Livro: Conversas Técnicas Sobre Motos
Fábio Magnani
[publicado originalmente em ]
Se tem uma coisa difícil é fazer comparações entre as coisas. Por várias razões. Primeiro, você precisa escolher um critério. Por exemplo: custo, estilo, gosto pessoal ou impacto ambiental. Depois, precisa dar um jeito de quantificar esse critério, o que nem sempre é fácil. Como se mede a qualidade de vida? Mesmo quando dá para medir, o valor alcançado nem sempre tem um significado verdadeiro. Como exemplo, o custo de um objeto não reflete necessariamente o seu valor real, pois ele depende da política cambial, das taxas, da quantidade produzida, do mercado, subsídios e um monte de outros fatores. Estão aí os produtos de grife que não me deixam mentir, já que eles quase nunca têm um preço proporcional ao trabalho envolvido e à matéria prima utilizada. Isso também acontece com o preço da gasolina, que é mantido artificialmente baixo.
Tem uma história que ilustra mais ou menos o problema de dar um valor para algo. No livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, um computador ficou fazendo cálculos durante quase 8 milhões de anos para encontrar a resposta para a questão fundamental sobre a vida, o universo e todas as coisas. Depois de tantos cálculos, ele chegou à conclusão que a resposta para a pergunta fundamental sobre a vida, o universo e todas as coisas era 42. Quando perguntaram qual o significado do valor 42, o computador respondeu: essa já é outra pergunta, preciso de outros 8 milhões de anos para descobrir!
Acontece isso um pouco com comparações entre custos, pegada de carbono, impacto social e por aí vai. As pessoas acabam aceitando que se coloquem números nas coisas e não se questionam mais. Por exemplo, o seu trabalho vale 642, aquela moto emite 327 de NOx. Tudo bem, isso pode ser medido, mas qual é o real significado desses números? Qual é o efeito ambiental, social e financeiro de 327 de NOx? Nem tudo que pode ser medido exatamente tem uma implicação exata.
Toquei nesse assunto para alertar sobre o perigo de acreditar piamente em números. Outro dia fui comprar um computador e a moça disse que eu precisava comprar um processador i5, porque é melhor do que o i3. Daí eu perguntei: melhor em que? Na velocidade? No custo? Ela respondeu que obviamente o i5 era melhor que o i3, já que 5 é maior que 3. Que significado i5 tem em minha vida?
Mas também não adianta dizer que tudo é cientificismo e que os números não dizem nada. Não podemos ficar parados feitos um Asno de Buridan até que um dia alguém descubra a forma mais justa de fazer comparações. A saída é usarmos a razão.
Fazer comparações erradas é tão criminoso como não fazer avaliação nenhuma. É melhor nos prendermos a alguns números razoáveis do que ficarmos brigando irracionalmente se a Harley é melhor que a BMW só porque torcemos para esta ou aquela marca (o que é ridículo, já que as empresas só querem o nosso dinheiro). Às vezes essas discussões sobre meios de transporte ficam até piores do que as discussões sobre futebol, religião ou política. Eu pelo menos tento manter a minha irracionalidade e paixão apenas para defender o Corinthians.
O que é importa é quanto emitem e quanto custam, por exemplo. Pagam quanto de benefícios sociais aos seus empregados? Seus produtos estiveram envolvidos em quantos acidentes no ano passado? Tudo bem que esses não sejam números absolutos, mas pelo menos são alguma referência. Já pensou se o seu governo comprasse uma frota de Harleys porque algum governante gosta mais delas, dizendo que não há uma forma absoluta de comparar uma Harley com uma BMW? Seria criminoso. A mesma coisa acontece com os meios de transporte, principalmente quando usam critérios não quantificados, como “mobilidade”, “progresso” e “bem estar”.
Então é isso. Acreditar piamente em números é burrice. Usar esse fato para não analisar nada cientificamente, mais burrice ainda. É preciso coragem, inteligência e muito diálogo honesto para fazer as comparações necessárias.
Falei tudo isso porque ultimamente o mundo tem vivido uma saudável discussão de qual o melhor meio de transporte urbano. Como eu falei ali em cima, há um monte de formas de fazer essa comparação. Aparentemente, no Brasil, as pessoas avaliam que o carro é a melhor solução, já que é o meio de transporte preferido por elas. Mas será que elas continuariam usando um carro se tivessem outras avaliações que valorizassem aspectos positivos dos outros meios de transporte?
O carro é visto como melhor porque as motos e bicicletas não têm segurança, e porque os ônibus não têm qualidade. Um indivíduo não pode mudar isso sozinho. Por isso a importância de mostrarmos aos governos que outros meios de transporte também têm vantagens e que só não são escolhidos pelos indivíduos por falta de condições apropriadas.
Para ajudar minimamente nessa avaliação dos meios de transporte, eu fiz algumas contas para calcular o custo financeiro de cada modal. Não recomendo que ninguém use esses resultados para tomar decisões. No entanto, espero que os resultados sejam usados como ilustração da importância de sempre procurarmos outros pontos de vista para compreendermos melhor um problema.
Apesar de ter feito essas contas, quero avisar que eu particularmente não acho que a análise financeira seja sempre o fator mais importante que um indivíduo usa para se decidir pelo meio de transporte. Eu, por exemplo, ando com uma moto de potência intermediária que gasta bem mais do que uma moto comum. Isso porque levo em consideração fatores não financeiros, como o prazer que esse tipo de moto me dá ao pilotar. Para os motoqueiros e os bicicleteiros, a locomoção pelas ruas da cidade é muitas vezes uma diversão – tanto no pilotar quanto em um contato mais próximo com o mundo e com as pessoas. De qualquer forma, mesmo que para mim o prazer de pilotar seja mais importante que o custo – dentro de limites razoáveis -, isso não significa que não quero saber quanto estou gastando a mais. Posso até pagar mais, mas porque eu escolhi assim, não porque há condições artificiais para favorecer a cultura dos carros.
O governo, por outro lado, precisa sim levar em conta a análise financeira, para não manter condições em que os cidadãos gastam involuntariamente muito mais dinheiro do que poderiam se a situação fosse outra. Ao manter artificialmente uma condição em que o carro é mais vantajoso, os governos ganham dinheiro das empresas de petróleo, das construtoras das avenidas e das montadoras de carros – às custas de um maior investimento por parte dos cidadãos. Essa política transfere deliberadamente o dinheiro do cidadão comum para as empresas de petróleo, construtoras e montadoras. Tudo com ajuda de parte da imprensa e de setores das universidades, que fazem festa para qualquer novo empreendimento. Embaraçoso.
NÚMEROS BELOS E MALDITOS
Vamos lá. Mesmo não dando muita importância pessoal para valores financeiros, resolvi fazer algumas contas para estimar em que casos cada veículo é realmente mais barato. Nesse estudo, levei em conta apenas os custos diretos (aquisição, manutenção e operação). Mais abaixo falo um pouco de outros fatores que devem ser levados em conta em uma análise mais profunda, uma análise que seja feita em mais do que os 30 min que usei para essa daqui. Por favor, não deem mais importância a este post do que ele realmente tem.
Só para esclarecer, essa análise foi feita pensando nos trabalhadores, que não comem tanto em excesso como a classe média. Para a burguesia, que faz ginástica para queimar calorias em excesso, andar de bicicleta não traz necessariamente custos adicionais com comida. Mas não estamos preocupados aqui com o fino charme da burguesia. Vamos aos trabalhadores que precisam decidir se pegam um ônibus, compram uma bicicleta, uma moto ou um carro. Se esse trabalhador decidir pela bicicleta, ele terá que gastar mais dinheiro com o almoço, se não vai desmaiar na hora do trabalho.
Para fazer a comparação, eu contabilizei as seguintes quantias: preço do combustível / passagem / comida, valor de aquisição / revenda do veículo e gastos com manutenção. Não computei o custo com a re-hidratação no caso da bicicleta.
Um ponto curioso é que a bicicleta tem um custo com combustível (0,20 R$/km) bem mais próximo do carro (0,27 R$/km) do que da moto (0,09 R$/km). Isso acontece porque, embora o consumo de uma bicicleta seja bem menor do que o de uma moto (83.6 kJ/km na bicicleta e 1.200 kJ/km na moto), a comida é muito mais cara que a gasolina – 2392 R$/GJ para a comida e 75 R$/GJ para a gasolina. Mas é bom tomar muito cuidado com essas contas, pois o preço da comida varia bastante. Se a pessoa comer só pão, por exemplo, o custo do combustível da bicicleta cai para 0,05 R$/km. Já se comer em um restaurante mediano ou comida de supermercado, pode passar de 0,40 R$/km. Comidas saudáveis, como sucos, carnes, cereais integrais, queijos, frutas e verduras? O valor explode. Comida sem agrotóxico? O céu é o limite!
Quando o custo de manutenção da moto (óleo, mecânica e pneu) é adicionado ao preço da gasolina, seu custo operacional sobe para 0,15 R$/km. Esse valor ainda é menor do que o valor para a bicicleta, mas não é o suficiente para compensar o maior custo de aquisição – pelo menos para pequenos deslocamentos.
Destaco mais uma vez que não levei em conta o custo de hidratação, água para banho e água para lavagem das roupas no caso do uso da bicicleta. Se a pessoa não conseguir água “de grátis” e tiver que comprar água mineral, coco, cerveja, suco ou refrigerante, o custo total do uso da bicicleta pode ultrapassar o da moto.
Para fazer a comparação entre os vários veículos, eu calculei o VPL (valor presente líquido) de cada um deles, considerando um deslocamento diário de 20 km (somando ida e volta ao trabalho). Depois, para o valor ficar mais palpável, eu transformei esse VPL em um custo diário equivalente [R$/dia – considerando 24 dias de deslocamento em um mês]. Atenção, embora seja “diário”, ele leva em conta o custo de aquisição do produto.
Vamos aos resultados:
Moto comum: 8,20 R$/dia
Bicicleta comum: 4,80 R$/dia
Carro comum: 24,30 R$/dia
Ônibus (duas passagens por dia): 4,30 R$/dia
Então, para um deslocamento de 20 km/dia e 24 dias de deslocamento por mês, a melhor alternativa do ponto de vista financeiro é o ônibus. Todos os custos de manutenção e aquisição estão incluídos. Atenção que, para manter esse custo baixo, o bicicleteiro precisa encontrar água gratuita e comida barata. Mas este é só um caso de referência. Vamos fazer alguns estudos a partir dele.
CONTAS FEITAS EM PAPEL DE PADARIA
Estudo 1 – A partir de que distância a bicicleta passa a ser mais cara que o ônibus?
Até uma distância de 18 km/dia, a bicicleta é o meio mais barato de transporte. Acima disso, o ônibus (com duas passagens por dia) passa a ser a melhor opção. Então, se a pessoa tiver a opção entre carro, moto, bicicleta e ônibus (com duas passagens/dia):
0,1 a 3 km/dia: a pé ou “diapé”, como nós os caipiras dizemos.
3 a 18 km/dia: bicicleta
18 km/dia em diante: ônibus (com duas passagens por dia)
Falando sério sobre o “diapé”, a eficiência no caminhar é mais baixa do que no pedalar. Sem contar que o tempo da viagem é maior. Por outro lado, se locomover com os próprios pés é muito liberador, simples, elegante e relativamente seguro. Além disso, a potência gasta por um pedestre muitas vezes é menor que a consumida por um ciclista, pois andam em velocidades diferentes. Portanto, embora eu não tenha feito as contas para o modal “diapé”, provavelmente o custo diário equivalente do caminhar é mais alto do que pedalar – pelo menos acima de alguns poucos quilometros diários. Neste caso usei só o bom senso para estimar a quilometragem ideal do pedestrianismo urbano.
Estudo 2 – A partir de que distância a moto passa a ser mais barata que a bicicleta?
Até 65 km/dia, a bicicleta é mais barata. Acima disso, a moto é mais barata do que a bicicleta. Então, para quem trabalha prestando serviços, na entrega de documentos, mora longe do serviço ou precisa fazer várias pequenas viagens durante o dia, a moto é melhor.
Estudo 3 – A partir de que distância a bicicleta passa a ser mais cara que um ônibus com quatro passagens diárias?
Até uma distância de 37 km, a bicicleta é o meio mais barato de transporte. Acima disso, o ônibus passa a ser a melhor opção. Logo, se a pessoa tiver a opção entre carro, moto, bicicleta e ônibus com quatro passagens/dia:
0,1 a 3 km/dia: a pé
3 a 37 km/dia: bicicleta
37 km/dia em diante: ônibus (com quatro passagens por dia)
Estudo 4 – Qual o aumento no valor equivalente diário com uma moto intermediária?
Para uma moto comum (12 CV), o custo diário equivalente é 8,20 R$/dia, já para uma moto intermediária (30 CV), o custo diário equivalente é 18,30 R$/dia. Mais que o dobro! Do ponto de vista financeiro, não vale a pena ter uma moto intermediária para uso urbano.
Estudo 5 – Qual é o aumento no valor equivalente diário com o uso de um carro intermediário?
Um carro comum (70CV) tem custo diário equivalente de 24,30 R$/dia. O uso de um carro intermediário (110 CV) eleva esse custo a 50,38 R$/dia. Não precisa nem dizer: já era ruim, ficou pior.
Estudo 6 – É melhor usar uma bicicleta barata com marcha (R$ 400,00) ou sem marcha (R$ 250,00)?.
O uso de uma bicicleta sem marcha diminui muito a eficiência geral (porque o bicicleteiro pedala fora da rotação ideal). O custo diário equivalente sobe para 6,50 R$/dia. Não adianta economizar na bicicleta, pois o maior custo dela é operacional. Mas é para pagar mais caro pela eficiência, não pelos supérfluos ou modismos que as fábricas nos empurram, hein?
Estudo 7 – Vale a pena investir em uma bicicleta com proteção aerodinâmica?.
Com a proteção aerodinâmica, o preço da bicicleta aumenta, mas também aumenta a sua eficiência. Considerando que uma bicicleta comum com marcha custa R$ 400,00, a bicicleta com proteção aerodinâmica poderia ser vendida por até R$ 1315,00 e ainda assim seria melhor.
Estudo 8 – E se a moto andar com garupa, ela é melhor em algum caso?
Comparando a moto com garupa com duas bicicletas e com duas pessoas andando de ônibus (4 passagens por dia), temos os seguintes resultados:
0,1 a 3 km/dia: a pé
3 a 13 km/dia: duas bicicletas
13 a 34 km/dia: moto com garupa
34 km/dia em diante: ônibus com quatro passagens por dia
COMPLICANDO MAIS AS COISAS
Um problema grave para a mobilidade urbana é causado pelas escolas. Elas ensinam às crianças que não é legal andar de moto. Brincadeira, só queria saber se você ainda estava por aqui. Mas é verdade que as escolas trazem problemas. Em geral elas não ficam perto das casas, nem mesmo no caminho do pai trabalhador. Os ônibus são caros, não há segurança para as crianças andarem de bicicleta pelas ruas e não há sidecars de qualidade oferecidos no mercado. Os pais, então, acabam comprando carros para poderem levar as crianças à escola e as adolescentes aos eventos culturais. Depois acabam indo para o trabalho de carro. Para resolver isso são necessárias duas grandes ações do governo: incentivar a instalação de boas e pequenas escolas em todos os bairros, e promover segurança para as crianças andarem de bicicleta. Isso diminuiria muito o número de carros no nosso presente e, principalmente, educaria as crianças para fazerem cidades mais inteligentes no futuro.
Voltando à comparação, é óbvio que as pessoas não consideram apenas o custo para decidirem entre um veículo e outro. Outros fatores são: conforto, cansaço, capacidade de carga, número de passageiros, status, segurança, poluição, discriminação, preparo físico, diversão no pilotar e pertencer a um grupo.
Mesmo do ponto de vista estritamente financeiro, essa análise aqui apresentada tem que ser muito bem contextualizada. Para o trabalhador que vive contando as moedas, o fato de ter que gastar mais energia na bicicleta significa claramente um gasto maior. Já a classe média em geral come bem mais do que o necessário (inclusive fazem ginástica para consumir parte do excesso), então o fato de andar de bicicleta não aumenta necessariamente o custo mensal com comida. Por outro lado, a classe média tem a mania de comprar bicicletas cheias de supérfluos, o que faz o custo diário equivalente (que leva em conta o custo de aquisição) subir bastante.
Tem mais complicadores. Embora a eficiência do caminhar seja menor do que a do pedalar, a potência usada por um ciclista em geral é maior que a usada por um pedestre – porque têm velocidades diferentes. Outro complicador é que uma pessoa normal em geral come mais quando pratica esporte. Por isso o esporte não é muito indicado para emagrecer. O que emagrece na prática, para a maior parte das pessoas, é o regime. Humanos têm um comportamento estranho. Então, seguindo essas informações, poderíamos até dizer que mesmo a classe média consome mais combustível quando usa a bicicleta. Mas não percamos mais tempo com a burguesada.
O sistema de resfriamento do ser humano é muito bom. Usando uma série de mecanismos (abertura dos vasos, transpiração, alteração do metabolismo etc.), ele consegue manter a temperatura de operação em uma faixa bem específica, o que é fundamental para o seu funcionamento. A taxa de transferência de calor também é relativamente alta para a área do corpo. O problema é que para conseguir isso, o corpo humano usa o resfriamento evaporativo. Pior ainda, o líquido de reposição desse sistema tem que ser tratado. Por isso, o custo de re-hidratação do ciclista pode ser considerável se ele não tomar cuidado. Se ele comprar uma garrafa de água mineral na ida ao trabalho e outra na volta (R$ 3,00), o custo diário equivalente praticamente dobra.
Nunca nos esqueçamos da cerveja nessas contas, pois ela opera simultaneamente como alimento, como re-hidratação e como antiestressante; o que reduz sobremaneira o seu impacto relativo nos custos. (Brincadeira, hein?!?)
Outra característica do uso da bicicleta é que vivemos em tempos em que é feio ter características humanas. Suor, pelos, cheiro, pele queimada pelo sol e pelo vento, entre outros, precisam ser evitados a todo custo nos locais de trabalho se você quiser receber um bom salário. Isso implica em banhos mais frequentes, uso de protetor solar e lavagem de mais roupas, o que aumenta bastante o custo do uso da bicicleta. Há o outro lado da moeda, pois hoje em dia também é feio acumular energia no corpo na forma de gordura. As pessoas, ao invés de fecharem a boca, pagam academia para isso. Já dissemos que isso não funciona muito bem na prática, mas, esporte por esporte, pelo menos o bicicletismo é mais barato e mais rápido, pois pode ser usado no tempo de ida ao trabalho.
Um fator importante é o tempo perdido com determinado meio de transporte. Por exemplo, eu gasto 40 minutos de bicicleta por dia para ir e voltar ao trabalho. De moto gasto 20 minutos. Considerando que meu salário de professor é algo como 0,69 R$/min, ao andar de bicicleta eu “deixo de ganhar” 13,80 R$/dia (20 minutos a mais de bicicleta do que de moto, sem computar aqui o tempo gasto com troca de roupa e banho). Esse tempo compensa o maior custo equivalente que tenho para percorrer os 10 km de ida e volta. Levando em conta esse “prejuízo”, a bicicleta passa para 16,40 R$/dia e a minha moto intermediária (48 CV) fica em 15,60 R$/dia. Mas isso é só um exemplo, pois, como um pobre metido a classe média (como diria Cazuza: eu também sou burguês, eu também cheiro mal), quando não uso esse tempo na bicicleta, uso na natação ou na corrida nas calçadas. Já para um trabalhador, que faz a sua atividade física durante o trabalho, esse tempo a mais na bicicleta pode sim significar um prejuízo. Principalmente se for autônomo.
Então, para uma pessoa que precisa andar na cidade o dia todo (prestador de serviço, vendedor, entregador etc.), a moto é certamente o veículo com menor custo. O que pode ser constatado nas ruas!
Falando só em dinheiro, impacto devido ao consumo energético, mobilidade e poluição, o futuro são as motocicletas/bicicletas elétricas carregadas com energia solar. Mas temos um bom tempo ainda antes que sejam baratas, eficientes e que tenham um baixo impacto ambiental (baterias, painéis solares, matéria prima e linha de produção).
RESUMO PARA QUEM TIVER CANSADO DE LER O RESTO
Como eu falei um pouco acima, existem muitos fatores que influenciam a escolha do meio de transporte. Mesmo só do ponto de vista financeiro, a contabilidade depende de cada caso. No entanto, é sempre bom ter alguns valores de referência para justificar este ou aquele meio de transporte. Para não fugirmos da raia, depois de termos gasto mais de 1800 segundos neste estudo, recomendamos ao trabalhador que estiver preocupado com questões financeiras:
– Vá a pé se o percurso for até 3 km/dia (seria bom se as calçadas fossem bem cuidadas, as ruas arborizadas e as faixas de pedestre respeitadas). Aqui não tem nenhuma conta financeira, só bom senso mesmo.
– Vá de bicicleta se o percurso for entre 3 e 18 km/dia (tem que ver se há lugar para guardá-la, segurança nas ruas, se o cansaço não vai atrapalhar o seu trabalho depois, se você tem acesso a re-hidratação gratuita, se a comida é barata, se você tem condições físicas para fazer o trajeto, se há chuveiro para tomar banho, se o maior tempo gasto na bicicleta não vai fazer você deixar de ganhar dinheiro e se não há preconceito contra ciclistas no seu trabalho).
– Vá de ônibus/metrô se a distância for acima de 18 km/dia e se for só para ir e voltar ao trabalho (mas é importante analisar se precisa pagar só uma passagem por trajeto, se o ônibus é confortável, se não fica parado no trânsito e se passa com frequência).
– Vá de moto se a distância for maior que 18 km/dia e se tiver que fazer vários pequenos trechos durante o dia (é preciso avaliar se você tem segurança nas ruas e se não é discriminado por ser motoqueiro).
NOMES AOS BOIS E UTOPIAS
Voltando aos resultados deste nanoestudo, por que todo mundo anda de carro mesmo sendo mais caro? Resposta: porque não há segurança para bicicleteiros / motoqueiros, porque há preconceito contra quem anda com os “carros do homem pobre”, porque praticamente não há outro jeito para levar as crianças na escola, porque os ônibus são uma porcaria, porque as ruas não são arborizadas e as calçadas são cheias de buracos.
O fato é que é bem mais conveniente para o governo transferir os custos para o cidadão (que acaba pagando muito caro para andar de carro) do que investir o nosso próprio dinheiro em: campanhas educacionais para a educação no trânsito, valorização cultural dos outros meios de transporte, punição para as tentativas de homicídio, digo atropelamentos, ônibus melhores, maior cobertura de metrôs, mais ciclovias, ruas arborizadas, boas escolas nos bairros, incentivo para a produção de bicicletas eficientes e desenvolvimento de tecnologia limpa para motos/bicicletas elétricas carregadas com energia solar.
A razão do governo não fazer o que é bom para todos, então, é clara: simplesmente não é interessante para o governo. Se o governo diminuir as vantagens artificiais dos carros, diminuirá em muito a sua receita de impostos e, dizem mas eu não acredito :), os incentivos lícitos que ganham das empresas de petróleo, das construtoras e das montadoras. Por exemplo, deve ser muito bom para o governo ter uma Petrobrás toda poderosa que, sem tantas amarras, faz a propaganda do governo, investe na cultura que bem entende, investe no esporte que bem entende e investe na pesquisa científica que bem entende. O dinheiro que o governo recebe das montadoras, construtoras e empresas de petróleo vem da gente! Manter a cultura dos carros ao mesmo tempo em que se é dono da empresa de petróleo é uma forma fácil de aumentar a arrecadação e de ter grandes facilidades para decidir onde aplicar esse dinheiro. Assim é fácil ficar no poder, né?
Mas um dia essa equação ficará clara para a população, que não aguenta mais a poluição, os congestionamentos e o alto custo com o transporte. Perceberemos que o “progresso” das construtoras e das montadoras não é bom para a população, que esse “progresso” não aumenta a qualidade de vida de ninguém, que esse “progresso” aumenta o custo de vida do cidadão e que esse “progresso” aumenta a arrecadação indireta de impostos. Passaremos então a exigir que as instituições de pesquisa usem o nosso dinheiro para o que é bom para a gente. Passaremos a comprar a tecnologia que realmente aumenta a qualidade de vida. Passaremos a ler apenas os jornais honestos. Passaremos a não aceitar mais a construção de avenidas, centros comerciais e prédios que impactem negativamente na qualidade de vida dos cidadãos.
É importante perceber que os carros e os carangueiros não são os inimigos das cidades inteligentes. Eles não têm escolha. Os que devem ser combatidos são as empresas de petróleo que poderiam estar investindo (seriamente) em energias renováveis, mas não estão; as montadoras de carro que poderiam estar investindo em motos/bicicletas elétricas, mas não estão; as construtoras que poderiam estar construindo parques, mas que constroem cada vez mais avenidas; os governos que poderiam estar incentivando a real qualidade de vida, mas que na prática defendem o “progresso”; os políticos que mentem que querem melhorar a qualidade de vida das pessoas, mas que na realidade só promovem mais fábricas, avenidas e condomínios de luxo; as instituições de pesquisa que realizam basicamente apenas a pesquisa de interesse das empresas de petróleo; e a imprensa que vende toda essa baboseira de “progresso” como se sempre fosse uma coisa boa. Essas organizações têm alternativas, se quiserem, para trabalharem do lado dos cidadãos. Algumas já fazem isso de verdade, mas infelizmente várias só apostam no greenwashing e na promoção do “progresso”.
Não tarda o dia em que entenderemos como estamos sendo usados. Então não aceitaremos mais pagar a conta de um sistema de transporte centrado nos carros. Um sistema caro, injusto, ineficiente e mal feito. Nesse dia teremos:
pedestres andando pequenas distâncias,
bicicletas para trajetos médios,
ônibus/metrôs usados em grandes percursos fixos e
motos para quem precisa fazer várias pequenas viagens erráticas durante o dia.