Sul de Recife

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Livro: De Motoca na Estrada

SUL DE RECIFE
Fábio Magnani
[publicado originalmente em janeiro de 2011]

02.01.2011 – Ao sul de Recife com os presentes do natal

É uma briga danada entre quem diz “do Recife” e quem fala “de Recife”. Cada um dos lados ataca o outro como ignorante ou pedante. Eu falo “em Recife”. Acho até que está errado, pois, pelo o que me lembro, quando as cidades têm nome de acidente geográfico deve-se usar o artigo. Mas a questão é que desde quando mudei para cá, todo mundo com quem eu tenho contato fala “em Recife”. Então, é “em Recife”.

Mas, voltando ao motociclismo, neste final de ano, por várias razões, nós não pudemos sair para viajar. Mas nada que impeça pequenos passeios aqui e ali, pela região. Para comemorar o primeiro domingo do ano, dei uma volta aqui pelo sul de Recife: para abrir o apetite do café-da-manhã, conhecer uns caminhos novos e testar meus presentes de natal. Como já é meu costume, saí com o nascer-do-sol.

A região metropolitana de Recife é formada por várias cidades. Andando pela praia temos, do norte para o sul: Paulista, Olinda, Recife e Jaboatão dos Guararapes. Tudo uma coisa só. Um pouco mais ao sul vem Cabo do Santo Agostinho, Ipojuca e demais cidades praianas. Até um tempo atrás, para ir de Jaboatão para o Cabo, o único caminho era a BR-101 – a nova ou a velha. Agora fizeram um ponte, lá perto da Praia do Paiva, que dá uma encurtada no caminho. Mas só vale a pena mesmo para quem mora em Jaboatão. O principal motivo da ponte, parece, é fazer o contato do pessoal que mora na Praia do Paiva com Recife.

Fui conhecer o tal caminho novo. Para passar na ponte é preciso pagar R$ 2,80. A estrada é cheia de curvas para forçar o pessoal andar devagar. Sem grandes emoções por ali. As mansões todas têm guardinhas, que ficam nos olhando com desconfiança. Pelo menos a praia é bonitinha, embora pareça artificial. Já que o nascer-do-sol no mar não tem dono, vale a pena dar uma paradinha. Talvez toda essa má impressão seja causada pelo fato de tudo ser muito novo. De repente, com o tempo, com o crescer das árvores e com o desbotar do sol, o lugar fique um pouco mais harmônico. Mas não liguem para minha crítica de pobre que reclama porque não pode ter igual. Cada um com seus problemas.

Saí o mais rápido possível de lá, seguindo ao sul pela PE-060. Nem olhei para a esquerda na entrada de Porto de Galinhas, outro lugar perfeitinho. Meu destino era Barra do Sirinhaem, minha praia preferida em Pernambuco. Essa é uma comunidade de pescadores. Os poucos dias que passamos por lá uns anos atrás nos causaram a impressão de que ali o ritmo da vida é outro, sincronizado com o vento e o mar. Ao sul de Sirinhaem, já em Guadalupe (eu acho), tem um pier que eu não conhecia. Pena que estava fechado para reformas. Tudo bem, mais uma desculpa para voltar outro dia. Também quero voltar para subir ao povoado de Santo Amaro, para ver se de lá de cima dá para ver o mar.

Além de pilotar um pouco, aproveitei o passeio para testar uns acessórios novos. Aqui no blog tem um check-list com as coisas que levo em uma grande viagem. Mas quando é aqui por perto levo bem menos coisas. Algumas são essenciais, outras nem tanto. Vamos à lista.

Um livro. Qualquer livro. Mas pelo menos um eu sempre levo. Eu não vou nem à padaria sem levar um livro para ler na fila do pão. Mesmo que eu não leia durante um passeio normal de moto, fico pensando no que faria se a moto quebrasse e eu tivesse que ficar esperando por ajuda na beira da estrada. Isso é meio doentio. Coisa de quem precisa encher a mente o tempo todo com coisas externas. Mas até eu me curar, sempre haverá um livro ao meu lado.

Quem sempre vai junto é o GPS Garmin eTrex Legend Cx. Só uso para ver que horas o céu vai nascer. O GPS mesmo é o meu capacete articulado, que sempre abro para pedir uma informação aqui e acolá. Mas acho que o GPS pode ser importante para trilhas não habitadas e no caso de ter que deixar a moto escondida em algum mato no lado da estrada para ir buscar ajuda. Tem um link aí aqui no blog falando sobre a minha história com os GPS’s. Na Viagem ao Atacama ele foi bem prático quando chegávamos em cidades grandes na Argentina e no Chile, pois não sabíamos nos comunicar direito. Mas mesmo assim sempre com um mapa de papel ao lado. Esse meu GPS vai guardado no bauleto, só para ser usado em uma grande emergência.

No momento estou usando uma Câmera Digital Canon PowerShot SX110IS. É pesada demais, volumosa e não tira boas fotos com pouca iluminação. Mas pelo menos tem cabo, pilhas e cartão tradicionais. Na próxima compra vou com uma mais simplezinha mesmo.

Quando passei pelo Paraguai comprei um relógio Casio ProTrek. Era meu sonho de infância. Mede temperatura, altitude, pressão e tem até bússola. Adoro fazer previsão de chuva com o barômetro, como faziam os antigos piratas. Além disso é útil para longas viagens, pois registra o horário em vários fusos diferentes. Coisa totalmente supérflua, mas que eu adoro ter comigo. Fico o tempo todo na viagem vendo qual é a minha altitude. Alguém aí ainda está anotando minhas manias? Continuemos.

Chega uma hora na vida de todo mundo em que a mente pára de seguir os avanços tecnológicos. Como exemplo, alguns escritores antigos nunca conseguiram largar suas máquinas de escrever. Eu percebi que tinha chegado nesse estágio quando a Renata tentou me dar um celular daqueles em que você toca direto na tela. Quando eu fui mexer nele, senti que não havia uma relação direta entre o apertar do botão virtual e a resposta do aparelho. Me deu um desespero completo. Na hora eu desmontei o bicho, tirei meu cartão de memória, arranquei o chip e voltei para o meu bom e velho celular Celular LG GM205 com botões de verdade. Me senti aliviado. Ele até toca música, além de fazer e receber ligações.

Meu presente de natal para mim mesmo foi um gravador de voz Sony ICD PX820. Não é gravador de som, só de voz, o que é bastante útil para cortar o ruído do motor e do vento. É muito mais prático do que um bloquinho para anotar as idéias na estrada. Quero ver também se começo a usar em entrevistas durante as viagens. O único problema é que você fica meio esquisito falando sozinho, mas tudo bem. Dá para gravar quase 100 horas de voz em uma qualidade razoável. Neste passeio eu aproveitei bastante o presente para registrar essas idéias que escrevo agora.

Esse bloquinho aí de cima é praticamente personagem de novela. A marca dele é Moleskine. Quando eu o vi na Saraiva – com elástico, capa flexível, papel especial, design italiano e feito à mão na China – fiquei super excitado para comprar. Com um bloco desses eu poderia me sentir como o Charles Darwin ou o Robert Capa. Mas quando vi o preço, R$ 80,00, desisti na hora. Voltei para casa com a resolução de não gastar dinheiro com aquilo. Mas como um verme, a cobiça foi me corroendo por dentro. Eu precisava daquele bloco para minhas viagens. Até que arranjei um jeito de tê-lo sem trair a minha resolução: pedi de natal para a Renata. Mas não é um bloco para qualquer anotação, já que para isso agora tenho o gravador de voz. Ele está guardado apenas para grandes eventos.
Estava contente, mas daí caí na besteira de procurar informações sobre o famoso bloco Moleskine. Tem um blog satírico que diz que uma das coisas que gente “besta” gosta de fazer é ter um Moleskine. Isso porque esse tipo de gente adora acreditar que é “criativa” e que precisa de algo especial para guardar suas grandes idéias. Meti o meu rabo entre as pernas e fui contar isso para a Renata. Ela ficou puta da vida: “Deixe de ser besta ficando preocupado se os outros te acham besta ou não!”. Acatei o comando e agora, besta ou não, estou feliz da vida com o meu bloco de expedicionário-explorador-poeta-repórter-naturalista. O blog é esse daqui: Stuff White People Like.

Claro que uma caneta. Mas não tenho nenhum fetiche especial, além de uma certa preferência por aquelas com várias cores. São úteis para destacar partes do texto e mais confiáveis. Preferiria usar lápis, pois é “mais melhor” para desenhar, só que dá um certo trabalho manter a ponta.

Junto vai um caderno maior, para desenvolver textos maiores. O atual é um Moto Journal Potter Style. Tem capa emborrachada e papel quadriculado. Tenho uma certa mania por papel quadriculado porque as linhas horizontais são mais próximas. Acho que todo mundo deve concordar que é horrível escrever com linhas muito espaçadas, como nos cadernos normais. Agora, seja qual for a distância entre as linhas, é muito desafiador escrever diretamente no papel. Sou acostumado no computador, onde vomito as palavras e depois volto para editar. No papel não há volta. Você só deve escrever depois de ter pensado muito bem no assunto. É coisa de gente grande. Esse daí eu comprei na Livraria Cultura. Foi um pouco caro, mas não me arrependo. Depois de mais de um ano rodando por aí, a encadernação continua perfeita. Isso sem contar com a capa, que é muito legal.

Mapa de bolso. Nada de especial, só uma folha impressa com as informações da região por onde vou passar. Dobro em quatro partes, meto no bolso e consulto de vez em quando para fazer as minhas escolhas. É bom, às vezes, saber mais ou menos onde você está…

No mais, levo algumas ferramentas, sacos do tipo zip-lock para guardar os documentos no caso de chuva, dinheiro, documentos e elásticos para prender alguma coisa na moto caso necessário. Levo também uma capa de chuva, mas tenho usado cada vez menos. Prefiro me molhar.

Por falar nisso, no final do passeio eu peguei um pouco de chuva. Legal para batizar a primeira saída do ano. O caminho rodado deu 200 km. Voltei para casa antes do pessoal acordar. Até deu tempo para pegar o café-da-manhã.

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