Vol. 4 – Os Vingadores de Pandora

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Má-Criações em Duas Rodas

OS MOTOQUEIROS DO SERTÃO – VOL.4: OS VINGADORES DE PANDORA
Fábio Magnani
[publicado originalmente em abril de 2010]

Parte 1

As cinco motocicletas do motoclube Vingadores de Pandora entraram na cidade fazendo um enorme barulho. A nuvem de poeira deixada para trás naquele crepúsculo de verão fazia a visão ser mais terrível ainda. As mães puxavam suas crianças para a calçada, as velhas trancavam as janelas das casas, os jovens – comumente tão valentões com os de fora – ficaram parados em suas mesas de bar orando para que o tempo passasse logo. Um teatro onde todos sabiam como se portar.

Os vingadores desfilaram por toda a avenida central. Depois voltaram, parando suas motos no jardim. Ninguém da cidade tinha coragem de olhar diretamente para o grupo. Os cinco homens se vestiam do mesmo jeito. Jaqueta de couro com o brasão nas costas, cabelo comprido e barba. O cheiro forte de suor, depois de tantos dias na estrada também os fazia iguais. Até o olhar confiante, de quem toma o que quer, era o mesmo. Somente os nomes e posições – bordados em seus peitos – é que os diferenciava. Aqueles cinco representavam a cúpula do motoclube.

Como que para quebrar o encanto, o sorridente capitão da polícia militar caminhou até o grupo assim que terminou seu cafezinho na padaria. A cidade toda agora olhava para o jovem uniformizado.

Como que nobres em um castelo, os cinco motoqueiros receberam o comandante com bastante familiaridade, mas também com altivez. Depois dos cumprimentos, somente o presidente falava. “Comandante Feijó, nós estamos aqui para programar uma festa na sua bela cidade de Miracaia do Norte. Os meus homens dos Vingadores de Pandora estão precisando relaxar.”

Como de costume, o comandante aceitou todos os pedidos dos vingadores. Seu trabalho não seria impor dificuldades, mas sim manter a calma durante os festejos. Nunca com violência, sempre com diplomacia. Os vingadores eram a atração anual da cidade. O povo amava aquele grupo muito mais do que temia. Como sempre, as meninas se entregariam, os rapazes fariam de tudo para serem aceitos, as crianças passariam os dias vidradas nas máquinas e os adultos ganhariam dinheiro com a venda de bebida.

A conversa entre o presidente e o comandante corria solta até que o policial mudou sua prática comum, tentando pressionar o motoqueiro.

“Sabe que andam perguntando muito por aí sobre os dois novos integrantes do seu motoclube? Tem gente graúda na polícia curiosa em saber como dois caras sobem até a diretoria do maior motoclube do estado em apenas dois meses. Por falar nisso, onde estão eles?”

“Olha aqui, Feijó. Não adianta vir com essa conversa mole não. Os caras são nossos amigos. Subiram na hierarquia por sua liderança. Eles sabem agir na hora certa e sabem controlar o grupo quando é preciso.”

“Mas desde que eles apareceram, também começaram a surgir suspeitas de que seu motoclube estaria agindo fora da lei. O clube está mais organizado, ágil e valente. Não combina muito com você. Está perdendo o controle do clube? Onde essa brincadeira toda vai acabar?”

Nisso o presidente dos vingadores – o Chapadão -, empurra de leve, mas agressivamente, o peito do comandante. Com o dedo apontando para o seu nariz grita para o policial:

“Ninguém aqui está perdendo o controle nenhum, caramba! Eu mando e desmando neste clube. Pessoal, vamos embora que essa cidadezinha de merda já está me deixando azedo.”.

Em poucos segundos todos já estavam em cima de suas motos ligando os motores. As motos saíram acelerando, deixando para trás muito barulho e poeira em Miracaia do Norte.

Ao comando do presidente, o grupo parou na beira da estrada, a poucos quilômetros da cidade. O presidente, ainda transtornado com a conversa, gritou:

“Quem manda aqui sou eu! Entenderam? Quando chegarmos na chácara eu vou ter uma conversinha com esses dois novatos!”

Ficou esbravejando até que um dos seus diretores lhe deu um abraço. Nisso o homem deu um suspiro e olhou para o grupo com um olhar cansado, velho e desesperançado. De que lado aquele grupo ficaria? Do lado de um velho carinhoso e preguiçoso, ou do lado dos dois forasteiros que traziam promessas grandiosas?

(continua)

Parte 2

Chegando na chácara, Chapadão não falou nada para os dois novatos. Como de costume, tentaria manter o seu poder isolando os dois do restante do grupo. Nunca foi homem de confronto. Jessé – agora conhecido como Bomba no grupo – sabia disso. Era fácil usar essa “esperteza” contra o presidente.

No canto, Bomba e Gloqui – novo apelido de Willi – faziam seus novos planos.

“Precisamos nos capitalizar rápido”, disse Bomba, “mas com esse grupo de amadores está difícil”.

“Você desistiu da idéia de treinar o grupo para um assalto?”

“Tive uma idéia melhor. Vou incentivar os caras para um assalto sem treinamento nenhum. Quem conseguir sair vivo e livre será escolhido. Seleção natural!”

Fazia um tempo que Gloqui queria tocar em um assunto com Bomba, mas depois do ataque frustrado ao Coronel Abobrinha, só podiam contar um com outro. Mas chegara a hora da separação, mesmo que temporária.

“Bomba, eu estou precisando ir até a Chapada Diamantina resolver uns problemas pessoais. Acho que fico por lá no máximo uns 30 dias. Você acha que pode aguentar esse pessoal sozinho por um tempo?”

“Tá maluco?”, exaltou-se Bomba. “Eu vou morrer se tiver que depender desse pessoal. Mas o que de pessoal sobrou na sua vida? Você é procurado pela polícia por assassinato, não tem família, não tem posses e sua mulher foi morta. Vai atrás do que? Alguma tranqueira do passado?”

“Mais ou menos. Mas preciso muito ir.”

Bomba acendeu um cigarro e ficou olhando para a serra que corria por trás do sítio. Como sempre tinha uma solução.

“Vamos fazer o seguinte: eu convenço os vingadores a cometerem um assalto lá na Bahia, mas não muito perto da Chapada. Enquanto nós nos escondemos esperando o ataque esfriar, você vai resolver seus problemas. Mas antes você vai participar do golpe, certo?”

“Combinado, meu irmão. Combinado.”

Dois dias depois os 7 motociclistas partiam para a Bahia. Para os 5 diretores seria um batismo de fogo. Nunca tinham praticado grandes ataques. Mas Bomba convenceu bem os caras dizendo que seria muito fácil e que a energia que se sente depois de um assalto é inesquecível. Sem esquecer, é claro, de ficar sempre dizendo que só covardes não fariam aquilo. Chapadão não conseguiu impedir a votação. Esperava, então, minar a coragem dos amigos durante a viagem.

Mas não havia mais volta. Dois dias depois estariam atacando a fazenda Boi Forte, na região norte da Bahia. Uma volta sem glamour, mas era dinheiro fácil. Pelo menos para Bomba e Gloqui. Bem, pelo menos era o que os dois pensavam.

(continua)

Parte 3

A Fazenda Boi Forte era um imenso empreendimento comercial na Bahia. O seu proprietário, Coronel Gentil, não confiava em bancos, governo ou polícia. Por isso, concentrava na medida do possível todas as suas operações dentro de sua propriedade. Toda a procriação era feita na própria fazenda. O boi entrava como espermatozóide em uma matriz premiada e saía como hamburger em um caminhão frigorífico da própria fazenda. O lucro era dividido em duas partes: pagamento de despesas e aumento do negócio. Desta forma, o dinheiro não ficava no banco. Dinheiro para salários e despesas mensais ficava em um cofre na sede. O restante era rapidamente transferido para fornecedores de ração, matrizes, energia elétrica e vacinas. Qualquer lucro maior era usado para comprar mais terras ou mais cabeças de gado. No total havia centenas de funcionários por suas terras: peões, veterinários, contadores, seguranças, vendedores e compradores.

Tudo isso era de conhecimento público. Bomba tinha conseguido as informações na internet. Faltavam apenas detalhes sobre a rotina de segurança da fazenda. Isso seria relativamente fácil, não havia tanta preocupação pois o grosso do empreendimento era materializado em terras e cabeças de gado. E isso só podia ser roubado por juízes ou políticos, coisa que se evita com corrupção, não com segurança. Sobrava apenas o dinheiro de “troco” para pagar os salários e pequenas despesas. Mas mesmo assim, perto do dia do pagamento, o valor podia chegar a um quarto de milhão de reais.

Para pagar o salário, o gerente da fazenda simplesmente abria o cofre no dia 25 de cada mês enquanto formava-se uma fila de funcionários na frente da agência. No local havia poucos seguranças, sendo bastante fácil dominá-los. O maior problema é que a agência ficava no meio da fazenda. Como os Vingadores de Pandora entrariam sem ser percebidos? Pior ainda, como sairiam depois do assalto sem serem perseguidos pelos seguranças espalhados pela fazenda? Ainda, chamariam a polícia ou os exterminariam por ali mesmo caso os capturassem?

Existe uma verdade, quase mais velha que a humanidade, que a melhor mentira é aquela que fica bem perto da verdade. Entrariam na fazenda como bandidos.

Enquanto todos se reuniam em volta da fogueira, Bomba repassava o plano.

“Vamos entrar na fazenda vestidos com nossos uniformes do motoclube. Isso vai chamar a atenção dos seguranças. Vamos dizer que temos horário com o Coronel Gentil e entramos na fazenda rumo à agência. Fazendo isso, todos os seguranças vão ser deslocados para lá. Vão esperar que o nosso grupo queira arrumar confusão, mas nunca um assalto em plena luz do dia. Por isso vão apenas nos acompanhar, sem confronto.”

Glóqui se levanta, toma a palavra e continua:

“Se tivermos sorte, o Coronel Gentil vai estar lá. Sacamos as armas, tomamos o velho como refém e ordenamos que nos entreguem o dinheiro. Se estivermos com azar, usaremos as granadas para ameaçar todos os trabalhadores da fila do caixa. Os seguranças não vão querer ser responsáveis pela morte de centenas de pessoas.”

Nisso o velho Chapadão pede para falar, na última tentativa de desmobilizar o grupo.

“Até aí tudo bem, mas como fugiremos com o dinheiro?”

Glóqui abre um sorriso enquanto Bomba chuta a bola quicada.

“Aí é que entra a parte divertida. Subimos em nossas motos e corremos o mais rápido o possível para as várias saídas da fazenda. Não teremos resistência, já que todos terão se deslocado para a agência no início do golpe. Chegando na estrada, entrem em alguma trilha da caatinga, tirem a roupa do motoclube e ativem o rastreador das motos. Voltem caminhando até a estrada, onde uma van irá pegá-los. Tragam o dinheiro no saco de milho no qual estão levando seus disfarces de peão. Com o tempo voltaremos para pegar as motos.”

Numa última tentativa de triunfo, Chapadão lança o apelo desesperado.

“E se alguém cair da moto? E se alguém levar um tiro?”

Mais uma bola quicada para Bomba disparar o petardo.

“Se alguém cair, pega carona com um companheiro. Se alguém levar um tiro, torça para ser no colete a prova de balas.”

Bomba bate o punho fechado no peito, dá uma gargalhada e dispara.

“Mas não se esqueçam que isso aqui é coisa para motociclista macho!”

Todos gritam enfurecidamente, como que para dissipar a ansiedade pelo golpe. As armas, granadas, munição e coletes são distribuídos. Abrem-se garrafas de whisky. Começa a festa!

(continua)

Parte 4

Logo pela manhã, o grupo desarma o acampamento e segue para a Fazenda Boi Forte. Sem nenhuma cerimônia, Bomba pega a frente do comboio de motos, lugar sempre reservado para o presidente Chapadão. As sete motos fazem bastante barulho, chamando a atenção por todas as pequenas vilas em que passam no caminho. Não querem se esconder, querem é que todos guardem em suas mentes o grande barulho das motos, os cabelos compridos e as roupas de couro. Ninguém vai se lembrar de como os seus rostos eram depois que tirarem o uniforme e a barba.

Chegando na portaria da fazenda, logo se fazem anunciar.

“Digam ao Coronel Gentil que os Vingadores de Pandora chegaram”.

Não dão nem tempo para o porteiro ligar para a central. Rompem o portão adentro e seguem para a agência.

No caminho andam devagar, para dar tempo que todos os seguranças os sigam. Tudo ocorria exatamente como planejado. Ao chegarem na agência, havia centenas de empregados na fila, 5 seguranças curiosos rondando por ali e mais 15 seguranças chegando em caminhonetes.

O Coronel Gentil vem bravo, enrubescido e disparado ao encontro de Bomba.

“O que vocês pensam que estão fazendo aqui?”

Nisso, como que coreografados, os 7 motoqueiros sacam as armas, mostrando-as a todos. Bomba, por sua vez, estende o braço até encostar o cano de sua pistola na testa do Coronel. Enquanto pressiona a cabeça do velho, Bomba grita suas instruções para que todos ouçam.

“Nós estamos aqui para assaltar a agência. Sou procurado no Brasil por várias mortes. Não tenho nada a perder. Vocês têm 5 minutos para colocar todo o dinheiro no saco ou estouro a cabeça do Coronel. Já!”

Cinco minutos depois todo o dinheiro estava nos sacos. Ninguém reagiu.

Ligaram as motos e dispararam para as mais diversas saídas da fazenda. Bomba e Glóqui, juntos, rumaram para a saída sul. Ao chegarem na porteira, um peão solitário, que recebera a notícia do assalto pelo celular, desce da caminhonete e resolve bancar o herói. Dispara 5 tiros em direção aos dois motoqueiros. Quatro projéteis passam pelo meio dos dois, mas o quinto entra na cabeça de Bomba. O motoqueiro cai morto no chão, enquanto sua moto se espalha na estrada de terra.

Glóqui pára a sua moto, puxa a 12 de suas costas e mata o peão. Sem pensar duas vezes, traz a caminhonete até perto do acidente e coloca o corpo do amigo na caçamba, junto com o dinheiro arrecadado pelos dois. As duas motos ficam largadas na fazenda enquanto a caminhonete dispara pelo sertão da Bahia.

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Pela mais pura sorte, nenhuma blitz parou o carro até chegarem na Chapada Diamantina. Willi não sabia o que acontecera com os outros membros do motoclube, se ainda estariam vivos e livres. Mas o que importava agora era chegar o mais rápido possível ao seu destino.

Depois de andar por trilhas escondidas pelo tempo, chegou até o casebre. Bateu palmas até que a mulher saísse na porta. Era uma mulher de meia-idade, com o rosto marcado pelas experiências da vida, mas ainda com um charme irresistível.

“O que o moço procura por essas bandas?”

“Eu procuro a Bruxa Tereza. Preciso que reviva meu amigo estirado aí na caçamba e minha mulher que está em uma cova lá em Pernambuco”.

“E o que faz você pensar que eu posso fazer isso?”

“Eu sei que foi você quem reviveu o Lampião. Mas deixe de conversa, mulher, tenho pressa! Pago o que quiser.”

Tereza fica vermelha de raiva, mas logo abre um sorriso lembrando que a vingança é um prato que se come frio.

“Posso fazer o que deseja. Mas há duas condições. Primeiro, para cada um dos mortos, você deve escolher se prefere que voltem a ter o corpo de quando estavam vivos ou se prefere que tenham a memória de quando andavam por essa terra. Perceba, ou a memória em corpo putrefato – como no caso do Lampião – ou um corpo bonito em uma mente apagada.”

“Quero Lampião e Jessé com memória, Giovana com corpo saudável”

“Ela não vai mais te amar.”, diz tranqüilamente a Bruxa Tereza.

“Estou preparado para isso. E a segunda condição?”, pergunta Willi.

“A segunda condição é que a sua alma será minha!”

(continua)

Parte 5

De volta a Pernambuco, foi fácil para Willi – digo, Gloqui – encontrar o esconderijo dos Vingadores de Pandora. Para eles tudo tinha dado certo. Fugiram com todo o dinheiro, conseguiram recuperar as motos e, segundo o comandante Feijó, lá de Miracaia do Norte, nenhum deles havia sido reconhecido. Claro que sabiam serem os Vingadores, mas o motoclube como um todo tinha mais de 100 integrantes, divididos em 5 filiais. Impossível persegui-los judicialmente. Mas a polícia ficaria de olho.

Gloqui criou a história de como ele e Bomba tinham sido atacados na saída da fazenda, mas sem nenhum maior incidente a não ser a perda das motos e um tiro de raspão em Bomba. Aliás, por isso Bomba não tinha voltado ainda com ele.

Fizeram uma grande festa para comemorar que todos estavam bem, livres e ricos. Muita bebida, mulheres da redondeza e muito rock´n´roll. No meio da noitada, Chapadão se aproxima de Gloqui.

“Meu amigo, que bom que está de volta. Parece que tudo correu como vocês planejaram, não é?”

“Melhor ainda que o planejado. E você, como se sente como o presidente de um verdadeiro motoclube fora-da-lei?”

O velho Chapadão abriu um sorriso de orgulho, mas logo cerrou novamente a feição.

“Não posso dizer que não tenha sido excitante participar do assalto, mas esse negócio de roubar de gente trabalhadeira não deixa a gente dormir direito à noite.”

Glóqui se lembrou de quanto havia pensado nisso na viagem de volta. Todos os assaltos até ali tinham sido para roubar de traficantes e políticos corruptos. Mas os dois últimos golpes – a tentativa de assassinar o Coronel Abobrinha e o assalto à Fazenda Boi Forte -, foram um pouco além da conta. Em que ponto dessa história toda Jessé e Giovana convenceram Gloqui a ser um criminoso de verdade? Mais ainda, eles tinham realmente feito uma trama para envolvê-lo ou tinha sido sua própria escolha? O certo é que, fosse o que fosse, tinha que concordar com o velho Chapadão, pois não vinha dormindo bem ultimamente. Mas havia assuntos mais urgentes para serem resolvidos.

“Chapadão, preciso da ajuda dos Vingadores para um assunto particular. Sei que não é prudente sairmos pelo mundo logo agora, mas é coisa urgente.”

“Pode pedir o que quiser, meu irmão.”

“Não faça perguntas, mas preciso ir até Recife, invadir o cemitério dos bacanas e recuperar o cadáver da minha mulher.”

—-

No caminho para Recife, o ronco das 6 motos dos Vingadores de Pandora fizeram o coração de Gloqui bater mais forte. Esses homens, considerados apenas marionetes nos planos de Bomba, estavam fazendo de tudo para ajudá-lo. Mais ainda, eles tinham saído vivos do assalto, enquanto o grande Bomba estava com a cabeça estourada lá na Chapada Diamantina, na casa da Bruxa Tereza. Onde estava a real amizade?

O grupo foi parado várias vezes na estrada, mas a polícia não podia fazer nada além de assediá-los. Chegando em Recife, deixaram as motos e os uniformes na sede do motoclube. Não era momento de chamar mais a atenção da polícia. Ficaram em um bar próximo ao cemitério até chegar à meia-noite. Havia apenas dois seguranças, que foram facilmente dominados. Entraram no cemitério com marretas para arrebentar a porta da tumba.

Nos 4 meses desde a morte de Giovana, ninguém havia estado por ali. O coronel Abobrinha deu-lhe um enterro bonito, para manter as aparências, mas não tinha saudade nenhuma da mulher. Por ele, ela ficaria eternamente no inferno, sozinha.

Os Vingadores levaram o caixão lacrado até a caminhonete e seguiram para o motoclube. O plano era simples, Gloqui iria dirigir a caminhonete com as motocicletas por perto. Qualquer blitz iria parar os Vingadores, não dando a mínima importância para o veículo velho que escondia o caixão.

Depois de 18 horas de viagem, com várias paradas pela polícia, chegaram até a casa da Bruxa Tereza. Os diretores do motoclube ficaram do lado de fora, enquanto Glóqui foi falar com a mulher.

“Aqui está o corpo de Giovana e a minha alma, como você pediu.”

A Bruxa Tereza deu um sorriso.

“Então está tudo certo. Não precisamos do corpo de Jessé ou do Lampião, pois irão voltar no estado que estão agora, decompostos. Só falta mais uma coisa agora.”

“Mais detalhes ainda? Não era só isso que precisava para revivê-los?”

A Bruxa Tereza levantou-se da cadeira, olhou intensamente dentro dos olhos de Willi e decretou.

“Olho por olho, dente por dente, se você quiser os seus amigos de volta, terá que matar quem os matou.”.

(continua)

Parte 6

Gloqui teve que tomar duas decisões das quais talvez se arrependesse mais tarde. A primeira foi forçar uma nova eleição para a presidência dos Vingadores de Pandora. Chapadão continuaria na diretoria, agora como vice-presidente. Não que o velho atrapalhasse tanto assim, pois era fácil desafiá-lo em qualquer reunião do motoclube, mas queria fechar todo o espaço na volta de Bomba. O velho amigo, agora parecia, poderia ser uma ameaça à sua segurança caso estivesse nas rédeas das ações dos Vingadores. A segunda decisão foi contar aos seus amigos do motoclube quem eram na realidade: Willi e Jessé. Era a única maneira de ganhar a confiança para que o ajudassem no assassinato do coronel Abobrinha.

Da outra vez tinha sido mais fácil se aproximarem do coronel, pois tinham informações da polícia, através do capitão Piquetão, e as habilidades de hacker de Lino. Mas agora esses companheiros estavam mortos. Só restara a força física.

Dureza, o sergeant-at-arms do motoclube – responsável pela obediência dos membros -, foi quem deu a idéia.

“Sem nenhuma informação sobre a segurança da casa dele, horários de viagem ou esquema de guarda-costas, nossa única alternativa é um golpe frontal. Esperamos ele sair de casa, perseguimos o carro com as nossas motos e metralhamos o cara.”

Willi coçou a cabeça. Não era hora para ser original, tentava pensar como Jessé.

“Concordo com você, Dureza. Mas acho que o difícil não é matá-lo, mas sim fugirmos. De moto vamos chamar muito a atenção. À pé toda a cidade saberá para onde estamos indo. Não estaremos na caatinga.”

“A gente tem que chamar a atenção do povo para outra coisa”, falou Mestre, o tesoureiro dos Vingadores.

“Boa idéia, Mestre. Mas o que pode chamar mais a atenção do que um carro sendo metralhado? Uma guerra total?”, perguntou Foice.

“Isso mesmo, uma guerra total”, exclamou Kinive, o road captain dos VP.

Willi sorriu para o grupo, sinalizando o OK para começarem a execução. Pela primeira vez o plano havia sido construído pelo grupo. Afinal, parecia que não precisavam tanto de Jessé assim.

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Ficaram 2 dias à espera do coronel Abobrinha. Quando saiu, em seu carro blindado, acompanhado de outro carro escolta, seguiu pela avenida principal, como era o seu costume. Depois de andar 400m, um caminhão colidiu com a sua lateral jogando o carro para um poste. Os motoqueiros cercaram o carro da escolta, apontando as sub-metralhadoras, impedindo que os seguranças saíssem. Um tiro de bazuca destruiu completamente o carro antes que o motorista pudesse pensar se fugiriam ou ficariam para defender o coronel.

A colisão com o poste havia aberto a porta do carro do coronel. Todos estavam grogues, então não houve qualquer resistência quando Willi pegou o velho pelo colarinho, forçando-o a ficar de joelhos no asfalto.

“Isso aqui é pela Giovana, velho burro!”. Atirou de raspão no pescoço do coronel, para vê-lo estrebuchando em uma poça de sangue.

Os 6 motoqueiros ficaram à espera da polícia, pois não havia sentido tentarem fugir com suas motos. Assim que ouviram a sirene, começou a segunda parte do plano. Com um simples apertar de botão, ouviram-se explosões em todas as fachadas da quadra. Nada foi destruído com seriedade, pois os explosivos foram escolhidos pelo barulho, luz e fumaça que poderiam produzir. Como efeito secundário, todos os alarmes contra incêndio e roubo foram ativados, aumentando mais ainda o pânico. O resultado foi um estouro de manada, com todos os ocupantes dos prédios fugindo para a rua, em busca de proteção.

Foi fácil, então, para os motoqueiros deixarem as motos na rua e simplesmente acompanharem a multidão para longe dali.

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Como sempre, no dia seguinte, os jornais estavam cheios de notícias frescas:

“Motoqueiros do Sertão assassinam brutalmente o Coronel Abobrinha.”

“Quem pode nos salvar dos Motoqueiros do Sertão?”

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Os Vingadores de Pandora reuniram-se dois dias depois, na fazenda esconderijo. Não eram mais tão ingênuos depois de assalto ao coronel Gentil e ao brutal assassinato do coronel Abobrinha. Roubar de inocentes e assassinar outro ser humano, por mais merecedor que seja, não são atos que passem em branco na cabeça de alguém. De agora em diante, todos do motoclube estariam comprometidos com aquele estilo de vida. A sua amizade estava selada, por enquanto, mas quais deles suportariam conviver muito tempo com aqueles crimes em suas memórias? Só o tempo diria.

Para os Vingadores de Pandora, a morte do coronel Abobrinha tinha sido uma vingança. Para o público, uma retaliação pela tentativa fracassada de alguns meses antes. Para Jessé, Giovana e Lampião – mesmo que não tivessem consciência -, tinha sido um sinal de esperança.

Apenas a Bruxa Tereza sabia que aquilo, na realidade, tinha sido a chave para a abertura dos portões do inferno!

(continua, em breve, com as novas aventuras dos Motoqueiros do Sertão)

 
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