Livro: De Motoca na Estrada
Fábio Magnani
[publicado originalmente em maio de 2010]
Uma viagem de moto de Pernambuco ao Atacama, na qual se anda mais de 15.000 km, é feita com alguma preparação. No meu caso, que gosto de começar a viajar vários meses antes, desde a escolha dos roteiros até a modificação da moto, é como se viagem toda durasse não apenas 40 dias, mas muitos meses. Isso é muito legal, mas não posso negar que às vezes a ansiedade tome uma proporção maior do que deveria.
Acho que o primeiro momento de ansiedade foi na metade da preparação, no processo de montagem do grupo. Logo no começo – há 14 meses da partida – houve muita alegria e participação, quando chegamos a ter oito interessados. Depois a participação foi diminuindo – por razões justas de cada um – até que não havia mais a certeza de ninguém, há uns 8 meses da partida. Esse período durou cerca de três meses. Isso era um pouco assustador, porque eu não queria ir para o Atacama sozinho. Tinha receio de minha moto quebrar no meio do nada e não poder contar com nenhum amigo. Mas foi um momento curto de ansiedade, pois logo o Wagner conseguiu comprar a sua moto nova e o Geraldinho confirmou a sua ida. Dali em diante, faltando cerca de 5 meses para a partida, com o grupo já montado, não tinha mais como parar a viagem.
Continuamos o planejamento e a preparação. Enquanto havia muito para fazer, nos concentrávamos mais nos detalhes e nos esquecíamos da viagem propriamente. Mas faltando uns dois meses para a partida, não havia mais nada a fazer. Todos os acessórios já tinham sido comprados, o orçamento estava equilibrado, as motos modificadas, o roteiro básico definido e as passagens aéreas – para minha família – já compradas. Faltava só esperar a data da partida chegar. Foi um momento de ansiedade gostosa. Noites sonhando com a viagem, encontros só falando da viagem, textos e textos no blog só falando da viagem. E foi assim até o último momento antes da partida. No primeiro dia só queríamos andar, andar, andar. Para ter uma idéia, depois percebemos que não chegamos a colocar o pé no território de Sergipe. Queríamos só andar de moto.
O resto da viagem foi bem relaxado até que chegamos em Foz do Iguaçu. Daí, comecei a ficar ansioso por sair de moto do país. Será que haveria algum problema com a documentação? Pediriam vacina de febre amarela? Carta verde? Perceberiam que o número da minha identidade na carteira de motorista (de SP) é diferente do que está no passaporte (identidade de PE)? Como seria estar em um outro país onde você não pode contar com absolutamente ninguém? Como seria o processo na aduana/imigração/polícia quando chegássemos na fronteira? Para diminuir um pouco essa ansiedade, cruzamos a fronteira um dia antes, para visitar um cassino na Argentina. Foi muito legal fazer isso porque já nos acostumamos um pouco com o processo e com as filas. Mas o principal foi sermos tratados muito bem pelos argentinos. Quando você pára de assumir coisas e passa a conhecer os fatos, tudo é muito mais tranqüilo. No restante da viagem, na parte exterior, sempre fomos tratados pelos argentinos exatamente como somos tratados no Brasil. A ansiedade toda tinha sido apenas fruto da fantasia sobre o desconhecido.
Daí veio a ansiedade mais gostosa de todas, quando saímos de Valparaíso e rumamos para o Atacama. Eu ficava que nem um bobo dentro do meu capacete, antecipando como seria ver o deserto, andar com a minha moto naquelas estradas solitárias, passar por cidades fantasmas e conversar com as pessoas dali. Quando chegamos ao Atacama, tudo foi exatamente como eu tinha sonhado por mais de um ano. Tenho certeza que a sensação de realização vai ficar marcada em minha mente e carne pelo resto da minha vida.
Uns 35 dias depois de termos saído, voltamos ao Brasil. Não esperava ficar com tanta saudade, mas os últimos 200 km antes de chegarmos à divisa foram enlouquecedores. Digamos que andamos em uma velocidade um pouco mais alta que a desejável e que fizemos algumas ultrapassagens um pouquinho arriscadas. Mas o fato é que ninguém conseguiu dominar a sua ansiedade. Ao colocarmos os pés no Brasil, era como se estivéssemos em casa. Fomos muito bem recebidos na Argentina e no Chile, mas chegar em casa é outra coisa.
Descansamos por um par de dias em Foz do Iguaçu. Tínhamos o plano de voltarmos devagar, aproveitando um pouco o litoral do Atlântico. Mas aqui a ansiedade pegou forte de novo. A saudade de casa apertou. Andamos 3.600 km em 4 dias. Mas, além disso, a vontade de andar de moto também tinha voltado. Isso porque, embora tivéssemos ficado muito tempo andando de moto o tempo todo, nossa atenção ficava voltada para as coisas novas, como o deserto, o Pacífico ou os Andes. Mas agora, de volta ao Brasil, nossa casa, só havia a estrada mesmo. Foi uma curtição poder nos concentrar nas curvas, nos estirões e nas serras.
Nem sei se usei a palavra correta – ansiedade – para descrever o que senti naqueles momentos. Acho que a única vez que foi ruim foi quando não sabia se teria um grupo para viajar, o que teria feito mudar de planos, andando só pelo Brasil. Nas outras situações, foram sensações muito gostosas, como esperar para abrir um presente de Natal, abraçar os seus filhos depois de um dia todo longe deles ou sentir a sua mulher ao lado na cama logo que volta do mundo dos sonhos.
Afinal, é disso que a vida toda deveria ser feita: motivação para viver o novo, mas sempre tendo alguém para quem voltar.
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Apresentação. A Viagem ao Atacama foi realizada em torno de janeiro de 2010. Durante 38 dias, quatro amigos – Fábio, Renata, Wagner e Geraldinho – percorreram cerca de 15.000 km em suas motos. Com saída e chegada em Pernambuco, passaram por grande parte do Brasil e conheceram a Argentina e o Chile. A história toda começa em meados de 2008 – lá no início da preparação -, mas não tem tempo para acabar, pois os reflexos continuam aparecendo a cada dia que passa. Planejamento, amizade, trabalho em time, resolução de conflitos, natureza, estrada, crescimento pessoal, aprendizado e amor pelas motocicletas. A viagem é contada em três grandes séries: Planejamento (textos escritos antes da partida), Diário da Viagem (relatos publicados durante a viagem) e Crônicas do Atacama (pós-escritos, da qual faz parte este texto). Nunca é demais dizer que esta seção não tem fim programado. Se gostar, volte de vez em quando para ver as novidades.