O Fluxo Misto de Veículos

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Conversas Técnicas Sobre Motos

O FLUXO MISTO DE VEÍCULOS
Fábio Magnani
[publicado originalmente em janeiro de 2015]

Começando pelo título, o projeto proposto foi caracterizado como: “Estudo
Computacional do Tráfego de Motocicletas, Bicicletas e Automóveis:
Uma Abordagem Multiobjetivo, Multiescala e Multifenômeno”. Espero que
eu consiga explicar seu significado ao longo deste texto.
[Nota do editor. Como a primeira parte deste texto foi escrita originalmente
em 2014, alguns trechos foram aproveitados em outras publicações.
Esse é o caso desta seção, que apareceu quase sem modificações na parte
final do texto Duas Rodas de Prosa – Política da Eficiência Energética dos
Veículos. Como foi escrito na época da submissão do projeto, o restante
desta seção fala de um presente e de um futuro que já viraram passado, o
que pode ser um pouco incômodo durante a leitura, mas prefirimos deixar
assim para manter vivo o espírito daquele momento.] O objetivo tecnológico do projeto que construímos é desenvolver ferramentas
computacionais que calculem o fluxo de veículos, a emissão de CO2,
o consumo de combustível e os gastos individuais em uma via com múltiplas
faixas pelas quais circulam motocicletas, bicicletas e automóveis. Sim, mas,
por que? Porque esses são modais importantes, grandes responsáveis pelas
vantagens e pelas mazelas das grandes cidades. Sim, mas, parafraseando a
questão de porque a galinha cruzou a rua, por que esses veículos cruzam a
cidade?
A problemática A mobilidade urbana pode ser analisada em vários níveis
diferentes, dos mais gerais aos mais específicos. Pode ser considerada uma
parte do sistema socioeconômico; estudada do ponto de vista da estrutura
sociourbanística da cidade; como um sistema de transporte; como um subsistema
de transporte coletivo ou individual; concentrando a visão apenas
na dinâmica dos veículos; ou estudando tão somente as características dos
equipamentos de propulsão (e.g., motores de combustão interna, elétricos ou
propulsão humana).
No nível mais geral, o socioeconômico, o objetivo da mobilidade urbana,
pelo menos dentro do atual sistema capitalista, é maximizar o fluxo de trabalhadores,
mercadorias e consumidores. Em um segundo nível, o sociourbanístico
– que em geral é submisso ao sistema capitalista, mas que pode eventualmente
tentar contrapô-lo -, o objetivo é organizar as cidades de forma a
otimizar a circulação dos elementos de produção e de consumo. No terceiro
nível – dada a demanda por transporte que já foi definida pela estrutura da cidade
(e.g., localização dos parques industriais, dos dormitórios, dos shopping
centers e da indústria do lazer), estrutura essa que por sua vez foi definida
pelos interesses capitalistas -, o sistema de transporte distribui os trabalhadores,
as mercadorias e os consumidores nos diferentes modais (e.g., trens,
caminhões, ônibus, vans, caminhonetes, automóveis, motocicletas, bicicletas
e pedestres), fornecendo a infraestrutura de movimentação (e.g., trilhos, avenidas,
ciclofaixas, passarelas e calçadas) e a infraestrutura de integração (e.g.,
estacionamentos, postos de gasolina, estações de embarque de passageiros e
helipontos).
Esses vários níveis são interdependentes. Por exemplo, quando um carangueiro
decide sair de casa, ele está condicionado por questões econômicas
(e.g., ele precisa trabalhar para comprar mercadorias, por isso não pode usar
seu tempo para atividades de interesse pessoal), sociourbanísticas (e.g., o
seu emprego, que, além de fornecer dinheiro para supérfluos também define
a sua posição na hierarquia social, fica longe da sua casa, e por isso não pode
ir caminhando), e do sistema de transporte (e.g., como há poucas linhas de
ônibus no trajeto, o automóvel se desloca em menor tempo; muito embora o
cidadão tenha que trabalhar mais tempo para comprar o automóvel).
Em outro exemplo, uma determinada característica do motor (e.g., por
causa de um marketing distorcido, os motores dos veículos populares são
mais potentes que o razoável para o uso urbano) pode servir para mascarar
ou piorar uma deficiência do veículo (e.g., o carro tem que ser pesado demais
para carregar esse motor mais potente, e, também, para suportar maiores
velocidades, muito embora essas velocidades anunciadas nas propagandas não
sejam nunca praticadas dentro dos limites urbanos), o que traz implicações
para o tráfego (e.g., o veículo projetado para altas velocidades máximas,
portanto mais pesado, tem dificuldade nas partidas dos semáforos), para a
sociedade (e.g., o pior desempenho nas paradas e largadas dos semáforos
provoca maior emissão de poluentes) e para a economia (e.g., a mortandade
causada pela poluição significa um desperdício de recursos humanos nos quais
a sociedade investiu durante anos).
Em outras palavras, um nível influencia o outro, de fora para dentro,
de dentro para fora. Por isso é fundamental sempre pensar em todos eles,
mesmo que, por razões práticas, apenas um esteja sendo estudado em um
determinado momento.
Um ponto importante para destacar é que o comentário feito acima, sobre
os vários níveis de análise, não é rígido, pois seria impossível tratar de um
tema tão complexo em tão poucas palavras, e por uma equipe tão limitada à
engenharia. A razão dessa discussão preliminar, que deve ser tomada apenas
como um exemplo da necessidade da transdisciplinaridade, é somente enfatizar
o respeito que temos às outras dimensões do problema da mobilidade,
que não serão tratados no escopo deste projeto, mas que não sairão da vista.
Por exemplo, a submissão de aspectos políticos, sociais, culturais e espaciais
aos aspectos econômicos deve ser lida apenas como um exemplo do
possível inter-relacionamento entre essas esferas, que deve ser considerado
em estudos sobre a mobilidade urbana, não como uma lei definitiva. Uma
outra possível visão é considerar os motoqueiros como agentes da mudança
do tecido social, que teria implicações na economia.
A transdisciplinaridade tem a vantagem de uma visão mais ampla, mas
também tem o risco da superficialidade. No entanto, a mobilidade urbana
é um problema transdisciplinar, e é do perfil do engenheiro tentar resolver
problemas reais, quaisquer que sejam as técnicas necessárias para tanto, não
travesti-los em problemas que caibam nesta ou naquela área do conhecimento.
Portanto, neste projeto, embora nossa competência seja apenas na engenharia
mecânica, faremos um grande esforço para aprender com as outras áreas e
para fornecer informações relevantes para essas mesmas áreas.
Voltando aos possíveis níveis de análise da mobilidade urbana, dentro do
sistema de transporte há o subsistema de transporte individual (ao lado do
subsistema de transporte coletivo), que é formado por vias (e.g., avenidas,
ruas, ciclofaixas e calçadas), veículos (automóveis privados e táxis, motocicletas,
bicicletas, sapatos e cadeiras de roda) e pessoas (e.g., condutores
e passageiros, que podem ser tratados também como parte do sistema de
propulsão no caso da propulsão humana). O nível prático do presente projeto
é esse subsistema de transporte individual, embora sempre tentemos
referenciá-lo aos outros níveis no decorrer das discussões.
No nível mais baixo (subsistema de transporte individual), a questão
da mobilidade é determinar até que ponto o uso de veículos individuais é
razoável, bem como determinar a proporção ótima, para cada condição, dos
tipos de veículos (e.g., motocicletas, bicicletas, sapatos, automóveis privados
e táxis). Em um nível acima (sistema de transporte), o problema é encontrar
a proporção ideal entre o transporte público e o transporte individual. Mais
acima, o desafio é escolher entre tornar o movimento mais eficiente, através de
um bom sistema de transporte, ou redistribuir a sua demanda, com reformas
sociourbanísticas. Essa discussão no nível do planejamento urbanístico pode
ser simbolizada por dois grandes trabalhos: Le Urbanisme (Le Corbusier,
1925) e The Death and Life of Great American Cities (Jane Jacobs, 1961).
O primeiro defende grandes empreendimentos urbanísticos, destruindo o
que é “velho” e criando novos sistemas “mais eficientes”. Trata-se de um dos
maiores ícones do chamado pensamento modernista (no qual a humanidade
se vê capaz de controlar o mundo). O segundo trabalho é uma reação a essa
visão, defendendo a preservação das comunidades criadas ao longo de muitos
anos, a partir da sabedoria e do desejo de seus habitantes. Aparentemente,
o preservacionismo proposto por Jane Jacobs é bastante democrático. No
entanto, muitas vezes essas comunidades preservadas (e.g., com boas escolas,
mercados locais, áreas arborizadas) acabam supervalorizadas economicamente,
expulsando os seus moradores originais e atraindo a elite econômica.
Ou então, na tentativa de manter uma sabedoria orgânica passada, acaba-se
congelando a cidade em uma condição inapropriada para os cidadãos atuais.
Mapes (2009) apresenta o exemplo da cidade americana de Davis, na
qual a comunidade decidiu implementar por lei áreas verdes e ciclofaixas.
Com o tempo, a cidade ficou tão agradável que pessoas ricas das metrópoles
próximas passaram a usar a cidade como dormitório, deslocando os moradores
originais e destruindo a vida social. Glaeser (2011) discute, através de
exemplos reais, as possíveis distorções causadas tanto pelo modernismo desenvolvimentista
quanto pelo modernismo preservacionista, defendendo um
ponto de equilíbrio entre ambos.
Nesse contexto, o motoqueiro pode ser visto de duas formas bem diferentes.
Por exemplo, pode ser visto como um elemento das grandes avenidas
modernistas, responsável por distribuir serviços e mercadorias. Por outro
lado, pode ser visto também como alguém que reinventa o uso dessas grandes
avenidas, trazendo uma nova vida para a comunidade.
Finalmente, no nível superior, o socioeconômico, a questão é como distribuir
as oportunidades a todos os cidadãos, de forma que não seja necessário
o deslocamento diário de grandes massas trabalhadoras a serviço das grandes
corporações, em busca de salários para comprar os produtos supérfluos que
essas mesmas indústrias oferecem através das grandes empresas de comércio.
Ou, então, de propor um sistema de investimento público que não privilegie
a classe alta, seja através de grandes avenidas nos bairros mais ricos ou então
de sistemas públicos apenas para transportar trabalhadores e consumidores
a serviço dessa mesma elite.
A questão de como as reformas econômicas e urbanísticas podem ser
vendidas demagogicamente como ações a serviço do progresso “para todos”
é discutida por Urry (2007) e Santos (1985). Castells (2000), em sua tri-
logia da Era da Informação, mostra como o grande capital reestrutura as
comunidades, aproveitando o que lhe interessa e destruindo o resto. Esse
fenômeno pode ser visto atualmente no sistema de pesquisa brasileiro, no
qual o grande investimento realizado por uma empresa de petróleo vem desestimulando
pouco a pouco boa parte do pensamento livre e boa parte das
pesquisas que se contrapõem ao uso do petróleo.
O uso intensivo e extensivo do marketing acaba influenciando como a
sociedade vê a mobilidade urbana. Por exemplo, será que o motoqueiro
é um ser livre, que conquistou a sua própria mobilidade, como dizem as
propagandas das montadoras de motocicletas? Ou será que esse “estilo de
vida” é uma imposição do capital, que força o motoqueiro a arriscar a vida
diariamente para ganhar o salário em um emprego bastante precarizado?
O marketing também é usado na política, fazendo com que eleitores exijam
grandes avenidas, automóveis mais baratos, e instalação de grandes parques
industriais, sem jamais pensarem em outras possíveis soluções, como
uma cidade inteligente onde não sejam necessários grandes deslocamentos
ou então onde não seja necessário trabalhar tanto para pagar pelo sistema
de transporte (público ou privado) usado para ir ao próprio trabalho que é
usado para pagar pelo sistema de transporte que é usado para ir ao trabalho,
em um círculo vicioso interminável.
A melhoria da mobilidade urbana pode significar oportunidades sociais,
econômicas e culturais para os habitantes de uma cidade. Segundo Urry
(2007), o contínuo avanço tecnológico e organizacional do sistema de transporte
ao longo da história, desde os pedestres (que precisam de um sistema
tecnológico para a construção de trilhas, sapatos e bolsas; bem como de códigos
de conduta informais para não colidirem), passando por trens e bondes
no século XIX, e depois com o fortalecimento dos veículos de transporte individual
no século XX, permitiu grandes mudanças nas sociedades ao redor
do mundo.
No entanto, muitas vezes há efeitos colaterais indesejáveis, mitigáveis ou
não, desse sistema de transporte, como poluição, acidentes, congestionamentos,
oligopólios de fabricantes de veículos e de produtores de combustível,
privilégios a determinados grupos e empresas, aumento tanto dos impostos
quanto do trabalho necessários para manter o sistema de transporte, destruição
do tecido social de outrora pequenas comunidades, e desperdício de
dinheiro público e privado. Ainda segundo Urry (2007), uma parte considerável
desses problemas está atrelada ao exagero do uso dos automóveis desde
meados do século XX.
No Brasil, uma forma de diminuir o problema dos congestionamentos no
início da década de 1990, fruto do grande crescimento urbano iniciado nas
décadas anteriores, foi o incentivo do uso de motocicletas a partir do crédito
fácil, o que melhorou um pouco a mobilidade geral das cidades, mas que por
outro lado piorou a segurança dos usuários (Vasconcelos, 2013). Isso ocorreu
porque os avanços tecnológicos das motocicletas têm se concentrado quase
tão somente em aumentar a potência e a velocidade, e diminuir timidamente
as emissões de poluentes, mas certamente muito pouco é feito para aumentar
a segurança.
Especialistas (Cervero, 1998) defendem que a grande solução para o problema
da mobilidade são as reformas sociourbanísticas e um bom sistema de
transporte coletivo, mas, infelizmente, no Brasil, os investimentos em planos
urbanísticos e transporte público são poucos, autoritários e ineficazes.
Por outro lado, não necessariamente o transporte público é sempre uma
boa solução, pois pode aumentar os custos sociais para a construção e manutenção
das vias e dos veículos. Outro problema do transporte público é que
na maioria das vezes privilegia o deslocamento apenas para grandes centros
comerciais e industriais, dificultando a mobilidade em regiões não escolhidas
por essas grandes empresas.
Recentemente, temos visto uma grande campanha social pelo uso de bicicletas
nas cidades (Pucher e Buehler, 2012; Mapes, 2009), com grandes
benefícios à saúde da população. Mas, a despeito do desejo da sociedade,
ainda são necessárias muitas reformas sociais (e.g., valorização da vida em
pequenas comunidades e respeito ao ser humano independentemente do veículo
que possui), urbanísticas (e.g. ciclovias, chuveiros, árvores) e tecnológicas
(e.g., bicicletas com assistência elétrica mais baratas) para um maior uso
da bicicleta. Por outro lado, a aposta em uma mobilidade com menor raio
de alcance também tem seu lado negativo, como manter as pessoas presas
a culturas, normas, costumes e trabalhos indesejáveis. Por exemplo, sem o
automóvel, uma esposa pode ficar presa a um emprego próximo ao trabalho
do marido ou da escola dos filhos; ou então ter como única opção trabalhar
em uma grande empresa servida pelo transporte coletivo.
O grande desafio é fazer com que o aumento na mobilidade das pessoas
represente oportunidades, não a obrigação de se moverem constantemente
pelas mesmas rotas (e.g., grandes avenidas ou linhas de metrô) em busca de
um trabalho distante. No final das contas, o aumento da mobilidade pode
criar mais demanda por mobilidade, em uma espiral que só beneficia as montadoras,
as produtoras de petróleo, as indústrias, o comércio e a arrecadação
de impostos.
O aumento da mobilidade deve estar a serviço da democratização do espaço
público e do aumento da eficiência no emprego dos recursos humanos,
não do aumento dos custos sociais, como maiores impostos no caso do transporte
público ou no aumento do tempo trabalhado para arcar com os custos
do transporte individual.
Portanto, vemos que o aumento da mobilidade urbana pode servir tanto
como gerador de oportunidades quanto como prisão para as pessoas. Pode
servir como melhoria ou como piora no emprego dos recursos humanos. Por
exemplo, a defesa das bicicletas pode significar mais saúde, mas também a
impossibilidade de estudar em uma boa escola longe de casa. A defesa dos
automóveis pode significar acesso a regiões não cobertas pelo transporte público,
mas também a necessidade de trabalhar muito para pagar pelo veículo.
A defesa do transporte público pode significar uma redução nos gastos individuais,
mas por outro lado aumentar os impostos e engessar os possíveis
roteiros e horários, que em geral são induzidos pelas grandes corporações em
busca de empregados e consumidores.
Cabe à sociedade escolher com sabedoria que mobilidade deseja: democrática
ou autoritária. Acreditamos que a melhor solução está em uma mistura
de vários conceitos urbanistas (e.g., valorização de comunidades e de
metrópoles; valorização do passado e do futuro), em uma mistura de subsistemas
de transporte (e.g., transporte coletivo e transporte individual), e
em uma mistura de veículos (e.g., bicicletas, sapatos, cadeiras de rodas, motocicletas,
automóveis, ônibus e metrôs). Como será visto mais adiante, o
objetivo deste projeto é contribuir na busca desse ponto de equilíbrio.
Conforme dito anteriormente, o âmbito deste projeto se restringe ao estudo
das condições nas quais o sistema de transporte individual é razoável.
Nesse contexto bastante específico, podemos dizer que o transporte urbano
de pessoas é realizado tanto por veículos coletivos quanto individuais, que satisfazem
demandas diferentes. Os veículos urbanos coletivos (trens, metrôs,
ônibus, bondes e vans) têm como vantagens a maior capacidade, a maior
segurança e, em certas condições, o menor custo para o usuário. Por outro
lado, esse tipo de transporte é muito rígido em relação aos percursos e
horários, além de demandar um alto investimento inicial, comumente realizado
pelo estado no caso brasileiro. Por essas deficiências, há também uma
grande utilização de veículos individuais (bicicletas, motocicletas, automóveis
e, em pequeníssima escala, helicópteros, patins e segways), que permitem
maior flexibilidade e capilarização no transporte, além de serem adequados
ao investimento financeiro gradual e compartilhado entre o setor público (infraestrutura)
e privado (veículos).
O equilíbrio ideal entre os veículos coletivos e os individuais é um desafio
à gestão pública, pois não se trata apenas de uma questão técnica (transportar
mais pessoas no menor tempo e com o menor custo), mas também
uma questão econômica, social e cultural. Por exemplo, do ponto de vista
econômico, em determinado momento o governo pode incentivar um maior
uso de automóveis porque quer fortalecer a indústria local automotiva e de
petróleo, ou porque não tem capacidade de investimento para grandes obras
de transporte coletivo. Socialmente falando, a classe média pode exigir privilégios
ao uso dos automóveis para se sentir diferenciada da classe operária
que se move nos coletivos. Ainda, culturalmente, por bem ou por mal, o
uso de veículos individuais pode servir como expressão da liberdade (ilusória)
individual dos cidadãos – liberdade para escolher entre ficar preso no
congestionamento dentro de uma jaula azul ou uma jaula vermelha.
Sejam quais forem as razões para privilegiar os veículos coletivos ou individuais,
o que vemos no Brasil é um incentivo desequilibrado ao uso do
transporte individual, com várias consequências negativas: congestionamentos,
poluição, acidentes, consumismo exacerbado, concentração econômica
em poucas grandes empresas, e desperdício de dinheiro público e privado.
Os congestionamentos são noticiados diariamente como um dos grandes
problemas das metrópoles brasileiras, principalmente porque nosso sistema
depende demais dos veículos de transporte individual. Segundo Cervero
(1998), um sistema de metrô pode deslocar dezenas de vezes mais pessoas do
que uma avenida de automóveis, deixando claro que os veículos individuais
não são a melhor opção para grandes artérias urbanas.
O número de mortes no trânsito brasileiro é de aproximadamente 20 mortes
a cada 100.000 habitantes (WHO, 2013), dentre os quais 25% se locomovem
em motocicletas, 23% são pedestres, e 22% ocupam automóveis. Mas
deve-se atentar ao fato que boa parte dos motoqueiros e pedestres são mortos
em colisões com automóveis. O número de mortes de motoqueiros no Brasil
é mais alto que em outros países principalmente porque a frota de motos é
muito grande, não por causa de alguma falha no sistema educacional ou na
legislação de trânsito. Na realidade, quando se faz um levantamento mundial
do número de motoqueiros mortos pelo número de motos em um país (e
não pelo número de habitantes, como faz a Organização Mundial de Saúde),
conclui-se que não há relação direta entre o risco de andar de moto com o PIB
per capita ou com o IDH. O que demonstra que os países pobres têm mais
motoqueiros mortos não porque são pobres, mas fundamentalmente porque
têm mais motos. O mais importante dessa discussão é que podemos concluir
então que as motos são intrinsicamente perigosas (mais motos, mais mortos),
independentemente do nível de desenvolvimento econômico, social ou educacional
do país. Portanto, o fundamental é melhorar o projeto dos veículos
(menor velocidade, menor massa, auxílio eletrônico, etc.), e não apenas, como
se faz no Brasil, aumentar a penalização ou fazer campanhas culpabilizando
as vítimas.
Nas campanhas contra acidentes e também em certos círculos culturais
da classe média, se faz uma separação entre ‘motociclistas’ e ‘motoqueiros’.
Acreditamos que essa separação serve apenas para isentar as fábricas e as
autoridades da responsabilidade dos acidentes (“Motociclistas são bem com-
portados. Se ele se acidentou é porque foi imprudente. É porque era um
motoqueiro”). Na realidade, a maior parte dos acidentes ocorre porque as
motos não têm comunicação entre os veículos (frenagem automática, alarmes
de proximidade em cruzamentos) e porque todos os veículos correm demais.
A culpa dos acidentes não pode ser jogada toda na conta da imprudência
dos motoqueiros. Por isso, neste projeto, os condutores e passageiros de
motocicletas serão chamados simplesmente de ‘motoqueiros’, sem distinção
de classe social, preço da motocicleta, tipo de uso ou forma de condução –
motoqueiro é aquele que anda de moto.
Cabe também uma observação sobre o uso da palavra “acidente”, que
certamente não é apropriada para descrever o que acontece nas colisões,
quedas e atropelamentos. Afinal, acidentes não podem ser previstos, mas, no
caso dos “acidentes” de trânsito, eles praticamente se repetem anualmente.
Portanto, se podem ser previstos não são acidentes.
No Brasil há uma série de Normas Regulamentadoras que protegem os
trabalhadores nas indústrias, obrigando o empregador a proporcionar máquinas
seguras, treinamento, equipamentos, condições climáticas decentes e
descanso. Estranhamente não há uma Norma Regulamentadora para proteger
os trabalhadores que trabalham no tráfego ou que usam o tráfego para
irem ao trabalho. No caso das avenidas, diferentemente do caso das indústrias,
parece que vale a lei de “o culpado é sempre o operador da máquina”. A
culpa nunca é do projeto mal feito, das vias mal feitas, ou das leis e costumes
do local.
Sobre a poluição, Pucher e Buehler (2012), tomando o caso da Austrália
como exemplo, estimam que o número de mortes causadas pelas emissões dos
veículos motorizados é da mesma ordem do número de mortes por acidentes,
alertando que esse efeito é muitas vezes escondido das estatísticas de vítimas
do trânsito, como se fossem mortes invisíveis.
O consumismo exacerbado é de difícil quantificação, mas é de fácil percepção
em um país como o Brasil onde as pessoas demonstram um grande
orgulho por trocarem de veículo todos os anos, por preferirem veículos com
potência muito maior que o necessário, ou então, pasmem, por terem pago
caro por um automóvel (fenômeno conhecido como “Lucro Brasil”). Já a
concentração econômica em poucas empresas é quantificável pelo cartel de
automóveis, pelo cartel do biocombustível, pelo quase monopólio das motocicletas
e pelo monopólio do petróleo. Quanto ao desperdício, no Brasil,
a sociedade paga muito dinheiro por essa aposta nos veículos individuais,
como na infraestrutura para produzir petróleo, isenção de impostos, vantagens
alfandegárias na zona franca, gastos nos hospitais com acidentes e
intoxicações, e na perda de produtividade dos trabalhadores e mercadorias
paradas nos congestionamentos. Adicionalmente aos gastos sociais, os in-
divíduos arcam com o combustível, aquisição do veículo, manutenção, óleo
lubrificante, taxas, impostos, estacionamento, pedágio, seguro e multas.
Esses problemas (congestionamentos, “acidentes” e desperdício financeiro)
têm quatro famílias de soluções: (a) reformas socioeconômicas (que diminuem
a demanda global por transporte), (b) reformas sociourbanísticas (que
redistribuem o fluxo ao longo do espaço e do tempo), (c) reformas no sistema
de transporte (para uma mesma demanda global, diminuem a demanda por
veículos de transporte individual), e (d) reformas tecnológicas nas vias e nos
veículos (para uma mesma demanda por veículos individuais, a evolução tecnológica
pode diminuir os acidentes, a poluição e os congestionamentos). As
reformas socioeconômicas são mais difíceis, mas mais eficazes. Já as mudanças
nos veículos, pelo menos tecnicamente, são mais fáceis, porém de alcance
limitado.
Por exemplo, a demanda por transporte de pessoas pode ser diminuída
se uma cidade for pensada de forma inteligente e democrática, oferecendo,
em uma mesma região, moradia, trabalho, educação, lazer, família, amigos,
saúde e cultura. Já as reformas no sistema de transporte não mexem na
demanda, mas sim na eficácia do transporte, como no caso da substituição
de uma grande avenida por um metrô, que tem maior capacidade, e que,
portanto, diminui o tempo médio das viagens.
Sempre lembrando, no entanto, que o transporte coletivo também tem
problemas (e.g., custos, e engessamento das rotas e dos horários). É importante
salientar a importância dos transportes individuais nos deslocamentos
locais, nos deslocamentos para regiões distantes que não são cobertas pelo
transporte coletivo, para eventualidades (e.g., ir ao médico, tratar de uma
questão judicial), para o lazer (e.g., passeios e viagens) e para condições especiais
(e.g., transporte de crianças pequenas, idosos, enfermos e pessoas com
dificuldade de locomoção).
Emergencialmente, na conjuntura brasileira atual, o transporte individual
(principalmente de motocicletas e bicicletas), pode representar uma maior
mobilidade dos trabalhadores, capilarização na distribuição de mercadorias,
lazer, expressão cultural e oportunidade de trabalho. O problema é que essas
oportunidades têm sido acompanhadas de problemas (acidentes, poluição,
preconceito e desperdício).
Mesmo que seja impossível, em um determinado momento, implementar
reformas socioeconômicas, sociourbanísticas ou um bom sistema de transporte
coletivo, há muito o que fazer sobre os veículos individuais, como o
uso de tecnologias mais eficientes (e.g., propulsão elétrica, baixa resistência
aerodinâmica, baixo peso), tecnologias mais seguras (e.g., sistemas V2V,
vehicle-to-vehicle, de comunicação entre veículos; reguladores de velocidade;
equipamentos de proteção individual feitos para climas quentes e úmidos),
tecnologias mais inteligentes (projeto específico para a condição em que o
veículo será utilizado) e a melhor distribuição entre os modais individuais
(bicicletas, motocicletas e automóveis).
Essas evoluções tecnológicas não têm sido realizadas por várias razões,
entre as quais as principais são: (1) interesse do governo brasileiro em manter
uma indústria do petróleo estatal forte, o que é um desincentivo para
o desenvolvimento de veículos mais eficientes e com propulsão elétrica, (2)
o modelo industrial brasileiro, que permite que o oligopólio das fábricas de
outros países explore o nosso mercado sem qualquer compromisso de evolução
tecnológica ou de transferência de tecnologia, (3) uma forte campanha
cultural para que os cidadãos acreditem que os acidentes não são causados
pelos veículos mal projetados (nessa cultura, a culpa sempre é da via ou
do condutor) e que os veículos oferecidos nas campanhas publicitárias são
modernos – não são.
Os veículos atualmente oferecidos no mercado certamente não podem ser
chamados de modernos, já que matam, no caso das motocicletas, um consumidor
a cada 150 motos vendidas. Sem contar que o número de acidentados
graves e inválidos é cerca de nove vezes o número de mortos (Vasconcelos,
2013), o que indica que uma a cada 15 motos vendidas estará envolvida em
um grave acidente.
Quanto à eficiência energética, um automóvel usa apenas 0,5% da energia
do combustível para mover o passageiro/carga, sendo que os outros 99,5%
viram calor, barulho e vento. No caso das bicicletas, o projeto é mal feito
porque as fábricas copiam as bicicletas de competição, que certamente não
prezam pela eficiência energética, pelo conforto, pela praticidade ou pela
segurança.
A solução desses problemas, portanto, como é comum a quase todos os
problemas, passa por um compromisso. Por exemplo, incentivar as motocicletas
aumenta a mobilidade, mas também aumenta os acidentes. Incentivar
o transporte público aumenta o fluxo de pessoas, mas não pode ser realizado
em um único mandato político, diminui o apoio da classe média e engessa o
tráfego em certas rotas e horários. Aumentar a eficiência energética diminui
o desperdício e a poluição, mas também diminui a potência e a velocidade
máxima dos veículos, que formam o carro-chefe das campanhas publicitárias,
e, portanto, diminui também a receita das empresas e a arrecadação de
impostos.
Métricas Essas questões contraditórias, e muitas outras, sempre estão na
mesa durante as tomadas de decisão dos governos. Aumentar a arrecadação?
Diminuir as mortes causadas pelos acidentes e pela poluição? Aumentar
a mobilidade em apenas algumas rotas? Democratizar a mobilidade dos
cidadãos? Ganhar a próxima eleição? Concentrar a economia em poucas
tecnologias mais inteligentes (projeto específico para a condição em que o
veículo será utilizado) e a melhor distribuição entre os modais individuais
(bicicletas, motocicletas e automóveis).
Essas evoluções tecnológicas não têm sido realizadas por várias razões,
entre as quais as principais são: (1) interesse do governo brasileiro em manter
uma indústria do petróleo estatal forte, o que é um desincentivo para
o desenvolvimento de veículos mais eficientes e com propulsão elétrica, (2)
o modelo industrial brasileiro, que permite que o oligopólio das fábricas de
outros países explore o nosso mercado sem qualquer compromisso de evolução
tecnológica ou de transferência de tecnologia, (3) uma forte campanha
cultural para que os cidadãos acreditem que os acidentes não são causados
pelos veículos mal projetados (nessa cultura, a culpa sempre é da via ou
do condutor) e que os veículos oferecidos nas campanhas publicitárias são
modernos – não são.
Os veículos atualmente oferecidos no mercado certamente não podem ser
chamados de modernos, já que matam, no caso das motocicletas, um consumidor
a cada 150 motos vendidas. Sem contar que o número de acidentados
graves e inválidos é cerca de nove vezes o número de mortos (Vasconcelos,
2013), o que indica que uma a cada 15 motos vendidas estará envolvida em
um grave acidente.
Quanto à eficiência energética, um automóvel usa apenas 0,5% da energia
do combustível para mover o passageiro/carga, sendo que os outros 99,5%
viram calor, barulho e vento. No caso das bicicletas, o projeto é mal feito
porque as fábricas copiam as bicicletas de competição, que certamente não
prezam pela eficiência energética, pelo conforto, pela praticidade ou pela
segurança.
A solução desses problemas, portanto, como é comum a quase todos os
problemas, passa por um compromisso. Por exemplo, incentivar as motocicletas
aumenta a mobilidade, mas também aumenta os acidentes. Incentivar
o transporte público aumenta o fluxo de pessoas, mas não pode ser realizado
em um único mandato político, diminui o apoio da classe média e engessa o
tráfego em certas rotas e horários. Aumentar a eficiência energética diminui
o desperdício e a poluição, mas também diminui a potência e a velocidade
máxima dos veículos, que formam o carro-chefe das campanhas publicitárias,
e, portanto, diminui também a receita das empresas e a arrecadação de
impostos.
Métricas Essas questões contraditórias, e muitas outras, sempre estão na
mesa durante as tomadas de decisão dos governos. Aumentar a arrecadação?
Diminuir as mortes causadas pelos acidentes e pela poluição? Aumentar
a mobilidade em apenas algumas rotas? Democratizar a mobilidade dos
cidadãos? Ganhar a próxima eleição? Concentrar a economia em poucas
empresas? Afinal, qual é o critério para otimizar o transporte urbano?
Antes de decidir qual o critério mais importante a ser otimizado (e.g.,
arrecadação de impostos, lucro das empresas, fluxo de pessoas, geração de
empregos), é preciso definir como esses objetivos serão representados. Por
exemplo, como quantificar o ganho econômico da instalação de uma nova
montadora de automóveis em uma cidade? Pode ser pelo número de empregos
gerados (mas talvez os trabalhadores venham de outros países e a
instalação da montadora destrua empregos já existentes na região) ou então
pela arrecadação (mas talvez os incentivos fiscais sejam maiores que a arrecadação
de impostos ou a vinda de uma fábrica jurássica espante empresas
inteligentes).
Em outro exemplo da dificuldade de especificar critérios, quando se comparam
as bicicletas com as motocicletas, pode-se levar em conta o gasto
financeiro com combustível (na bicicleta o gasto é maior porque o alimento,
por km, custa 30 vezes mais que a gasolina) e com o sistema de arrefecimento
por perda total do ciclista (água mineral), que dobra os gastos operacionais
da bicicleta. No entanto, se levarmos em conta o investimento inicial para a
aquisição da motocicleta e também os custos com manutenção e impostos,
o uso da motocicleta pode ficar mais caro. Mesmo assim, essa comparação
depende da quilometragem diária, pois quanto maior a distância, maior o
impacto dos custos com a energia (a bicicleta só vale a pena financeiramente
para pequenos deslocamentos). Para complicar, a bicicleta traz benefícios à
saúde e ao convívio social, que são difíceis de quantificar financeiramente.
Mais um exemplo da dificuldade de comparar entre várias opções é na
escolha do melhor modal. Em um caso bem simples, as bicicletas comuns
emitem localmente mais CO2 do que as bicicletas elétricas, já que CO2 é
produzido na queima do alimento pelo ciclista, que nada mais é que o motor
da bicicleta, com o mesmo rendimento de um motor de combustão interna.
No entanto, também há CO2 emitido para gerar a energia elétrica e para
produzir e transportar os alimentos.
Portanto, mesmo que alguém escolha o critério econômico para decidir
sobre um empreendimento, há várias formas de quantificá-lo. Da mesma
forma, mesmo que alguém escolha o critério ambiental, dependendo de como
ele é medido, a melhor solução pode ir para um ou outro lado.
Por exemplo, se a MÉTRICA for o número de acidentes, o melhor é investir
na tecnologia de comunicação veículo a veículo (que, por exemplo, obriga
a redução da velocidade na proximidade de outros veículos, pedestres ou obstáculos
na pista), na diminuição do uso de drogas autorizadas ou na maior
penalização por infrações? Se a MÉTRICA for a emissão de poluentes, é
melhor incentivar a eficiência energética dos veículos (e.g., melhorar a aerodinâmica,
diminuir o peso, ou limitar a velocidade) ou o uso de tecnologias
mais limpas (e.g., motores elétricos)? Como se vê, é um problema bastante
complexo, que necessita de uma abordagem transdisciplinar (e.g., engenharias,
arquitetura, econômica, sociologia, medicina) e multiinstitucional (i.e.,
com a participação de centros de pesquisa, estado, empresas, organizações
sociais e indivíduos).
Depois de tudo isso, a problemática geral do projeto pode ser assim qualificada:
(1) o uso exacerbado de veículos de transporte individual tem efeitos
maléficos (congestionamentos, poluição, acidentes e desperdício financeiro),
(2) as soluções desses problemas podem ser agrupadas em quatro tipos de
abordagens (reformas socioeconômicas, reformas sociourbanísticas, reformas
no sistema de transporte, e reformas tecnológicas nas vias e nos veículos),
e (3) a escolha da MÉTRICA que representa a qualidade do tráfego (e.g.,
emissão de poluentes, fluxo de pessoas, número de acidentes, gastos individuais
e públicos) em um determinado estudo acaba implicando em diferentes
procedimentos para resolver os problemas.
A contribuição do presente projeto tem um escopo muito menor que esse
problema geral, tanto do ponto de vista espacial (estudo de uma via com
várias pistas), quanto do ponto de vista tecnológico (apenas motocicletas,
bicicletas e automóveis), do métrico (fluxo médio de pessoas, emissão de CO2,
consumo de combustível e gastos financeiros individuais) e do metodológico
(simulações computacionais).
Isso posto, o problema específico tratado neste projeto pode ser apresentado
inicialmente como: qual é a influência dos veículos e das condições de
tráfego no fluxo de pessoas, na emissão de CO2, no consumo de combustível
e nos gastos financeiros?
Escalas e fenômenos Existem infinitas maneiras de ver o que acontece no
mundo dos veículos individuais. Desde as ligações químicas se reordenando
durante a reação do glicogênio com oxigênio no corpo de um ciclista enquanto
esse pedala, passando pelo tênue equilíbrio entre a gravidade que puxa o
motoqueiro para dentro e a inércia que o joga para fora durante uma curva,
até a redemocratização do espaço público, com os motoqueiros ocupando as
ruas que foram pensadas inicialmente apenas para os automóveis.
Além disso, os fenômenos sempre são misturas de eventos que ocorrem
desde períodos de tempo muito pequenos aos muito grandes. Por exemplo, o
movimento de uma motocicleta depende tanto da decisão quase instantânea
que o motoqueiro toma ao desviar do buraco quanto das dezenas de anos necessárias
para que as regras informais da conduta de trânsito se desenvolvam
em uma sociedade.
Ainda, os fenômenos sempre são misturas de eventos que ocorrem desde os
espaços muito pequenos aos muito grandes. O movimento de um automóvel
depende tanto das colisões microscópicas das moléculas de oxigênio e de
hidrocarboneto dentro do cilindro quanto dos muitos quilômetros da avenida
pela qual ele transita. Modifique qualquer um desses elementos – a mente
do condutor, a queima do combustível, a aerodinâmica do veículo, as regras
do trânsito, ou a própria avenida -, e o movimento também será modificado.
Dizendo de outra forma, o movimento de uma moto depende da intenção
do motoqueiro (mente), do sistema de propulsão (motor), do veículo
propriamente dito (motocicleta), das ruas, do tráfego, dos costumes e das
regras (mundo). Por isso, para estudar o movimento dos veículos é fundamental
levar em conta todas essas escalas físicas e temporais, e todos esses
fenômenos. Sempre guardando na memória, no entanto, que esse estudo da
dinâmica dos veículos deve ser feito com olhos tanto nos problemas (e.g. acidentes,
preconceito, poluição, desperdício, exploração trabalhista) quanto nas
oportunidades (e.g., mobilidade, inclusão social, economia local e expressão
cultural).
Voltando aos aspectos puramente técnicos, a dinâmica do tráfego pode
ser estudada em cinco escalas:
MOTOR. Um motor é um dispositivo que transforma um tipo qualquer
de energia em movimento (energia cinética). Pode ser o corpo humano que
converte a energia do alimento em movimento nos pedais, pode ser um motor
elétrico que converte a energia química armazenada na bateria em movimento
no eixo, ou um motor de combustão interna que converte a energia química
do combustível em movimento no virabrequim. Do ponto de vista termodinamicista,
não há grande diferença entre esses motores além da eficiência de
conversão. Claro que é uma visão extremamente simplificada, já que esses
motores têm funcionamentos completamente diferentes, mas bem razoável
quando o interesse está no consumo energético, na dinâmica do veículo ou
na emissão de poluentes. Portanto, embora este projeto tenha uma forte
motivação humanista, na hora de fazer os cálculos não há diferença entre o
trabalho de um corpo humano do trabalho de um motor de combustão interna
– os dois consomem energia que tem que vir de algum lugar, os dois
desperdiçam parte dessa energia, e os dois produzem movimento. A questão,
neste momento, é somente saber em que condições um é melhor ou pior que
outro. A ação do bisturi da ciência nem sempre é agradável aos olhos.
VEÍCULO. Um veículo pode ser um símbolo de status, uma manifestação
cultural, um produto que gira a economia de um país, um moedor de carne,
um exterminador de vidas, uma fonte de sujeira, e, inclusive, um transportador
de pessoas. Mas neste contexto técnico, um veículo é considerado um
objeto que usa a energia do motor para vencer as várias resistências que tentam
impedir o seu livre movimento: atrito entre as partes, deformação dos
pneus, deformação da via no caso de piso mole, inércia, gravidade e arrasto
aerodinâmico. Veículos podem ser bicicletas, patinetes, automóveis privados,
táxis, motocicletas, cadeiras de roda, aviões, sapatos, metrôs, caminhões, etc.
Mas há várias ressalvas a fazer. Primeiro, este projeto não vai considerar pedestres
e cadeirantes por uma questão de tempo, já que seus movimentos são
bem diferentes dos outros veículos, o que demandaria uma outra modelagem
matemática. Pretendemos, no entanto, incluí-los nos estudos futuros. Já em
relação às bicicletas, motocicletas e automóveis, nós acreditamos que são, na
essência, bem mais parecidos entre si do que suas atuais manifestações sugerem.
Imaginemos por um momento como eles deveriam ser: bicicletas com
auxílio na propulsão para ajudar as pessoas com dificuldade de locomoção e
com partes aerodinâmicas para melhorar a eficiência; motocicletas bem mais
leves e limpas para serem realmente práticas no dia a dia; e carros pequenos,
leves e eficientes, para uso no trânsito urbano. Pensando desse jeito, todos
esses veículos poderiam ter propulsão elétrica, baixa velocidade, proteção
aos elementos e serem leves. Seriam muito parecidos entre si. Na verdade,
idealmente, as três grandes diferenças entre os veículos individuais urbanos
estão no número de rodas (1, 2, 3 ou 4), na posição do condutor (sentado,
em pé, montado ou deitado) e na existência ou não de uma carenagem (para
proteger dos elementos e favorecer a aerodinâmica). Quando se pensa no que
realmente as pessoas precisam, querem e merecem, as divisões atuais entre
bicicletas, motocicletas e automóveis não fazem muito sentido. Além disso,
quando se interessa apenas pela dinâmica do veículo em linha reta, como no
caso do presente projeto, não há diferença qualitativa entre esses veículos, já
que são regidos pelo mesmo modelo matemático.
TRÁFEGO. Mas não adianta conhecer apenas o motor e o veículo, pois o
movimento é governado também pelo trânsito – a não ser nas propagandas,
onde os veículos sempre estão sozinhos e a energia é de graça. No mundo
real, mesmo do ponto estritamente técnico, existe uma forte relação entre
o MOTOR, o VEÍCULO e o TRÁFEGO. Por exemplo, mesmo que a rua
esteja livre, o veículo não vai correr mais do que o limite do motor. Por
outro lado, não adianta ter um MOTOR superpotente se a má aerodinâmica
do VEÍCULO absorver quase toda a energia. De novo, sendo bem específico
aos nossos interesses (energia, custos, poluição e tempo de deslocamento), o
TRÁFEGO se comporta como uma grande restrição (física, social e legal)
ao movimento dos VEÍCULOS. Em outras palavras, se por um lado existe
o desejo do condutor de se deslocar de determinada maneira, esse desejo
é limitado pelo MOTOR, pelo VEÍCULO e pelo TRÁFEGO, que inclui a
presença física dos outros veículos, a infraestrutura, o sistema de controle de
tráfego, as regras sociais e as leis de conduta.
Nesse contexto, resumindo até agora, o presente projeto envolve o aprimoramento
de modelos matemáticos que permitam quantificar o comportamento
dos veículos no trânsito urbano levando em conta o MOTOR, o VEÍCULO
e o TRÁFEGO.
Para não deixar a discussão interrompida, iremos agora discutir outras
duas escalas de estudo, que, embora não sejam consideradas neste trabalho,
sempre devem permear os estudos técnicos.
A MENTE HUMANA é, talvez, o grande mistério da ciência e da filosofia.
É a mente humana que decide entre este e aquele modal, entre esta e
aquela pista, entre frear ou acelerar, entre prestar atenção ou não ao outro
veículo, entre respeitar ou não o outro ser humano. Há uma grande discussão
se as decisões de consumo, por exemplo, são psicológicas (escolha individual)
ou sociológicas (imposição econômica e cultural); ou se a decisão por correr
mais ou menos é uma questão pessoal, e, portanto, deve ser uma escolha restringida
pela tecnologia do veículo, ou se pode ser controlada pela educação.
Esse tipo de compreensão sobre o ser humano é fundamental para orientar as
ações para prevenção de acidentes. Limitar a velocidade, penalizar o infrator
ou educá-lo? Outra questão importante sobre a mente humana é sua limitação
sensorial (e.g., não podemos olhar para todos os lados ao mesmo tempo)
e cognitiva (e.g., demoramos certo tempo para tomarmos uma decisão, e nem
sempre tomamos a decisão mais adequada), que sugere a pertinência do auxílio
eletrônico (e.g., alarme de proximidade de outros veículos e frenagem
automática). Claro que o auxílio eletrônico é bastante controverso, principalmente
no caso do controle do veículo, pois não se sabe qual deve ser a
medida exata na parceria da mente humana e do computador.
SOCIEDADE. O mundo é muito mais complicado e muito maior do que
algumas pessoas acionando motores que movem veículos no tráfego. Há uma
infinidade de fenômenos importantes que não podem ser colocados nas quatro
escalas acima. Sem pensar muito, o estudo dos veículos precisa levar em conta
uma série de outras questões, como o tratamento dos acidentados, a geração
de empregos, a economia do país, o fornecimento de energia, as implicações
da poluição, o impacto urbanístico, o preconceito, a acessibilidade, a cidadania,
a cultura dos que circulam pelas cidades, a política, e assim vai. Essas
ainda são questões acadêmicas, mas que, muito embora motivem os estudos
deste projeto e sejam centrais em nossas preocupações como cidadãos, estão
muito além da nossa capacidade profissional. Sobre esses assuntos, nosso
papel como engenheiros é apenas estudar o que os especialistas estão fazendo
e tentar usar esse conhecimento para enriquecer nossos estudos específicos.
Já como cidadãos, são exatamente esses assuntos que mais interessam. O
que tentamos fazer, então, como acadêmicos profissionais, é percorrer um
caminho de mão dupla: por um lado gerar conhecimento técnico (quantificação
da poluição, custos, eficiência e fluxo de veículos) para alimentar as
discussões sociais, políticas, econômicas e filosóficas; e, por outro lado, participar
das discussões gerais nas quais os problemas das bicicletas, automóveis
e motocicletas sejam tratados de uma forma ampla, livre e inteligente. Não
participamos de discussões míopes, preconceituosas e burras.
Após esta discussão sobre os vários objetivos, as várias escalas e os vários
fenômenos, o problema específico tratado neste projeto pode ser finalmente
qualificado: como os motores, os veículos e as condições de tráfego (composto
por motocicletas, bicicletas e automóveis) podem ser modificados para
otimizar o fluxo de pessoas, a emissão de CO2, o consumo de combustível e
os gastos financeiros?
Objetivos O OBJETIVO TECNOLÓGICO do projeto é o aprimoramento
de um modelo completo multiescala (motor, veículo e tráfego), multifenômeno
(e.g., considerando a combustão no cilindro, a inércia do veículo e a
estratégia de mudança de faixa) e multiobjetivo (com cálculo das métricas:
fluxo de veículos, emissão de CO2, gastos individuais e consumo de energia).
Sobre esse modelo completo serão realizados estudos de casos com vários
tipos de motores (motor de combustão interna, motor elétrico e propulsão
humana), de veículos (motocicletas, bicicletas e automóveis), de pistas (e.g.,
variando o número de faixas e a existência de faixas exclusivas) e de condutores
(e.g., com maior ou menor aversão ao risco). A partir da análise desses
resultados será alcançado o OBJETIVO CIENTÍFICO do projeto: estudo
da influência dos parâmetros dos motores, dos veículos e do tráfego no comportamento
global de uma via com múltiplas pistas paralelas. Por exemplo,
estudaremos como o tempo de abertura da válvula de admissão influencia no
consumo de combustível global da via; como o uso de veículos com propulsão
elétrica influencia nos gastos de aquisição e operacionais; e como a proporção
de bicicletas influencia no fluxo total de pessoas.
Como OBJETIVO INSTITUCIONAL, ao realizar o projeto, pretendemos
concentrar, alinhar e organizar várias atividades que vêm sendo desenvolvidas
pelo grupo de pesquisa desde 2010, como disciplinas de graduação e pósgraduação,
projeto de extensão, e atividades de pesquisa desde IC até o
doutoramento. Adicionalmente, visamos capacitar o grupo para, ao final
do projeto, colaborar em grandes pesquisas voltadas ao estudo do tráfego
urbano.
Metodologia Para realizar os objetivos específicos, durante o projeto planejamos
as seguintes METAS: (a) criação de um pequeno banco de dados
com curvas de motores de combustão interna, motores elétricos e sistemas
de propulsão humana, baseados em modelos energéticos essenciais, modelos
computacionais detalhados, correlações empíricas e resultados experimentais
de fabricantes; (b) aprimoramento de um modelo computacional da dinâmica
de veículos em linha reta, com atenção especial aos dados relacionados
à resistência aerodinâmica e resistência à rolagem; (c) modificação de um
modelo dinâmico do tráfego misto (motocicletas, bicicletas e automóveis) em
uma via com várias pistas; (d) implementação do cálculo das métricas de
fluxo de veículos, emissão de CO2, consumo de combustível e gastos individuais;
e (e) realização de estudos de casos sobre o comportamento global
da via, visando compreender a influência dos motores, veículos, condições do
tráfego, características da pista e estilo dos condutores.
Como parte da metodologia, propomos a continuação natural das atividades
que temos realizado desde 2010 nas disciplinas e desde 2012 como
pesquisa.
Nivelamento da Equipe. Depois da equipe ter desenvolvido os métodos
atuais de forma relativamente estanque (e.g., um era especialista no Lotus,
outro em autômatos celulares), faremos um esforço para homogeneizar esse
conhecimento entre os membros. Isso agora é mais fácil, depois da publicação
de trabalhos nas disciplinas, relatórios de iniciação científica, monografias de
TCC e de especialização, dissertações de mestrado e, planejamos para um
futuro próximo, teses de doutoramento e artigos de qualidade.
Aprimoramento dos Métodos Existentes. Até o momento, os maiores esforços
foram realizados na implementação dos algoritmos, na concepção de
uma estratégia de integração entre os vários modelos, e no desenvolvimento
de uma filosofia geral de escolha das MÉTRICAS, as quais, como já explicado,
acabam tendo fortíssima influência nos resultados obtidos, por qualquer
modelo que seja. Com essa estrutura geral já montada – uma boa estrutura
para análises qualitativas -, o esforço agora será na qualidade do uso dos
métodos, i.e., dados mais confiáveis e validação dos resultados.
Levantamento Bibliográfico. A biblioteca (privada) que a equipe tem
acesso tem cerca de 400 livros específicos sobre bicicletas e motocicletas;
mais 150 de áreas correlatas, como motores de combustão interna, dinâmica
veicular, mobilidade, cidades, simulação de tráfego, fisiologia, ciências térmicas,
combustão, mecanismos, química, desenho, fabricação, eletricidade,
China (maior fabricante de motos e bicicletas do mundo), economia, sociologia
e cultura. Essas fontes terciárias são fundamentais para criar uma visão
geral (transdisciplinar) sobre a problemática, como foi descrito na primeira
seção, além de suprir áreas que não são bem cobertas pelo meio acadêmico
(embora exista um grande número de artigos sobre automóveis, há bem menos
publicados sobre bicicletas e motocicletas). No entanto, as terciárias
não são fontes confiáveis, tanto em relação à relevância quanto à correção do
que expõem. Portanto, de agora em diante, nos esforçaremos para incluir
cada vez mais fontes secundárias no levantamento bibliográfico, de forma a
garantir a qualidade dos resultados. Por sorte, no Brasil, temos acesso ao
Sistema de Periódicos CAPES, que contém boa parte dos artigos que precisamos.
Em resumo, continuaremos com as fontes terciárias na busca de novas
visões, do conhecimento prático, e na expansão do conhecimento acadêmico
em áreas distantes da engenharia mecânica; e com as fontes secundárias para
o aprofundamento (em qualquer área) e para a busca de novos métodos de
engenharia.
Um ponto importante é que não vemos o levantamento bibliográfico apenas
como uma base para o desenvolvimento técnico (i.e., fonte de dados, de
teorias e de motivação), mas também como uma atividade em paralelo tão
importante quanto – e por isso este comentário está aqui na metodologia. Isso
porque, ao unirmos o levantamento bibliográfico geral (e.g., história, tecnologia,
sistemas complexos, cultura, acidentes, relações trabalhistas, indústria,
mercado) com os resultados específicos de nossos modelos (e.g., quantificação
da distância média entre veículos, emissão de CO2, consumo de combustível),
criamos um novo conhecimento, que transcende tanto o levantamento
bibliográfico geral (agora alimentado com nossos resultados técnicos) quanto
os resultados dos modelos de engenharia (que podem agora ser referenciados
dentro de uma problemática mais ampla, que envolve questões urbanísticas,
sociais, econômicas etc.).
Novos Métodos Técnicos. Pode-se dizer que o presente projeto tem três
espíritos bem claros. O primeiro de consolidação do que já vem sendo feito
e o segundo de miscigenação de aspectos técnicos e não técnicos. O terceiro
espírito do projeto é o aprimoramento específico dos métodos técnicos, e que
talvez seja o mais relevante do ponto de vista da engenharia, mas que, no entanto,
foge do objetivo deste texto. Em resumo, aprimoraremos o MODELO
DO MOTOR, o MODELO DO VEÍCULO e o MODELO DO TRÁFEGO,
construindo o que chamamos de MODELO COMPLETO. Sobre o qual serão
calculadas as várias MÉTRICAS (fluxo, CO2, combustível e $).
O foco deste trabalho é o desenvolvimento de modelos computacionais, a
produção de resultados qualitativos com esses modelos, e a criação de uma
estrutura de possíveis discussões sobre os resultados. Como o desenvolvimento
dos modelos não priorizará o desempenho computacional, o número
de estudos de casos terá uma representatividade limitada. Outra limitação
será na qualidade e quantidade dos dados utilizados, que restringirão bastante
as análises quantitativas. No entanto, serão ferramentas importantes
para projetos futuros.
Mas há uma questão importante aqui, que é a estrutura de discussão.
Por exemplo, digamos que em uma determinada condição simulada o fluxo
de automóveis tenha sido mediano. E que, ao aumentarmos o número de bicicletas,
o fluxo de automóveis diminuísse 5% e o fluxo total aumentasse 20%.
Neste estágio da pesquisa, dada a qualidade do MODELO DO TRÁFEGO,
e dada a qualidade e representatividade dos dados usados ao longo de todo
o MODELO COMPLETO, não seria razoável usar esses valores em qualquer
discussão séria, já que não são quantitativamente confiáveis. No entanto, ao
discutirmos esse fenômeno, percebemos que o aumento do número de bicicletas,
embora possa (possivelmente) diminuir o fluxo de automóveis, pode
(possivelmente) aumentar o fluxo total. Criou-se então uma estrutura de discussão:
o aumento do número de bicicletas pode diminuir o fluxo de carros e
aumentar o fluxo total. Embora não possamos, dado o nível de detalhamento
do modelo e da qualidade/representatividade dos dados, dizer exatamente em
que condições isso ocorrerá, certamente essa estrutura de discussão servirá
como motivadora para novas pesquisas; como norteadora de que parte do
modelo ou dos dados deve ser mais trabalhada para que tenhamos uma resposta
quantitativa; como esclarecedora de que forma podemos simplificar o
modelo ou então torna-lo mais detalhado; e como balizadora para os pontos
mais importantes a serem discutidos politicamente pela sociedade. Acima de
tudo, do ponto de vista do conhecimento, a descoberta de uma estrutura de
discussão representa a descoberta de uma importante relação entre variáveis
em um fenômeno complexo.
Portanto, a lista de estudos de casos apresentada a seguir não deve ser
vista como uma previsão definitiva do que acontecerá em uma determinada
avenida, mas sim a descoberta de essências nos fenômenos (que permitirão
modelos mais fiéis à realidade no futuro) e, principalmente, a construção
de estruturas de discussão que contribuirão tanto na motivação de novas
pesquisas quanto nas discussões políticas realizadas na sociedade sobre que
ações devem ser tomadas para mitigar os problemas advindos do tráfego
urbano.
Como mais um exemplo, bastante óbvio, o estudo comparativo entre duas
MÉTRICAS financeiras (custo operacional e custo individual total) pode
deixar muito claro que usar um automóvel pode ser mais barato no dia a dia
(gasolina) que o ônibus (passagem), mas que fica mais caro se o usuário levar
em conta o custo de aquisição. Ou então, usando a MÉTRICA de consumo
de combustível podemos ter a impressão que a motocicleta é menos poluidora
que um automóvel, enquanto ao usar a MÉTRICA da emissão de poluentes
chegamos a um resultado contrário. Ou seja, embora os resultados desses
estudos não sejam quantitativamente precisos, teremos aprendido como a
escolha de uma ou outra métrica pode fazer toda a diferença nos rumos de
uma discussão pública.
A qualidade dos modelos e dos dados que utilizamos, pelo menos neste
projeto, não permitirá dizer exatamente quando as motocicletas emitem mais
ou menos poluentes que um automóvel, mas o estudo criará uma estrutura
de discussão que deixará claro que, dependendo da MÉTRICA, mesmo que
as duas sejam ambientais, a discussão pode ir de um lado para outro, muitas
vezes a serviço de interesses econômicos, não ambientais. Às vezes (sempre?),
descobrir quais são as perguntas certas é mais importante do que ter a ilusão
de ter algumas respostas. Isso porque respostas podem levar à imobilidade,
enquanto perguntas criam a condição, inquietação, diálogo, justificativa, visão,
curiosidade e inspiração necessárias para a busca de outras repostas, mais
diversas e mais profundas, e que por sua vez germinarão novas perguntas, ad
infinitum.
Os estudos podem ser divididos em quatro grandes grupos.
Influência do Tráfego. Calcularemos as diversas métricas variando o número
de pistas, a densidade de veículos, e a proporção entre os vários tipos
de veículos. Influência do Motor. Comparação entre os vários tipos de motor
(e.g., MCI, elétrico, ciclista), curvas de potência (e.g., motores com curva esportiva
ou econômica, com maior ou menor potência máxima), e parâmetros
internos (e.g., tempo de abertura de válvula, taxa de compressão, pedalada
em pé ou sentado). Influência do Veículo. Estudo da influência da aerodinâmica,
da resistência de rolagem, do peso e do preço do veículo. Influência da
Pista e Condutor. Influência da infraestrutura, como relevo, vento, buracos,
e semáforos; e do condutor, como tempo de reação, auxílio eletrônico, aversão
ao risco, etc. Resumão O projeto então é esse. Simular o tráfego misto
em uma via levando em conta vários tipos de veículos, bem como seus motores
e as condições de tráfego. Depois, usar os resultados (tanto os valores
numéricos quanto as estruturas de discussão) para contribuir nas discussões
gerais que envolvem a mobilidade urbana. Simples.

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