Recife-PE a Icó-CE

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: De Motoca na Estrada

RECIFE-PE A ICÓ-CE
Fábio Magnani
[publicado originalmente em julho de 2008]

O bauleto e os alforjes já estavam arrumados desde ontem. Já tinha lubrificado a corrente, verificado o óleo, calibrado os pneus e enchido o tanque. Hoje de manhã foi só amarrar tudo na moto, me despedir da Renata e pegar a estrada, às 5:15 da manhã. Estava chovendo bastante e fazia frio em cima da moto. Mesmo nesta hora da manhã, por ser uma quinta-feira, a BR101 já estava cheia de caminhões. O bauleto ia com 8 kg, os alforges com 16 kg, mais os meus 95 kg. Desde ontem eu estava bastante ansioso com esta viagem: stress por ter que cuidar de tantos detalhes (acessórios, tirar dinheiro, diminuir o peso da carga, deixar contas organizadas, revisão na moto etc), medo de acidentes, quebras e assaltos por estar viajando sozinho. Mas também estava me sentindo em êxtase por estar indo para o sertão, um lugar relativamente deserto e um pouco fora do main stream turístico.

Nos primeiros 300 km, até a Serra de Santa Luzia-PB, tinha apenas pensamentos erráticos. Não conseguia me livrar da obsessão pelos detalhes dos últimos dias: contas para pagar, roteiros, quilometragem e tudo o mais. Depois, com o passar do tempo a mente foi ficando mais clara. Consegui me concentrar mais na estrada. Ainda não me sentia bem por estar viajando para o desconhecido. Mas já sentia novamente o prazer por pilotar uma moto. A chuva foi diminuindo, mas não tirei a capa porque fazia um pouco de frio. Cheguei em Souza-PB lá pelo meio-dia, e resolvi parar para conhecer o Vale dos Dinossauros. Um parque com um pedaço de pedra em que se vê pegadas. Mas o importante para mim aqui foi o acesso: 500m de terra. Não tinha andado ainda na terra desde a queda no Vale do Catimbau-PE. Senti um medo paralizante de cair. Mesmo andando muito devagar, meus braços ficaram duros. Tudo bem, mas fiquei pensando em como será amanhã no final do dia, quando chegar em Sete Cidades-PI. O hotel fica dentro do parque. Não tem jeito de voltar no meio do caminho. Além disso, se não andar rápido, chegarei já com o sol posto. Tinha errado no roteiro, achando que teria que andar 600 km amanhã. Descobri, depois, que seriam no mínimo 800 km. Mas já tinha marcado uma parada em Icó-CE para rever o amigo Antônio, e não tinha como adiantar a viagem no dia de hoje.

Cheguei em Icó-CE às 14:00. Deixei as coisas no hotel e fui almoçar com o Antonio, amigo que tinha feito na última viagem à caatinga, no treinamento para A Grande Viagem, em que tínhamos vindo de Recife-PE até Icó-PE para ver se agüentávamos andar 600 km por dia em dois dias seguidos. Como da última vez, o Antonio me levou para conhecer as igrejas e prédios históricos. Chegamos até a passar um tempo na casa dos Colares, em um sobrado que mantém muitas características originais, com móveis belíssimos.

Icó-CE é uma cidade fantástica. Muito religiosa e com construções coloniais que fazem-na parecer uma Olinda-PE encravada no sertão do Ceará-CE. Não consigo entender como o Guia Quatro rodas dá tanto destaque para Souza-PB e nenhum para Icó-CE. É um daqueles lugares em que você se sente em casa. Mesmo não sendo religioso, o sentido de propósito dessas pessoas ao falar das suas festas e tradições é contagiante.

Por falar em Ceará e sertão, aprendi que a palavra Ceará vem de Sahara, e sertão de Desertão… legal.

Hoje foi um dia de viagem como eu gosto. Acordei bem cedo, viajei a manhã toda, aproveitei a tarde para conhecer algum lugar e conhecer pessoas, jantei e tomei cerveja à noite. Não gosto de comer muito na estrada, por isso prefiro jantar do que almoçar. Hoje jantamos carneiro grelhado. Fui dormir cedo, pensando no longo caminho de amanhã e, principalmente, no terrível trecho de terra que me aguarda no final do dia.

Saí de manhã com chuva. O sol só apareceu em Icó-CE, quase 600 km depois. Achei bem representativo de como estava a minha cabeça. No começo do dia toda caótica, só pensando nos detalhes de preparação. Com o passar do tempo e do asfalto, foi ficando mais clara, mais ampla. Espero que o resto da viagem seja todo assim: desanuviado.

Quinta-feira – 03/07/2008
Trecho: Recife-PE a Icó-CE
Tempo de viagem: 9 horas
Distância percorrida: 573 km

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *