Dia de Chuva na Moto


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Política em Duas Rodas

DIA DE CHUVA NA MOTO
Fábio Magnani
[publicado originalmente em maio de 2011]

Esse abril está chovendo bem mais que o normal aqui em Recife. Na última terça-feira, depois de tantos dias de chuva, finalmente me entreguei à preguiça. Resolvi pegar o carro ao invés de colocar a minha capa. Parecia um percurso fácil, uns cinco quilometros. Gastei mais de uma hora para chegar à conclusão que era melhor voltar para casa.

O lado bom de andar de carro, o único, é que você pelo menos pode pensar em outras coisas além da sua própria sobrevivência e do prazer de viver em movimento, que é o que se faz em cima de uma moto. Bem, lado bom só para os carangueiros, certamente não para os motoqueiros, pois é esse tipo de vaguear mental que provoca a maior parte dos acidentes entre os carros distraídos e as nossas intrépidas motos.

Mas o que importa nessa conversa é que eu estava parado no trânsito, com tempo para pensar – o que nem sempre é tão bom assim. A primeira sensação que me veio foi de inveja de quem estava andando de moto – livre e solto. Eu me senti como se fosse uma criança, presa em um apartamento, que fica olhando da janela as outras crianças brincando no parquinho. Ainda bem que minha mente logo se desviou para a chuva, que inundava todas as ruas da região.

Eu sou do tipo que adora atravessar as partes cobertas de água. O risco de cair da moto por causa de um buraco é menor do que a sensação de ver a água voando para todos os lados. Outra esquisitice minha é que acho legal o que as pessoas chamam de catástrofes: chuvas, enchentes, ressacas marinhas, raios, trovões e vendavais. Claro que tem os prejuízos materiais, mas essas forças da natureza trazem a renovação, a novidade e o inesperado. As destruições sempre criam a solidariedade.

Esse negócio de passar com a moto na parte mais empoçada é uma estratégia que eu uso para não ficar muito molhado. É que sempre uma das pistas está mais cheia que a outra. Os carros e as motos vão todos para a parte rasa, como que em uma procissão. Mas sempre vem uma caminhonete ou ônibus pela pista mais funda, jogando água para todo lado. Então, se você estivesse na pista lenta, teria ficado encharcado. A resposta é andar com a moto na pista inundada. Desse jeito nenhum ônibus pode passar do seu lado, tendo que obrigatoriamente te seguir. Vou continuar fazendo isso até levar um tombo – o que é pouco provável, já que minha moto é feita para isso. Azar das caminhonetes.

Isso funciona desde que não tenha muitos carros, porque todas as pistas ficam paradas e inevitavelmente eu molho o pé na enchente quando o carro da frente pára. Nesse caso é só procurar uma rua alternativa, dessas que amedrontam os carros porque estão cheias de buracos e lama. Daí parece sacanagem, das boas. Digo isso porque eu fico brincando de moto na lama ao invés de aceitar as dificuldades da vida como todos lá no trânsito parado. Meu lado católico fica completamente possesso, pois acha esse tipo de diversão, no caminho do trabalho, um pecado quase mortal.

Nem tudo é uma maravilha quando chove, pois tenho que colocar e tirar a capa o tempo todo. No fim do dia não tem problema, porque você nunca se molha de volta para casa. Mas na ida para algum lugar sério é preciso colocar a capa, pois, assim como as mulheres são obrigadas a usar burca na sociedade muçulmana, os motoqueiros são obrigados a usar roupas secas na sociedade ocidental.

Quando eu estou colocando a capa, sempre aparece algum usuário de carro para comentar como dá trabalho andar de moto. Eu nem perco tempo explicando que os dois minutos que eu gasto colocando e tirando a capa são desprezíveis quando comparados com o tempo que ele vai perder de carro, preso no trânsito. Eu me limito a repetir a minha já batida linha: “Andar de moto é como fazer amor: você tem que tirar a roupa para depois colocar de novo, fica todo suado, cansado e sujo. Mas vale a pena!”

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