí saiu uma mistureba sobre revistas, jornalismo, propaganda, motociclismo, motoqueirismo, linha editorial deste blog e liberdade de expressão. Espero que eu tenha conseguido separar bem as críticas que faço a todas as revistas daquelas críticas específicas à Riders.

Revistas em geral

Eu não gosto muito de ler revistas. De nenhum tipo. Acho que elas têm vários problemas. Trazem uma diversidade muito grande de assuntos em uma mesma edição – impossível gostar de tudo, você paga pelo que não quer. Repetem as mesmas reportagens de tempos em tempos – provavelmente por falta de novidades ou para pegar os clientes novos. Exploram apenas um ponto de vista – normalmente aquele com maior retorno financeiro. Às vezes chegam ao ponto de fazer uma matéria sobre um produto que depois é colocado à venda em outra parte da revista. Na maior parte do tempo se baseiam nos press realeases de políticos, empresas ou celebridades. Para mim não há revista jornalística e revista de entretenimento. Para mim há revista boa e revista ruim.

Então, quando você compra uma revista, pinça um assunto aqui, outro ali, e só. O pior é quando você encontra uma reportagem que te interessa, pois daí falta tanto profundidade quanto diversidade de pontos de vista. Prefiro a internet para buscar a riqueza de assuntos. Prefiro os livros para buscar outras abordagens. Prefiro artigos acadêmicos para buscar profundidade.

Revistas de moto

Agora, isso de não gostar muito de revistas só vale para as gerais, porque quando se trata de motos não há muitos livros e trabalhos acadêmicos. Quem conhece mesmo do assunto escreve para revistas especializadas. Então, goste ou não goste, é preciso ir às revistas para caçar as novidades e para aprender com a visão de pessoas especiais.

Eu só conheço as revistas do Brasil, mas tenho alguns livros escritos por colunistas de revistas internacionais. Por exemplo, Peter Egan, Kevin Cameron e David L. Hough, que são alguns dos meus autores preferidos, escrevem para revistas. Por isso imagino que algumas revistas internacionais sejam de alta qualidade. Mas mesmo esses autores não cobrem todos os assuntos que eu gostaria.

Quanto ao conjunto de revistas nacionais de moto, eu tenho algumas críticas a fazer. Primeiro, parece que só fazem propaganda. Todas as motos são perfeitas. Não há problemas com entrega, peças e serviços. Todos os pontos de turismo são bacanas. Todas as autoridades confiáveis. Todos os encontros de motociclistas são interessantes.

Segundo, só falam das grandes vendedoras do Brasil ou de fabricantes de motos chics. Eu gostaria de ter mais informações sobre as fabricantes chinesas e coreanas, por exemplo. Não só sobre as motos, mas em que cidades estão as suas plantas, quais são os seus planos de expansão, qual a sua filosofia de design, como os asiáticos vivem o motoqueirismo etc.

Terceiro, a maior parte dos motoqueiros brasileiros são motoboys ou pessoas que usam a moto para transporte diário. Esse estilo de vida não é tratado nas revistas. Eu, por exemplo, viajo de moto (gosto de revistas que falam de roteiros) e dou minhas arrancadas (gosto de revistas que fazem análise técnica), mas também uso a moto no dia-a-dia (queria reportagens sobre o mundo real do motoqueiro), tenho curiosidade sobre outros estilos de vida (queria alguma revista que trouxesse reportagens sobre as pessoas de verdade que andam de moto em todos os lugares do mundo) e preciso de vez em quando fazer a manutenção da minha moto (queria reportagens que tivessem a coragem de expor as falhas na assistência técnica das grandes fabricantes). Esses meus interesses não são tratados em nenhuma revista nacional que eu conheça.

Não que apenas uma revista tivesse que lidar com todos os assuntos, mas seria legal se no conjunto das revistas brasileiras nós tivéssemos esse escopo coberto. Mas para não tirar completamente a responsabilidade das editoras, as revistas atuais bem que podiam diminuir um pouco as repetições e aumentar a sua cobertura entre as várias edições. Talvez seja uma questão do custo com os reporteres, viagens e pesquisa. Talvez seja porque não querem perder os seus anunciantes.

Quarto, quando falam de trânsito, sempre é em um tom paternalista. Sempre aparece alguém da polícia dizendo que o certo é esse, o errado é aquele. Eu quero reportagens de verdade, mostrando o mundo das ruas como ele é. Quero uma reportagem mostrando como a polícia aborda os motoqueiros. Eu, como leitor, quero fazer o julgamento do que é certo ou errado. Não preciso de ninguém para me dizer isso. Preciso, sim, de alguém que me traga fatos.

Quinto, a maior parte das matérias é de opinião ou comentário. São pouquíssimas as reportagens, daquelas que investigam todos os lados, entrevistam pessoas chave e apresentam fatos. Eu quero saber o que os governantes pensam, quero conhecer os acordos das fabricantes, quero ouvir o que meus companheiros de dia-a-dia nas ruas têm a dizer, quero saber de lugares ruins para viajar, quero conhecer as assistências técnicas que enganam os clientes empurrando peças, quero a opinião de engenheiros sobre qual poderia ser a tecnologia atual usada nas motos, quero ouvir especialistas explicando como somos vítimas de monopólios, quero conhecer a mitologia urbana dos motoqueiros em outros países, quero ouvir o que pilotos experientes têm a dizer – de bom e de ruim – das motos que rodam por aí. Quero a verdade.

No final das contas, as revistas nacionais parecem ser folhetos de propaganda destinados a clientes de motos de lazer, de médio e grande porte. Não quero nem falar dos jornais e televisão, que só marginalizam os motoqueiros. Mês passado eu assisti ao noticiário na televisão. Eles mostraram duas reportagens: uma sobre inversões perigosas que os veículos fazem na estrada e a outra sobre os perigos de acidentes causados por buracos. Claro que colocaram um motoqueiro para exemplificar a inversão perigosa (o bandido) e um motorista de carro para comentar sobre os buracos (a vítima). Pelo menos as revistas apenas ignoram os motoqueiros como eu. E, por falar em revista, agora temos mais uma.

Riders Magazine do Brasil

Outro dia estava na Livraria Cultura aqui de Recife quando encontrei uma revista nova de moto: Riders Magazine do Brasil. Tinha uma capa grande com a foto do ator de “Duro de Matar” andando em uma scrambler. Me chamou a atenção na hora. Por dentro, papel, diagramação e fotos de qualidade. O preço é mais ou menos (um pouco mais para mais) o mesmo das outras revistas de moto. Levei para casa para dar uma olhada. Acabei fazendo a assinatura. Já recebi a segunda edição, que vem com o ator de “House” na capa. Como eu não assisto a este seriado, já não gostei tanto. Acho que esse é um risco de colocar atores na capa: ou o consumidor gosta, ou não gosta.

Tendo lido as duas primeiras edições, dá para destacar alguns pontos.

  • Como eu já falei aí em cima, é muito gostoso ler a revista, já que capricharam na qualidade gráfica. As fotos são bem diferentes.
  • Algumas reportagens são da edição italiana, outras são brasileiras. Seria legal que ficasse bem claro quais são quais. A gente tem que tentar adivinhar pelo sobrenome do fotógrafo e repórter.
  • As matérias sobre as motos são o de sempre. Convidam um piloto de qualidade para fazer um teste e depois nos entregam um texto cheio de adjetivos subjetivos. O problema é que pilotagem é algo subjetivo mesmo. Acho que a única saída dessa fórmula é aumentar o número de dados técnicos (curva de torque, peso, aceleração, geometria etc.) e levantar a opinião de um monte de pilotos, engenheiros, designers e mecânicos. Só que isso sai caro.
  • Os produtos apresentados são ridiculamente caros. Eu nem sabia que um relógio podia custar R$ 30.000,00. Até aí tudo bem, porque o cara pode conquistar uma moça bonita se mostrando como rico. Mas quem iria pagar R$ 700,00 por um hidratante pós-barba? Mas também, o que um pé-rapado barbudo como eu tem para falar sobre isso?
  • Os textos falam de várias outras coisas além das motos, como comida, charutos, hotéis etc. Em princípio a idéia é boa, mas parece que os produtos são voltados apenas para a classe alta. Eu, pelo menos, não me interessei por nada que já não conhecesse, como alguns livros, discos e filmes.
  • As edições vem com dois ensaios fotográficos, um feminino e um masculino. Parece que no ensaio feminino tentaram inovar, tirando as usuais peitudas com camiseta molhada ou as garotas que seguram as placas nas corridas. Mas continuam mostrando as mulheres como objetos do mesmo jeito. Se quisessem realmente inovar, penso que deveriam mostrar mulheres motoqueiras de verdade, fazendo o que gostam. Isso sim é sensual. Quanto ao ensaio masculino, sem comentários, já que eu simplesmente pulei as páginas. Embora tenha achado a idéia legal. Viva a diversidade.
  • Algumas biografias são boas, embora comuns, como a do Steve Jobs. Outras são surpreendentes, pelo menos para um ignorante como eu, como a do Antunes Filho. Deve ser o velho truque de encaixar uma matéria para criar um status de revista cult. Talvez eu fique enjoado logo com essas biografias. Talvez eu faça uma assinatura da Cult (ainda existe?). Mas por enquanto estou gostando. Como eu não acompanho muito a vida dos pilotos de corridas convencionais, gostei dos perfis do Rossi e do Lorenzo. Mas acredito que são informações que os seguidores do MotoGP já conheciam.
  • Na segunda edição, eles publicaram cartas dos leitores criticando a revista por mostrarem homens na capa e por falarem só de motos acima de 600cc. Gostei da coragem da revista, mas concordo com a opinião desses leitores quanto ao tamanho das motos. Essa limitação está mais no website deles, pois uma das reportagens mais legais – “Velozes e Furiosos” – fala de motos menores. Em relação a ter homens na capa, tenho a impressão de que todas as revistas de moto são assim. Seria legal se tivesse mulheres também. Não como objetos, mas sim como motoqueiras.
  • A revista tem vários colunistas famosos, que comentam assuntos nem sempre ligados ao motoqueirismo. Em geral é legal ler pessoas inteligentes falando sobre o que quer que seja.

Agora, deixando de ser ranzinza, quero falar de algumas reportagens que eu achei muito legais mesmo.

  • “Na Pista da Máfia”, que fala sobre corridas japonesas promovidas pela Yakuza.
  • “Velozes e Furiosos”, sobre provas clandestinas na República Dominicana.
  • “Cicatrizes”, com umas fotos muito legais de capacetes famosos ralados.

Opinião

Eu não sou jornalista, não ganho dinheiro defendendo nenhum produto, não recebo nada para escrever em qualquer lugar que seja, não cobro para lerem o que escrevo no meu blog, não anuncio produtos no meu blog, não ganho passagens aéreas, não sou convidado para almoços, não recebo diárias, não sou amigo de executivos das fabricantes, não conheço donos de pousadas, não tenho nenhuma retribuição por promover cidades, não conheço políticos e autoridades, não recebo brindes, não ganho livros de moto, não vivo da minha imagem, não tenho desconto em lojas e oficinas, não recebo nada para falar bem de motoencontros, não participo de motoclube, não comento livros escritos por amigos meus, não testo produtos além daqueles que eu compro com meu próprio dinheiro para o meu uso, não cobro para ministrar palestras, meu salário não depende de quantas pessoas leram os meus textos e não sou dono de nenhuma revista. Vá ser frustrado assim lá na… Mas, falando sério, sou apenas um leitor. Por isso me sinto completamente à vontade para dar a minha opinião. Meu compromisso é com o motoqueirismo.

Algumas questões éticas me incomodam bastante enquanto escrevo essas considerações. É que há alguns meses comecei a mandar textos para serem publicados na Moto Adventure – uma revista tradicional de motos. Quando escrevo sobre a Riders Magazine do Brasil estou fazendo o que? Atacando uma concorrente da revista na qual publico alguns dos meus textos? Tentando demonstrar pateticamente a minha independência quando elogio outra revista, critico o mercado editorial e digo que quase não leio revistas? Implorando por reconhecimento? Querendo aparecer? Bem, daí eu pensei em não tornar este texto público. Minha filha de 14 anos, que também é minha editora, apoiou completamente essa idéia, pois achou que eu estava louco em arriscar não ter mais espaço na Moto Adventure. Mas isso também levantou outras questões éticas. Ao não publicar minha opinião, teria ficado com medo de falar do que é bom em outra revista? Teria privado outras pessoas da minha visão desse mercado cheio de falhas e ilusões? Teria deixado de contribuir para um motoqueirismo mais autêntico? Como se alguém estivesse lendo isso… Minha decisão final foi que, enquanto não consigo chegar a um acordo com a minha analista se é certo publicar ou não, mantenho o texto aqui no blog. Prefiro pecar por excesso do que por falta. Mas não é uma decisão fácil. Tento sempre me lembrar que aqui no blog o meu compromisso é somente com o motoqueirismo.

Não tenho nada contra quem recebe para escrever. Muito pelo contrário, eu também queria receber para escrever ou ter patrocínio para minhas viagens. Mas só acho legal quando as propagandas não são misturadas com as reportagens, quando há liberdade completa de expressão e quando são dadas condições materiais para que se possa fazer um jornalismo completo. Eu acredito que os colunistas da Riders Magazine do Brasil tenham essa liberdade de expressão. Isso é legal.

A revista Riders Magazine do Brasil é extremamente elitista em relação ao preço dos produtos veiculados, explicitamente ou inseridos em matérias. Já no aspecto cultural, embora muito aquém do que temos o direito, traz algumas novidades. Mas nenhuma maravilha. A maior parte das matérias são de perfil cult sem nenhuma relação com motos (deveriam estar em outras revistas), análises formuláticas de motos (poucos dados técnicos, impressões de apenas um piloto) ou exposição de produtos caros sem relação direta com o motoqueirismo (perfumes, relógios, camisas e semelhantes).

É meio irritante o jeito com que tentam passar uma idéia de revista sofisticada através de anúncios de produtos para a classe alta. Também é meio estranho ver uma revista apresentar produtos caros mas não trazer junto com isso reportagens com um orçamento à altura – não estou contando as reportagens italianas. Afinal, o principal de uma revista deveria ser seu pacote de reportagens, não os produtos anunciados. A não ser, é claro, para a revistinha da Avon ou para a Ricos & Famosos (será que essa revista existe mesmo?). No discurso oficial a Riders Magazine do Brasil é uma revista para homens bem sucedidos, mas eu posso quase apostar que o que esses homens bem sucedidos querem em uma revista são reportagens de alto investimento, não uma lista de produtos caros que eles já devem conhecer de outras revistas especializadas em Moda & Estilo. Não basta se vestir com roupas caras para ser sofisticado. É preciso ser autêntico. Não basta mostrar fotos de produtos caros, é preciso gastar com as reportagens. Na minha opinião, uma revista sofisticada nos traria, por exemplo, uma visão de como é o motoqueirismo na Indonésia. Isso pode ser feito com muito bom humor e entreter ao mesmo tempo que informa. A Riders Magazine do Brasil deu um passo nessa direção, só que bem tímido ainda. Custa caro fazer jornalismo. Não acho muito sofisticado ver uma repaginação do press release da Triumph. Se bem que naquela reportagem da Triumph as fotos ficaram muito boas. Sofisticação está na reportagem em si, não necessariamente no objeto ou sujeito da reportagem.

Não sei se sobra muita coisa se você tirar as entrevistas que deveriam estar na Revista Cult, as matérias da edição italiana, as análises de moto de sempre, os ensaios fotográficos da C&A e os anúncios da Avon para a classe alta. Olhando assim, a revista deixa de parecer essa coisa nova e se mostra apenas como um balaio de idéias antigas que não tem quase nada a ver com o motoqueirismo. Viva a pós-modernidade.

Talvez a edição original italiana seja melhor, mas não encontro em Recife. Por aqui nós temos acesso a livros do mundo todo via internet, pela Amazon, Barnes and Noble, Abebooks, Cultura e Saraiva. Mas ainda é meio difícil comprar revistas importadas.

Para terminar, se eu fui ácido demais nas críticas, queria só destacar que é a primeira vez que gasto alguma energia para comentar uma revista. Na realidade, como tenho falado desde o começo, eu quase nem leio revistas. Então, esse longo texto é um sinal de que dei bastante valor para a Riders Magazine do Brasil. Quando uma coisa te incomoda, normalmente é porque tem algo ali que você não consegue compreender. É o choque do novo. Isso é bem legal.

Deram um passo para a frente ao trazer uma nova visão do motoqueirismo. Deram um passo para trás ao esconderem insuficiência de jornalismo com fotos de produtos caros, celebridades sem relação com o motoqueirismo e reportagens traduzidas. Não escrevi este texto para destruir o trabalho de ninguém. Só quis deixar claro, como leitor, do que eu quero que continue e do que eu dispenso. Outra forçação de barra minha é que não estou comparando essa revista com outras revistas. Estou comparando com o que seria ideal para mim. Sacanagem, né?

De qualquer forma, sempre é bom ver novas abordagens. Por isso, vale a pena pagar os R$ 12,90 da Riders Magazine do Brasil para ler reportagens como essas que eu citei na lista aí de cima. O segredo é pular as páginas com perfumes de R$ 300,00…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *