História da Bicicleta


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Bicicletas em Equilíbrio

HISTÓRIA DA BICICLETA
Fábio Magnani
[publicado originalmente em março de 2012]

Sempre que acabo de ler algum livro sobre motos volta aquela velha impressão de que o mundo começou no início do século XX, como se antes disso tudo fosse uma grande pré-história. Agora que comecei a estudar o bicicletismo vi que nada podia ser mais ilusório. Tudo isso que vemos hoje em dia já tinha acontecido antes com as bicicletas no século XIX: viagens aos redor do mundo sobre duas rodas, grandes competições de velocidade, venda de acessórios de marca, aquisição de máquinas caras só por causa do status, grandes encontros, ódio e leis contra quem anda em duas rodas, agências para viagens turísticas ao velho mundo, e a imprensa vendendo produtos ou papagueando a classe alta. Parece que é verdade esse negócio de que a história se repete de tempos em tempos. Deve ser, do mesmo jeito que as modas que voltam a cada dez anos, como a dos patins, do cinema 3D, da música punk e do culto ao Jim Morrison.

Aprendi essa coisa toda no livro Bicycle: The History (Bicicleta: A História, 2004) de David V. Herlihy. O livro é dividido segundo as grandes fases do bicicletismo. Pré-História (74pp), Era das Bone Shakers (84pp), Era das High Wheels (66pp), Era das Safeties (84pp) e o Século XX (94pp). Essa última parte fala dos vários aspectos do bicicletismo atual – utilitário, recreativo e esportivo – e do futuro das bicicletas.

Antes de entrar nos detalhes, deixa eu fazer duas cronologias. As datas não são muito exatas porque não é nada fácil determinar exatamente quando uma tecnologia começou a ser amplamente utilizada. Por incrível que pareça, não é fácil descobrir nem mesmo quando alguma coisa foi patenteada pela primeira vez. Do ponto de vista da tecnologia, a cronologia é mais ou menos assim: veículo com duas rodas (1817), pedal (1865), quadro de aço e rodas raiadas (1870), corrente (1885), pneu inflável (1888), catraca (1900) e marchas (1930). Como exemplo da dificuldade de precisar os eventos, as catracas existiam muito tempo antes de 1900, bem como já havia bicicletas de marchas com engrenagens planetárias desde o início do século. A questão é que não eram usadas em grande escala.

Quanto ao consumo, houve o primeiro boom com as draisiennes em 1817, o segundo boom das bone shakers em 1868 e o terceiro com as high wheels por volta de 1875. Essas três booms tinham consumidores da classe alta e esportistas. Mas a época de ouro das bicicletas começou mesmo lá pelos anos 1885, com as safeties, que tiveram importante papel na liberação das mulheres. Depois que acabou essa moda, em 1900, as bicicletas passaram a ter um uso quase que praticamente utilitário, só com os commuters (pessoas que vão e voltam ao trabalho) e as crianças. Nos anos 1980 houve uma nova retomada, com a criação das mountain bikes, que permitiam o uso em todo terreno, desde as trilhas rurais até as ruas esburacadas das cidades.

Em resumo, a história da bicicleta pode ser contada assim: a Era de Ouro, com grande consumo da classe alta e avanço tecnológio, entre os anos 1865 e 1900; e a Era do Transporte Urbano, do início do século XX até os dias de hoje, com bicicletas relativamente menos avançadas.

A primeira bicicleta foi criada em 1817 por Karl Drais (por isso eram conhecidas como draisiennes). A tecnologia já existia há mais de 3500 anos, mas nunca ninguém tinha pensado em colocar duas rodas em linha. O fundamental era a direção, que estabilizava a bicicleta quando em movimento. Os cientistas ficaram maravilhados em como aquele mecanismo podia se equilibrar. Era bem parecida com as de hoje, mas ainda não tinha pedal. A propulsão era feita com os pés, como os Flintstones. Fez grande sucesso na Europa e nos EUA como uma diversão para os nobres. Mesmo na época era duvidoso se realmente era mais eficiente do que andar a pé, pois embora acelerasse o caminhar era um peso morto nas subidas e nas estradas ruins. Era mais uma brincadeira de abastados. Já naquele tempo a sociedade reclamava dos pilotos que corriam com suas draisiennes pelas calçadas e espantavam os cavalos nas ruas. Os médicos, sempre donos da razão, declararam que as draisiennes faziam mal à saúde e deveriam ser banidas. Os cartunistas ridicularizavam o seu uso, representando quem andava de draisienne como Dândi ou como prostituta. A moda durou uns três anos, depois foi esquecida.

Quase cinquenta anos depois, na França, alguém teve a idéia de colocar um pedal na roda da frente. Ninguém sabe muito bem porque demorou tanto tempo para alguém pensar nisso. Uma hipótese era a hostilidade do público às draisiennes. Outra possibilidade era o grande fortalecimento das ferrovias nos anos 50, que atraía a atenção dos inventores. Outra hipótese ainda é que ninguém pensava nas draisiennes como veículos, mas sim como aceleradores de passadas. O certo é que a tecnologia estava lá. Havia um monte de máquinas com manivelas manuais, até um submarino. Simplesmente ninguém tinha pensado em colocar essas manivelas em uma bicicleta. Um exemplo de como a cultura influencia a tecnologia.

Esse pedal que finalmente colocaram na bicicleta nos anos 60 era usado tanto para propulsão como para frenagem. Essas bicicletas eram chamadas de bone shakers (sacudideiras de ossos) porque tinham rodas de madeira. A criação da bone shaker é alvo de controvérsias, mas parece ter sido criada por Lallement e produzida pela Michaux. O que se sabe de fato é que começaram a ser vendidas em 1867, criando um novo boom. Nessa época, nos EUA, quase todas as cidades tinham ringues de ciclismo. Foram criados muitos clubes de cicloturismo e as corridas chamavam muito a atenção da população. Mas essa moda logo passou. As bicicletas ainda eram muito caras, pesadas e perigosas. Sem contar que as estradas eram de péssima qualidade. Mais uma vez houve forte perseguição da sociedade, com a criação de leis que multavam quem se atrevesse a andar de bicicleta em público.

Em 1869 os EUA celebraram a finalização da ferrovia transcontinental. Mais uma razão para ver as bicicletas como brinquedos caros de riquinhos mimados. Mesmo assim essa época trouxe avanços, como os raios flexíveis, o pneu de borracha maciça e o quadro tubular. As catracas já tinham sido inventadas, mas não eram aceitas por causa da complexidade. Algumas bicicletas mais avançadas já usavam rolamentos e eram fabricadas totalmente em metal.

As rodas dianteiras começaram a ficar cada vez maiores. Isso por três razões: absorviam melhor os impactos, passavam melhor sobre obstáculos e permitiam correr mais, já que o pedal tinha que rodar na mesma rotação que a roda.

Essas bicicletas altas não eram para qualquer um, por isso a partir de 1870 o consumo diminuiu novamente. Mas algumas fábricas continuaram desenvolvendo bicicletas para as corridas, que ainda atraiam o público. Começou o reinado das high wheels (rodas altas). Essas bicicletas eram muito rápidas, eficientes, simples e leves (em 1889 havia uma James que pesava apenas 5 kg). Seus pilotos precisavam ter muita habilidade e coragem para correr sobre rodas que passavam de 1,50m de diâmetro. Os tombos frontais machucavam muito. Nos filmes de hoje em dia as high wheels sempre aparecem pilotadas por bobões, mas na realidade eram conduzidas por atletas muito valentes. Depois dos EUA e da França, a Inglaterra entrou forte na produção e no desenvolvimento tecnológico dessas novas bicicletas. Por lá elas eram chamadas de penny-farthings, pois suas rodas de diferentes tamanhos lembravam a relação entre as duas moedas.

A população rica clamava por bicicletas mais seguras. Eles não queriam só assistir aos intrépidos pilotos das high wheels, queriam andar também.

No meio dos anos 1870 as bicicletas já eram bem avançadas, mas por serem altas só pessoas corajosas e atléticas podiam andar. Algumas fabricantes dessa época produziram bicicletas com engrenagens dianteiras, que permitiam altas velocidades com rodas menores, mas logo caíram em desuso. Como as high wheels ficavam cada vez mais eficientes, era difícil competir com projetos inovadores. As corridas e as proezas dos viajantes faziam grandes sucesso. Agora, enquanto os pioneiros das draisiennes e das bone shakers se viam como mensageiros de uma era democrática, onde todos teriam mobilidade, os high wheelers tinham orgulho de serem uma elite. As bicicletas, por serem muito caras e perigosas, não eram para qualquer um. Mesmo assim, na França, em meados dos anos 70 começaram a aparecer alguns couriers para levar notícias aos jornais e informações para as bolsas de valores. Embora o preço das bicicletas fosse alto, o salário as pagava em poucas semanas. Com o aumento das bicicletas nas ruas voltaram as restrições e as reclamações.

Os relatos de grandes viagens ou de importantes feitos esportivos eram usados para promover as vendas e defender os direitos dos ciclistas. Em 1878 Stanton rodou 1500 km em seis dias. Em 1884 Thomas Stevens deu a volta ao mundo com sua bicicleta, em uma viagem que durou dois anos e meio. No mesmo ano, o Bicycle Touring Club ajudava com hospedagem, mecânica e roteiros. Todos os clubes tinham como objetivo fazer o esporte cada vez mais elitizado, coisa de cavalheiros.

Na Inglaterra e na França, no final da década de 70, a população começou a aceitar melhor as bicicletas. Já nos EUA a população tinha más memórias do fracasso das bone shakers. Garotos apedrejavam ciclistas nas ruas e as leis antibicicletas estavam só esperando qualquer tentativa de volta.

Nos anos 80, os ricos queriam cada vez mais bicicletas seguras. Começou então a moda dos triciclos, que permitiam que senhores de idade e mulheres também andassem. Com a nova demanda da classe alta, começaram a pipocar empresas de acessórios, com lâmpadas, campainhas, câmaras fotográficas (Kodak), mapas rodoviários, bolsas e roupas. Os triciclos ficaram quase tão rápidos quanto as high wheels, eram bem mais seguros e podiam levar carga ou passageiros. Foram importantes para o desenvolvimento dos carros. Como os triciclos eram mais caros, incentivavam mais ainda a elitização. Seus usuários priorizavam os encontros sociais às competições.

Em 1880, a League of American Wheelmen, patrocinada pela Pope (uma das maiores fábricas dos EUA), fazia lobby pelo direito de circular e por mais estacionamentos. Essa mesma luta era travada pela Bicycle Union e pela Bicycle Touring Club na Inglaterra. Essa campanha na América daria origem ao Good Road Movement, uma campanha de sucesso que obrigaria o governo americano a investir em um grande sistema rodoviário de qualidade. As fábricas investiam pesado em competições, publicações, defesa judicial, construção da imagem do ciclista e boas estradas. Grupos lobistas começaram a vencer ações legais que protegiam os ciclistas contra os condutores de carruagens e policiais exagerados.

Duas bicicletas de roda baixa que fizeram sucesso relativo foram a Facile, que usava alavancas nos pés, e a Kangoroo, com corrente na roda dianteira. Embora a Kangoroo não tenha feito tanto sucesso, demonstrou às fabricantes as potencialidades da corrente. A idéia de usar correntes não era nova. Havia várias patentes no tempo das bone shakers. O problema é que não tinham qualidade. Mas daí apareceram as correntes patenteadas por Hans Renold, que permitiam uma boa transmissão de potência.

O meio dos anos 80 foi uma época volátil, com vários projetos lutando pelo futuro das bicicletas – high wheels, triciclos e outras tentativas. Nessa época começaram aparecer várias safeties (seguras) com rodas menores. Em 1885 apareceu a Rover, com duas rodas iguais e transmissão por corrente. Pesava cerca de 20 kg. Tinha roda de 30″, mas com sua transmissão era equivalente à uma high wheel de 50″. Ainda era mais cara que uma high wheel, que eram chamadas de ordinaries (comuns), mas mais baratas que um triciclo. O criador das Rover foi John Kemp Starley.

Uma das novidades tecnológicas que permitiu a aceitação das Rover foi o pneu inflável, que amortecia os impactos das pequenas rodas das Rover. As primeiras safety até tinham sistemas de amortecimento, mas com os novos pneus isso não era mais necessário. Com o desenvolvimento da vulcanização o risco de furos diminuiu bastante, o que fortaleceu mais ainda o uso dos pneus. O pneu Dunlop era complicado, pois precisava ser colado. Em 91 a Michelin lançou um pneu destacável, que podia ser reparado por não especialistas. Outra novidade da época foi o quadro do tipo diamante, usado até hoje.

Tinha nascido a bicicleta moderna: duas rodas, pneu inflável e transmissão por corrente na roda traseira. O mundo nunca mais seria o mesmo. As bicicletas ainda eram caras. Os clubes eram elitistas, patrocinados por fábricas, havia grande consumo de acessórios exclusivos, viagens ao redor do mundo, encontros sociais, feiras de produtos e publicações de folhetos, jornais e cartas. A bicicleta já estava lá, mas era coisa de rico.

Para se ter uma idéia da importância das bicicletas nessa época, no Reino Unido em 1886 havia 50.000 trabalhadores, 200 fábricas e meio milhão de bicicletas e triciclos produzidos por ano. Em 1889, as safeties e as ordinaries disputavam o mercado de igual para igual. Em 1890 o Reino Unido tinha meio milhão de ciclistas, a Alemanha tinha 200 mil e a França 100 mil. A Itália, Bégica, Dinamarca e Holanda também cresciam muito. Os EUA tinham 150 mil.

O primeiro impacto social das Rover foi com as mulheres, que começaram a circular pelas ruas com roupas mais à vontade e a escolher o seu próprio caminho. Em 1890 começou o boom das safeties, com as mulheres e os mais humildes formando uma boa parcela do consumo. As bicicletas ainda eram caras, mas havia um forte mercado de segunda mão e crédito fácil. Nos EUA custavam $125, em uma época em que a renda per capita era $1000. Só em 1891 os americanos compraram 150 mil bicicletas, dobrando o número existente.

As corridas de longa distância e as viagens turísticas começaram a aumentar em número. Em 1892 havia um bom prospecto para o uso das bicicletas no commuting (transporte para o trabalho), mas nesta época os bondes elétricos também começaram a se popularizar, embora fossem pagos, lotados e barulhentos.

A tecnologia melhorava as bicicletas cada vez mais. Em 1893 pesavam 16 kg, em 1894 12 kg.

As feministas perceberam que a bicicleta era uma ferramenta para mudança. Um bom exemplo de como a tecnologia influencia a cultura. Começaram então a fazer campanhas para mudanças no código de vestimenta, aulas de pilotagem para operárias, clubes e eventos.

Nessa época começaram também várias discussões que hoje seriam engraçadas. Como o cavalheirismo se aplicava ao ciclismo? Um homem deveria tirar a mão do guidão para cumprimentar uma dama? Como a religião via os passeios aos domingos? As bicicletas causavam esterilidade masculina? As mulheres sentiam prazer pelo roçar do banco?

Celebridades e clubes elitistas ficavam cada vez mais comuns. Mesmo com o preço alto, a classe média também praticava o esporte. Alguns ricos tentavam popularizar o esporte, outros reclamavam da crescente participação de “indignos”. De qualquer forma, as bicicletas aumentavam a camaradagem nas estradas e mexiam com as divisões sociais. No meio da década de 1890 as bicicletas também começaram a ser populares entre as crianças.

Parecia que tudo seria uma maravilha dali para frente. A bicicleta com alta tecnologia e promovendo melhorias sociais. Pena que não foi bem assim.

Estamos nos anos 1890, com as bicicletas com quase todos os avanços tecnológicos de hoje em dia (duas rodas, pneu inflável e transmissão traseira por corrente), vendendo muito e forçando melhorias sociais. Nessa época a indústria americana era muito avançada, com toda uma indústria de base produzindo máquinas para fabricação de tubos, correntes, rolamentos etc. Essa estrutura depois seria usada na produção das motos e dos carros. A Pope tinha até uma linha de montagem elétrica, além de promover vários avanços trabalhistas. A campanha por melhores estradas começou a dar resultados. Pope doou $6.000 para o MIT criar um departamento de engenharia de estradas. Tudo ia muito bem, até que em 1896 terminou o boom. A questão é que os ricos perderam o interesse pela moda, já que agora as bicicletas não serviam mais como símbolo de classe. Simples assim.

Do ponto de vista tecnológico, a bicicleta ainda precisava de dois grandes avanços para serem realmente úteis para o homem comum: a catraca e as marchas. A catraca permite que o ciclista pare de pedalar mesmo com a roda em movimento. As marchas fazem com que o ciclista sempre pedale na sua rotação ótima, independente da velocidade da bicicleta. Essas tecnologias já existiam. Para se ter uma idéia, já naquela época existiam quadros de alumínio em bicicletas de 9 kg. Também já havia bicicletas dobráveis, transmissão por eixo, quadros treliçados, bicicletas recumbentes (em que se pedala deitado), bicicletas de 5 kg e câmbio de marchas com engrenagens planetárias. Mas a indústria não tinha apostado na produção em massa desses itens. Agora, sem o mercado dos ricos, ninguém mais tinha recursos para o desenvolvimento tecnológico.

Por não serem mais símbolos de status, as fábricas não conseguiam mais vender novidades caras. Por isso a tecnologia não era mais desenvolvida a ponto de baixar o custo. Alguns especialistas acham que um problema da indústria das bicicletas foi trabalhar com lucro muito alto. Isso atraía fábricas pequenas que não tinham compromisso com o desenvolvimento. Outras pessoas acham que a implosão foi causada pelo surgimento das motos e dos carros. No entanto, esses veículos só seriam confiáveis na segunda década do século XX. Com o fim do boom, os commuters continuaram usando as bicicletas, mas não compravam os modelos mais caros nem trocavam todo ano só para mostrar que tinham dinheiro. Essas bicicletas usadas para o transporte urbano, sem marchas, são chamadas de clunkers. O que tinha terminado, então, era o lucrativo mercado recreacional.

O boom das safeties deixou um forte legado para o século XX: uso das bicicletas como esporte e transporte urbano, linhas de montagem que depois seriam usadas para montar carros e motos, aceitação social da mobilidade individual, melhores estradas, liberdade feminina, rede de assistência técnica, tecnologia para carros e motos, transporte barato, corridas tanto para desenvolvimento tecnológico quanto para promoção da vendas, e democratização social.

No século XX, com a queda dos preços, as bicicletas finalmente se transformaram nos “cavalos do homem pobre”. Em 1900 as catracas começaram a ser comuns nas bicicletas. Com esse desenvolvimento foi necessário a instalação de freios, já que o pedal não servia mais para diminuir a velocidade. Nos EUA o mercado preferia os freios de pé, na Inglaterra o freio de mão. Em 1914 apareceu o primeiro derailleur (câmbio) comercialmente aceito. Eles pegaram mesmo nos anos 30, sendo mais leves que as engrenagens planetárias, que algumas bicicletas usavam até ali.

A Inglaterra voltou forte à produção, com suas clunkers de baixo custo e mais práticas. As bicicletas eram usadas para entregas, correios, notícias e polícia. Em 1910 a Alemanha tomou a dianteira nas exportações. A França também voltou com força. O Japão virou um grande consumidor, mas logo depois passou também a ser um grande produtor para a Ásia.

Nos EUA as bicicletas se tornavam cada vez piores e mais pesadas. Uma explicação eram os carros da Ford, que custavam só $400. Bicicletas e motos por lá, só para lazer. Eles até exportavam bastante quando havia alguma guerra que diminuísse a produção européia, mas era uma produção sanfona.

Nos anos 30, a circulação nos EUA era de 3 milhões, na Alemanha de 15 milhões, na Inglaterra de 7 milhões, na França de 7 milhões, no Japão 6 milhões, na Itália de 4 milhões e na Holanda de 3 milhões. Só em Amsterdã, 400.000 commuters circulavam diariamente. A China importava muito da Inglaterra, Japão e Alemanha.

Na Segunda Guerra Mundial, tanto os EUA quanto a Europa aumentaram bastante o uso de bicicletas, para economizar combustível e aço. Depois da guerra, a produção americana até aumentou, mas a venda era para as crianças.

Na Europa os commuters continuaram fortes até meados de 50, mas diminuíram muito por causa do acesso aos veículos motorizados. Os europeus passaram a praticamente só exportar para os países em desenvolvimento. Os países da Ásia começaram a produzir a maior parte das peças. As bicicletas só eram montadas na Europa.

Nos anos 1960 entraram em moda as bicicletas de 10 marchas, produzidas na Europa. Isso criou um novo boom nos EUA nos anos 70, de touring, mas as bicicletas eram bem inferiores. Nessa época havia uma campanha rail-to-trail muito legal, para transformar linhas de trem abandonadas em trilhas para bicicletas.

Mas a mais profunda mudança da segunda metade do século XX foram as mountain bikes (c. 1985), que permitiam que as pessoas fossem a qualquer lugar. Eram ótimas para as cidades, embora pesadas e de relativamente baixa tecnologia.

Enquanto nos países pobres ou em desenvolvimento há agora um forte incentivo para carros, a Europa faz campanhas para as bicicletas, com a construção de linhas específicas e incentivos fiscais. A experiência alemã sugere que são necessários estacionamentos, linhas especiais e desencorajamento do uso de veículos motorizados. É preciso desenvolvimento em Mountain Bikes confortáveis e baratas, capacetes, cadeados, quadros leves, pneus largos e marchas que funcionem.

No Japão havia mais de 1 milhão de commuters nos anos 80. O país com mais bicicletas é a China. Praticamente todas as províncias têm fábricas. Nos anos 90 eles tinham algo como 1 bilhão de bicicletas. Além de consumir muito, a China também exporta.

O ciclismo recreacional diminuiu muito depois do boom de 1890, principalmente o touring. Agora as pessoas preferem passear mais longe com os motores dos carros e das motos. Sem contar que o trânsito é perigoso para as bicicletas. A força social da classe alta, que lutava pelas bicicletas, agora é praticamente inexistente. É preciso articular uma nova luta, mas agora baseada nos commuters.

Sobre o futuro ninguém sabe ao certo o que virá. Há competição dos segways, patins e scooters. As bicicletas elétricas também estão vindo com muita força, mas eu tenho minhas dúvidas se elas irão substituir as bicicletas. Acho que são mais o futuro das motos. Também há uma série de projetos específicos, até de bicicletas para deficientes físicos. Outra proposta recorrente são as recumbentes, que teoricamente são melhores que as normais, embora sejam complicadas para guardar, tenham pouca mobilidade no trânsito urbano e não tenham muita visibilidade.

É certo que duas tecnologias, a safety (1885) e a mountain bike (1985), trouxeram um novo tipo de uso para as bicicletas. No entanto, provavelmente não será uma tecnologia que trará a próxima revolução. A volta das bicicletas depende de uma boa infraestrutra de ciclovias, chuveiros e estacionamentos; de uma legislação que proteja os ciclistas dos motoristas homicidas; e de uma mudança cultural na qual as pessoas lembrem-se de aproveitar mais a vida. A ida ao trabalho, por exemplo, pode deixar de ser vista como um inferno e passar a ser um eterno passeio.

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