© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Ficções em Duas Rodas
Fábio Magnani
[publicado originalmente em setembro de 2011]
Pulp Fiction
Nos primeiros 60 anos do século XX, nos EUA, havia um grande número de revistas baratas, com estórias mais baratas ainda, que podiam ser compradas por moedas em qualquer banca. Havia vários subgêneros, como aventura, mistério, ficção científica, romance e velho oeste. O papel usado nessas revistas era o mais simples possível, feito com polpa de madeira. Por isso, eram chamadas de pulp fiction (algo como “ficção de polpa”). Um pouco mais para a frente, essas estórias começaram a ser publicadas como livros, mas o termo pulp fiction continuou sendo usado para caracterizar o gênero.
As duas guerras mundiais e a quebra da bolsa de Nova Iorque não foram fáceis para a maior parte dos americanos na primeira metade do século XX. Eles não tinham muita diversão, a não ser o rádio e essas revistas. Depois dos anos 50, com o fortalecimento da economia e melhoria no sistema educacional, as pessoas começaram a procurar entretenimento de melhor qualidade. Foi o fim desse tipo de literatura.
Se por um lado os textos não eram bem escritos, nem os personagens bem construídos, por outro lado as idéias corriam soltas e rápidas no pulp fiction. Eu adoro esse lixo. Já tinha falado um pouco sobre isso no artigo Pulp Fiction. A minha séria eternamente inacabada – Os Motoqueiros do Sertão – é uma homenagem a essa época onde escritores medíocres tinham alguma chance.
Alguns personagens importantes eram Buck Rogers, Conan, Doc Savage, Flash Gordon, Fu Manchu, Salomon Kane, O Sombra, Tarzan e Zorro. Embora o papel usado fosse vagabundo, os caras caprichavam muito nas capas para chamar a atenção dos leitores a qualquer custo.
Lésbicas
Mas nem tudo era sensacionalismo barato ou emburrecimento cultural na era dos pulp fiction. Algumas dessas estórias tiveram uma grande importância social e cultural. Um exemplo disso foi um novo subgênero que apareceu já no final da época de ouro das pulp fiction: o Lesbian Pulp Fiction.
Essas estórias de lésbicas traziam as principais características do gênero, como a exploração barata da nudez, do sexo e da violência. A grande maioria era escrita por homens, apenas para satisfazer as fantasias de leitores heterosexuais. Nessas estórias, as lésbicas eram associadas à bruxaria, satanismo e orgias. Para não serem consideradas obras de proselitismo ao homosexualismo, no final de cada aventura as mulheres tinham que se apaixonar por homens ou então morrer. Para as autoridades, o lesbianismo não deveria trazer felicidade a ninguém.
Hoje em dia esse tipo de estória é considerado uma porcaria que denigre a imagem das mulheres, qualquer que sejam suas preferências sexuais. Mas naquela época eram o único sinal, para incontáveis mulheres solitárias, de que em algum lugar no mundo havia alguém igual a elas.
O Lesbian Pulp Fiction fez sucesso entre 1955 e 1969. Depois o interesse diminuiu, com o fortalecimento do feminismo e dos direitos dos homosexuais, com a revolução sexual e com o fim da censura de material pornográfico. Tudo agora podia ser falado abertamente, não sendo mais necessário esconder um assunto sério no meio de aventuras sensacionalistas.
The Go Girls
Eu não consigo me lembrar de como descobri o livro The Go Girls (Will Laurence, 1963). Só sei que foi super difícil comprar. É um livrinho de bolso bem simples, só vendido usado, mas que normalmente não sai por menos de R$ 120,00. Eu consegui uma cópia por R$ 50,00, mas procurei por quase dois anos. O livro mistura tudo do melhor: motos, viagem no deserto e mulheres independentes.
A estória começa com a motoqueira sensual Chris McDonald convencendo a bela adolescente Bettylou Preston a largar a sua vida de garçonete em Orange Park para cair na estrada com as Wildcats. As outras motoqueiras do grupo eram Linda Long, uma prostituta que se vendia a qualquer homem que tivesse como pagar; Dot Martin, uma baixinha cabeça quente sempre pronta a puxar sua navalha em uma briga; Margo Thaxton, a líder do bando que pegava todas as novatas; e Charlotte Embree, sua mais recente namorada.
Durante a viagem, as garotas se meteram em um monte de confusões pesadas. Cada uma tinha um motivo para vagar por aquelas estradas. Elas não sabiam exatamente onde queriam chegar, mas tinham pelo menos um punhado de certezas: eram donas de seus corpos, de suas motos e de seus destinos. Embora cheio de esteriótipos, o livro mesmo assim tem um lado bem legal, já que cada uma dessas mulheres buscava seu caminho único – sem regras e sem fórmulas.
Bettylou rodava com uma Triumph Tiger Cub, que ela comprou de uma ex-Wildcat por $300. Como em uma boa estória de aventura, ela aprendeu andar de moto em apenas duas horas e já pegou a estrada. Agora, por falar em boa Lesbian Pulp Fiction, The Go Girls segue a fórmula quase à risca: no final há morte e salvação do lesbianismo. Mas o autor conseguiu burlar um pouco a censura, deixando pelo menos algumas daquelas selvagens continuarem na estrada que escolheram.