Como é ser um Pesquisador?

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motocicletas de Mármore

COMO É SER UM PESQUISADOR?
Fábio Magnani
[publicado originalmente em março de 2016]

Fui convidado para dar uma palestra de 20 minutos com o título “Como é Ser um Pesquisador”. Faz parte de um evento que vai durar a semana toda, produzido pelos próprios estudantes do Diretório Acadêmico de Engenharia Mecânica da UFPE. Legal. Muito legal mesmo. A audiência da palestra vai ser formada pelos estudantes do segundo ano, que acabaram de escolher o curso de engenharia mecânica entre as várias outras engenharias que eles tinham à disposição aqui na nossa universidade. Este texto é uma versão (bastante) estendida do que estou preparando para amanhã, mas só vai ser publicado depois da palestra.

Bem, não é um tema fácil esse de explicar como é ser um pesquisador. Isso porque, em geral, nós nos transformamos em pesquisadores sem pensar muito no assunto, mais ou menos seguindo dois processos paralelos: copiamos os outros pesquisadores com quem convivemos e reagimos às oportunidades e aos obstáculos que pipocam pela vida. A verdade é que não refletimos muito sobre o assunto. Fazemos pesquisa e pronto.

Outra dificuldade em responder como é ser um pesquisador é que aqui no Brasil há poucos pesquisadores puros, que só fazem pesquisa. A maioria dos pesquisadores é formada por professores universitários. No meu caso, prefiro imensamente mais ser um professor universitário do que alguém que só faz pesquisa.

Então, já que não sei responder exatamente ao que foi perguntado, vou seguir uma trilha alternativa para ver se chego no destino certo. Primeiro vou falar sobre o que faz um professor universitário. Depois, vou mostrar como eu particularmente faço pesquisa. Ao desenvolver essas duas explanações, quem sabe descubro o que faz um pesquisador genérico. Se não der certo, talvez ganhe pelo menos metade dos pontos da questão. Não custa tentar.

As atividades dos professores universitários podem ser colocadas sobre cinco pilares: ensino, pesquisa, extensão, gestão e cidadania.

A atividade mais visível que realizamos é o ENSINO, que inclui estudar o tema, organizar o assunto, preparar o material, ministrar as aulas, orientar os estudos e os trabalhos, e corrigir as provas.

A PESQUISA é o que fazemos nas experiências de laboratório, ou quando resolvemos novas equações, quando recombinamos o conhecimento que já existe na literatura, ou ainda quando entrevistamos as pessoas na tentativa de descobrir o que pensam.

Ao contrário do ensino e da pesquisa, que são feitos dentro da universidade, a EXTENSÃO engloba as atividades que realizamos diretamente com a sociedade usando nossas habilidades profissionais. Por exemplo, um professor engenheiro mecânico pode projetar uma nova máquina para uma indústria local ou ministrar um curso de segurança para os mecânicos de uma concessionária.

A GESTÃO se manifesta de várias formas. Pode ser na ajuda da gestão da própria universidade; pode ser na administração do dinheiro público nos órgãos de pesquisa; ou ainda na administração do seu próprio grupo de pesquisa, desenvolvendo projetos para obtenção de recursos, acompanhando o desenvolvimento dos doutorandos, supervisionando obras de laboratórios ou comprando novos equipamentos.

Finalmente vem a CIDADANIA, que é o conjunto de atividades que fazemos fora da universidade e além da nossa competência profissional. São atividades que realizamos no papel de cidadãos, como palestras para a comunidade, comentários para a televisão, artigos em jornais, produção de blogs, opiniões nas redes sociais, e participação em organizações sociais – que podem ser tanto partidárias quanto não-governamentais. Um professor universitário nunca deixa de ser um professor universitário, mesmo fora da universidade.

Embora seja apenas um desses cinco pilares do trabalho dos professores universitários, a pesquisa tanto influencia quanto é influenciada pelos outros quatro pilares. Por exemplo, o que eu pesquiso sobre motos e bicicletas alimenta minhas aulas, meus projetos de extensão e meu comportamento como cidadão. Por outro lado, a pesquisa que eu faço é alimentada pelas discussões que tenho com os estudantes, e também pelas conversas que tenho com outros motoqueiros e bicicleteiros no dia a dia. Até nas atividades administrativas, quando escrevo um projeto para conseguir dinheiro ou então um relatório para explicar como usei os recursos, tenho que organizar o conhecimento do nosso grupo de pesquisa – o que não deixa de ser a criação de um novo conhecimento.

Dois livros interessantes sobre a carreira de professor universitário são ‘The Essential College Professor’ (‘O Essencial Sobre Professores do Nível Superior’, 2009) e ‘What They Didn’t Teach You in Graduate School’ (‘O Que Eles Não Te Ensinaram na Pós-Graduação’, 2008). Os títulos podem confundir um pouco, pois ‘College’ em inglês é algo como ‘Faculdade’, não ‘Colégio’; e ‘Graduate School’ é ‘Escola de Pós-Graduação’ (de graduados, mais propriamente), não ‘Escola de Graduação’. Foi desses livros que tirei a ideia dos cinco pilares, pois no Brasil temos o costume de dar importância para apenas três deles: ensino, pesquisa e extensão.

Como eu disse antes, não aprendemos a ser pesquisadores com manuais, receitas ou com regras escritas. As universidades nos ensinam as técnicas que serão usadas na pesquisa, mas certo que o domínio das técnicas é apenas uma das partes de ser um pesquisador. Eu aprendi observando meus orientadores e meus colegas. As linhas de pesquisa em que participei apareceram muito mais por casualidade do que por uma escolha direta pelo assunto. Por exemplo, em 1989, no meio da graduação, eu entrei em um laboratório que estudava compressores de geladeira. Mas escolhi essa oportunidade porque gostava do orientador que ensinava Mecânica dos Fluidos, não pelo tema de refrigeração no qual ele trabalhava. [LP: ENSAIOS EM COMPRESSORES DE GELADEIRA]

Ainda na graduação, em 1990, mudei para um outro laboratório, que estudava como gastar menos energia em edificações. Essa mudança de laboratório e também de tema foi porque eu queria ter a oportunidade de aprender com um outro orientador, que eu também admirava. De novo, nada a ver com o tema que ele pesquisava. [LP: MEIOS POROSOS EM EDIFICAÇÕES]

Já no doutorado, em 1993, esse laboratório passou a receber dinheiro de uma grande empresa. Isso nos fez usar a teoria dos meios porosos, que já dominávamos no estudo da eficiência energética de edificações, para agora ajudar a extrair mais petróleo. Mesma teoria, um tema completamente diferente. Outra linha de pesquisa! [LP: MEIOS POROSOS EM RESERVATÓRIOS DE PETRÓLEO]

Defendi o meu doutorado em 1996, com uma tese nessa área de extração de petróleo.

Em 1998 me tornei professor na UFPE. Por razões que não convém falar agora, deixei a extração de petróleo de lado e passei a pesquisar os sistemas térmicos, que são conjuntos de equipamentos que transformam calor em trabalho ou vice-versa (e.g., motores de combustão interna, sistemas de refrigeração e termoelétricas). Embora eu tenha escolhido essa nova linha por afinidade, me senti bastante incentivado por causa de um projeto de uma empresa que investiu bastante dinheiro no nosso laboratório. [LP: OTIMIZAÇÃO DE SISTEMAS TÉRMICOS]

Depois disso, em 2003, a UFPE comprou um termovisor, que é um tipo de câmera que permite “enxergar” a temperatura dos objetos. Alguém tinha que usá-la… e olhe que daí nasceu uma outra linha de pesquisa. [LP: TERMOVISÃO]

Finalmente, em 2010 comecei a estudar as motos e em 2012 as bicicletas. Pela primeira vez eu escolhi sozinho um tema de pesquisa, por achar que formava um problema que era tanto interessante quanto importante. Até hoje invisto bastante energia nesses estudos em duas rodas, mas é meio que coisa de teimoso apaixonado, já que não há incentivos financeiros diretos para a montagem de laboratórios e para o pagamento de bolsas, e também não há muitos outros pesquisadores com quem trocar figurinhas. [LP: ESTUDOS EM DUAS RODAS]

Para ver então que a escolha do tema de pesquisa depende de vários fatores, como por exemplo você admirar as pessoas envolvidas naquela área, de existir financiamento para a compra dos equipamentos necessários para a pesquisa, e, claro, depende também do interesse pessoal que você tem pelo assunto.

De todas essas linhas em que já atuei, hoje em dia mantenho três delas: Termovisão (que começou porque a UFPE comprou um equipamento), Otimização de Sistemas Térmicos (escolhida um pouco por curiosidade, um pouco pelo investimento de uma grande empresa) e Estudos em Duas Rodas (nascida da paixão e mantida pela teimosia).

No restante da palestra, vou usar apenas essa última linha de pesquisa como exemplo, mas creio que as ideias desenvolvidas podem ser generalizadas para as outras.

Continuando na tentativa de responder ‘como é ser um pesquisador’, quero agora descrever um pouco o que eu faço na universidade. Para isso, gosto de falar sobre as várias escalas de análise, já que estudamos desde objetos relativamente pequenos, como os motores, até os efeitos que a tecnologia tem sobre toda uma cidade.

Na escala mais baixa, estudamos três tipos de ‘motores’: o de combustão interna, que é usado nos automóveis e nas motos; o corpo humano, que propulsiona as bicicletas; e o motor elétrico, que muitos pensam ser o futuro da mobilidade. Do ponto de vista energético, o que importa para a gente aqui é o comportamento global desses motores: quanto consomem de energia, qual a sua potência mecânica, quanto emitem e quanto custam.

Continuando nosso estudo na segunda escala, o comportamento do motor é então integrado ao veículo, que pode ser uma motocicleta, uma bicicleta ou um automóvel. Aqui estamos interessados em saber quanto da energia mecânica do motor (combustão interna, corpo humano ou elétrico) é usada para vencer o arrasto aerodinâmico, a resistência do pneu à deformação, a gravidade e a inércia. Pois afinal, como qualquer bicicleteiro sabe, cansamos bem mais (i.e., gastamos mais energia) quando o vento é contra, o pneu está murcho, quando é subida ou carregamos uma garupa.

Só nas propagandas de TV é que os veículos circulam sozinhos. No mundo real, há o tráfego. O comportamento de uma moto não depende apenas da vontade do motoqueiro ou da potência do motor, mas, principalmente, dos carros que estão em volta, das condições da pista e da legislação local. Você pode até ter uma super moto esportiva, mas não usará nem metade da potência dela para andar na cidade. Por isso, na terceira escala, modelamos o tráfego, tentando assim compreender como as condições do trânsito influenciam o comportamento dos veículos, e como os veículos influenciam o tráfego.

Até aqui falei do estudo do comportamento dos veículos motorizados (lembrando que para a gente o corpo humano também é um motor) em situação de tráfego. Só que o nosso objetivo não é apenas saber como esses veículos estão rodando pela cidade, mas sobretudo extrair informações importantes sobre as vias. Em determinada condição, quantas bicicletas passam por ali em uma hora? Quanto as pessoas estão pagando para se locomoverem com suas motos? Qual é o consumo de energia total naquele congestionamento? Quanto de CO2 os carros estão emitindo?

Além dessas métricas que já calculamos atualmente em nossa pesquisa (fluxo de veículos, custos, consumo de energia e emissão de CO2), estamos nos preparando para computar mais duas métricas: a emissão de poluentes danosos à saúde e a propensão que os veículos têm para se meterem em acidentes.

Na última escala que estudamos (e esse é o objetivo principal da linha de pesquisa), estamos interessados em usar os resultados que obtivemos para contribuir com as grandes questões das cidades. Como diminuir a poluição? Mais bicicletas? Como melhorar a mobilidade da cidade? Menos carros? As motos melhoram (agilidade) ou pioram (acidentes) a economia das cidades? Como diminuir os acidentes? Proibir as motos? Promover avanços tecnológicos?

Em outras palavras, queremos gerar conhecimentos que ajudem nas discussões de como melhorar a qualidade de vida das pessoas, com menos acidentes, menos poluição, mais mobilidade e mais eficiência. E que fique bastante claro que queremos apenas contribuir nessas questões, pois é impossível para um único grupo de pesquisa estudar um problema de todos os pontos de vista.

Essas decisões que impactam na sociedade não são feitas pelos acadêmicos, mas sim pela política. Não só a política dos partidos e do governo, mas também pela política do dia a dia, feita pelos cidadãos, pela mídia e pelas empresas. Nesse sentido, um dos nossos objetivos é contribuir, através dos nossos resultados e opiniões, nas políticas de desenvolvimento tecnológico (e.g., efeito da eletrônica nos veículos, uso de veículos mais leves), nas políticas urbanas (e.g., efeitos da diminuição da velocidade máxima permitida, faixas exclusivas) e na própria política da pesquisa acadêmica (e.g., discutir a necessidade de pautar a pesquisa também pelos problemas que precisam ser enfrentados, não apenas pelo desejo das empresas).

Na verdade, essa escala que chamei de ‘questões’ pode por sua vez ser dividida em várias outras escalas de análise, como ‘sistemas de transporte’, ‘sociourbanismo’, ‘economia’, ‘política’, ‘sociedade’, ‘tecnologia’ e ‘meio ambiente’. Mas, como a palestra é para engenheiros mecânicos, preferi falar mais dos aspectos técnicos.

Óbvio que eu não faço tudo isso sozinho. Sou apenas um dos membros de um grupo de pesquisa chamado LOST (Laboratório de Otimização de Sistemas Térmicos e de Estudos Sobre Bicicletas e Motocicletas), que atualmente é formado por um professor (eu), três doutorandos, seis mestrandos e cinco concluintes de graduação. Cada um de nós é um pouco mais especializado em uma das escalas específicas acima: motor, veículo, tráfego, métricas ou questões. Temos também a contribuição eventual de professores de outros grupos e de estudantes de outras áreas.

Há várias técnicas diferentes para se estudar um mesmo problema. Podemos agrupá-las em quatro grandes grupos: experimentação (e.g., testar um motor na bancada ou medir o consumo de combustível de uma moto enquanto trafega pela cidade), modelagem (e.g., equações matemáticas que preveem o comportamento de uma bicicleta), revisão bibliográfica (e.g., estudar o trabalho de outros pesquisadores, pegando o que interessa de cada um deles para organizar assim um novo conhecimento) e entrevistas (e.g., ouvir as pessoas para aprender sobre suas motivações para escolher determinado veículo e sobre o seu comportamento no tráfego). Todos os quatro grupos de técnicas são necessários para cobrir as várias facetas do objeto de estudo de uma pesquisa.

No caso dos nossos estudos em duas rodas, usamos muito a modelagem (principalmente a modelagem computacional) e a revisão bibliográfica (tenho uma grande biblioteca particular e a UFPE provê acesso aos mais importantes artigos científicos do mundo). Fazemos poucos experimentos (precisaríamos de mais dinheiro e de uma equipe maior) e nada de entrevistas (engenheiros não são treinados para essas técnicas, além de ser necessário mais dinheiro e mais gente).

Não vejo problema algum nessas nossas limitações, pois, como eu disse antes, nenhum grupo pode fazer tudo sozinho. Os avanços acadêmicos são alcançados com a contribuição de um grande número de pesquisadores, distribuídos ao redor do mundo. Cada um fazendo uma parte. Ah, mas que eu gostaria de ter laboratórios para testar as bicicletas e as motos, e uma equipe para fazer pesquisas qualitativas com os usuários das duas rodas, isso eu gostaria.

Muitas vezes, na universidade, as disciplinas que os professores ministram não tem muita relação com a pesquisa que eles desenvolvem. Por exemplo, eu já ministrei ‘Máquinas Hidráulicas’, que não tem quase nada a ver com as motos e nada com as bicicletas.

Hoje em dia eu tenho a sorte de ministrar disciplinas que têm tudo a ver com a minha pesquisa. ‘Engenharia da Motocicleta’ (graduação), em que estudamos principalmente a tecnologia e a física das motos; ‘Propulsão de Bicicletas e Motocicletas’ (pós-graduação), onde detalhamos e praticamos os modelos usados nas quatro primeiras escalas que falei aí em cima (motor, veículo, tráfego e métricas); e ‘Estudos Sobre Bicicletas e Motocicletas’ (pós-graduação) que cobre as grandes questões (quinta escala) que envolvem o uso dos veículos de duas rodas, sejam propelidos por corpos humanos, motores de combustão interna ou motores elétricos. Essas três disciplinas são totalmente relacionadas com nossas pesquisas.

Tenho sorte ainda porque as outras disciplinas que ministro servem como base teórica para a pesquisa em duas rodas. ‘Termodinâmica Aplicada’ (graduação) estuda as transformações de energia nos motores e ‘Projeto/Otimização de Sistemas Térmicos’ (graduação/pós-graduação) estuda tanto os modelos computacionais quanto as relações muitas vezes contraditórias entre as métricas. Por exemplo, quando uma empresa tenta otimizar apenas o lucro, escolhe sistemas poluentes e inseguros. Já quando alguém defende uma tecnologia super limpa, em geral propõe um sistema inviável economicamente. Essa aparente contradição ocorre no tráfego também, já que veículos mais eficientes e mais seguros são também mais caros. As motos são mais rápidas, mas são muito mais perigosas.

Parte dos resultados que encontramos em nossas pesquisas são depois publicados em artigos científicos, tanto em revistas acadêmicas quanto em anais de congressos. Essas publicações técnicas são muito importantes para que outros pesquisadores possam usar nossas técnicas e os nossos resultados. Mas há limitações nesses trabalhos. Os artigos acadêmicos não podem incluir opiniões e experiências pessoais (e.g., como motoqueiro, eu tenho conhecimento prático sobre a pilotagem urbana, mas não posso usá-la em um artigo) e não permitem especulações que vão além da sua área de conhecimento (e.g., como engenheiro mecânico não posso escrever sobre a política da defesa dos interesses dos motoqueiros).

Por isso, como qualquer outro cidadão, uso outros meios para me expressar. Se bem que não penso que um professor universitário seja exatamente como qualquer outro cidadão. Pois acredito que um acadêmico, um pensador, tem o DEVER de expressar a sua opinião – pelo menos nos assuntos próximos ao que estuda.

Então, para ir além do que permitem os canais acadêmicos, uso três páginas na internet. O website ‘Equilíbrio em Duas Rodas’ com textos mais longos e consolidados; a fanpage ‘Equilíbrio em Duas Rodas’ na qual expresso pequenas opiniões e divulgo notícias rápidas; e o website ‘CICLO – Rede de Estudos em Duas Rodas’, com informações sobre trabalhos acadêmicos, disciplinas e notícias envolvendo as duas rodas.

Por exemplo, este texto sobre a palestra está sendo publicado no meu website e promovido na minha fanpage. Caso contrário não seria publicado em lugar algum, já que não sou especializado em ‘Educação da Engenharia’, e, por isso, não tenho espaço nos congressos e nas revistas específicas dessa área do conhecimento. São apenas minhas opiniões e minhas experiências pessoais sobre ‘como é ser um pesquisador’, não uma pesquisa acadêmica. De qualquer forma, acho interessante que seja publicado em algum lugar – mesmo que para isso eu tenha que dedicar muito da minha vida pessoal para a criação desse espaço.

Agora que já falei sobre como é ser um professor universitário e como eu particularmente faço pesquisa, chegou a hora de comentar sobre como alguém pode se transformar em um pesquisador. Essa opinião é fortemente baseada na minha experiência pessoal e extremamente alicerçada nos meus valores. Por isso não deve ser levada mais a sério do que merece. Para mim, o desenvolvimento de um pesquisador se dá em duas frentes igualmente importantes: desenvolvimento de capital intelectual e desenvolvimento de capital institucional.

Para se transformar em um pesquisador, a pessoa precisa transformar a sua mente em uma ferramenta de análise e de síntese. Primeiro, precisa estudar muito o assunto ao qual deseja se dedicar. Esse estudo deve se dar tanto nas disciplinas que a universidade oferece quanto no estudo sozinho, lendo bastante e frequentando eventos extracurriculares. Segundo, o estudante precisa observar como se pratica pesquisa. Isso é feito no contato com orientadores, com colegas de grupo de pesquisa e com participantes de outros grupos que formam a rede acadêmica que se preocupa com aquele tema de pesquisa específico. Em terceiro lugar, além de estudar e observar, é preciso praticar a pesquisa. É preciso realizar a pesquisa. Isso porque é fazendo que se aprende. Mas, principalmente, porque só fazendo pesquisa é que se gera um novo conhecimento, conhecimento esse que será então disponibilizado para transformar o mundo.

Esse último ponto necessita de muito destaque, pois não adianta nada nada nada alguém ter uma mente treinada para a pesquisa se não desenvolver um novo conhecimento e se esse conhecimento não for disponibilizado para a sociedade. Se a disponibilização do conhecimento se dá gratuitamente, com a venda de um livro ou pelo licenciamento de uma patente, depende muito do tipo de pesquisa e do tipo de instituição. De qualquer forma, precisa ser disponibilizado.

Legal, mas para ter essas oportunidades de estudar e de conviver com bons professores, e para ter os recursos financeiros que permitirão o desenvolvimento da pesquisa, é preciso demonstrar que você é um bom pesquisador, que você merece essas oportunidades. Chamo isso de capital institucional.

Ninguém pode entrar na cabeça de um pesquisador para ver o que tem lá dentro para saber se ele merece as oportunidades, então é preciso basear-se no histórico dele. Onde estudou, qual o nível do seu diploma (graduação, mestrado ou doutorado), onde trabalha (universidade, instituto ou empresa) e o que já fez no passado (publicações, patentes e projetos). É seco e impessoal, mas é a vida.

É preciso sabedoria para encontrar o equilíbrio entre o capital intelectual e o institucional. Tem gente que estuda demais, mas fica tão isolada, é tão despreocupada com avaliações, que não tem quase oportunidades – nem para se desenvolver mais, nem para realizar as pesquisas para as quais treinou a sua mente. Por outro lado, tem gente que é tão preocupada com avaliações, com prêmios, com cargos, com a participação em associações, que tem pouco tempo para desenvolver a sua mente.

Conheço gente de todos os tipos. Gente inteligente que vive reclamando de não ter chance – talvez eles não tenham criado as chances! Gente bem posicionada que não consegue emitir sequer uma opinião original – talvez eles não tenham se desenvolvido intelectualmente!

E conheço também muita gente que é bem preparada intelectualmente e que também consegue criar um ambiente saudável para realizar a sua pesquisa. Considero essas pessoas como as mais éticas, pois sabem usar sabiamente os recursos financeiros e culturais que a sociedade dispõe para formar e para manter os pesquisadores.

Já falamos sobre como é ser um pesquisador e sobre como se tornar um pesquisador. A questão que resta então é porque alguém seria um pesquisador, porque alguém gostaria de se dedicar à pesquisa. Vejo três grandes grupos de razões para essa insanidade.

Primeiro, filosoficamente, pelo avanço do conhecimento em si. Pode ser pela criação de um conhecimento original, pela divulgação de algo conhecido mas para um público que ainda não o conhecia, ou pela sua aplicação em um local específico. Tem mais, pois, por mais maluco que possa parecer, para algumas pessoas, a sensação de satisfazer uma curiosidade é algo extremamente prazeroso. O próprio avanço do conhecimento, portanto, é uma razão para alguém se tornar um pesquisador.

Segundo, do ponto de vista ético, pela transformação que o conhecimento pode causar no mundo. Um pesquisador pode usar o conhecimento diretamente no desenvolvimento de novas tecnologias, processos ou ideias. Pode também disseminá-lo indiretamente, na futura atuação profissional dos estudantes que aprenderem com ele. Ainda, pode inspirar as pessoas a estudarem. Ou então levar um pouco de racionalidade para as discussões sobre as grandes questões da sociedade. Por este segundo aspecto, o interesse da pesquisa não está em avançar o conhecimento puramente, mas sim nos efeitos que o conhecimento têm sobre a vida das pessoas.

Terceiro, do lado pessoal, pelo próprio pesquisador. Ainda bem que hoje em dia a sociedade está disposta a pagar um salário para quem dedica a vida a tentar compreender e a propor mudanças para o mundo. Precisamos de dinheiro para sobreviver, como todos precisam. Mas, acima de tudo, creio mesmo, trabalhar como pesquisador cria certas condições para que uma pessoa possa levar uma vida íntegra.

O que chamo de integridade é algo muito maior que a integridade moral (honestidade). Para mim, ser íntegro significa se sentir completo, integrado, harmonioso e equilibrado. Vamos ver como o trabalho de um pesquisador pode favorecer isso.

Algumas pessoas sentem grande satisfação ao compreender algo novo ou então ao ver algo antigo mas de um ponto de vista que nunca tinham usado antes. Algumas pessoas gostam de ser alimentadas constantemente com novas questões. Essas novidades constantes na forma de pensar, e que podem causar desconforto em alguns, certamente alimentam a vida de quem tem perfil de pesquisador.

Só que você nunca sabe quando vai aprender algo novo ou quando essa nova visão vai aparecer. Por isso, a vida de um pesquisador é extremamente desafiadora, pois nunca se sabe quais obstáculos estarão logo à frente, e nem se a nossa capacidade será suficiente para vencê-los. Esse desafio constante, essa incerteza eterna, essa ameaça de fracasso e de estagnação, podem ser um inferno para algumas pessoas, mas são grandes motivações para quem se mete em pesquisa.

Outro lance interessante na pesquisa, pelo menos na universitária, é que o pesquisador tem bastante autonomia para escolher o seu tema de pesquisa e a abordagem para compreender os problemas. Não é qualquer trabalho que dá tanta autonomia para um trabalhador. Não mesmo!

Além da satisfação interna, também é legal que o conhecimento gerado pela pesquisa pode ajudar a transformar o mundo e a melhorar a vida das pessoas. Isso faz com que o pesquisador se sinta importante, faz com que ele saiba que o seu trabalho é relevante, que pode fazer a diferença.

Embora o salário de um pesquisador seja relativamente baixo, esse é um trabalho que gera respeito e admiração. Mesmo que você vá para a universidade com uma moto popular, mesmo assim será respeitado pelos seus estudantes e pelos seus colegas. Mesmo que você chegue em casa com roupas que comprou há vários anos, mesmo assim será admirado pela sua família e pelos seus amigos. Sua opinião será respeitada por políticos e empresários, sua busca intelectual será admirada por aqueles que você também admira. Ok, no mundo consumista em que vivemos isso pode até parecer uma ideologia barata para convencer alguém a se contentar com pouco. Só que, pelo menos para mim, esses são os pontos que realmente valem a pena na vida.

Claro que ter uma vida íntegra não depende apenas do seu trabalho. Depende também da sua saúde física e psíquica, da sua espiritualidade, da comunidade, do grupo afetivo, das condições políticas e econômicas, e da cultura em que você está imerso. Agora, se você tem a condição de satisfazer a sua curiosidade, de desenvolver as suas habilidades, de ter um salário para comprar comida e manter uma morada, de ter autonomia para escolher como trabalhar, de saber que o seu trabalho pode contribuir nas transformações do mundo, de ser respeitado pela sociedade, e de ser admirado pelos seus entes queridos, então você terá pelo menos a base para ter uma vida íntegra. O trabalho de pesquisador proporciona essa base.

Para terminar, juntando tudo isso que escrevi até agora com mais um monte de coisas que senti enquanto escrevia, acho que finalmente consegui achar a resposta para a pergunta original. Afinal, como é ser um pesquisador?

É divertido. Para quem gosta.

Bem, era isso que eu tinha para falar. Espero que os estudantes que vão ouvir a palestra se sintam inspirados a pensar no assunto, a conversar com outros professores, a ler a biografia de grandes pesquisadores, a montar grupos de estudo com seus colegas, a se candidatarem para uma bolsa de iniciação científica, e por aí vai, até o mestrado e o doutorado. Um abraço a todos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *