Bicicletas e Cachorros

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Bicicletas em Equilíbrio

BICICLETAS E CACHORROS
Fábio Magnani
[publicado originalmente em maio de 2016]

Hoje na minha pedalada matutina na estrada peguei uma chuva danada, com direito a chuveirada de ônibus e de caminhão. Em geral não gosto de pedalar na pista escorregadia, mas desta vez algo me acalmava. Demorei para perceber que era a ausência dos malditos cachorros. Pois é, se tem uma vantagem pedalar na chuva é que os cachorros ficam com preguiça de seguir a gente.

Gosto dos cachorros que gostam de mim: Diana, Pixote, Kika e Catatau. Não gosto nada dos que me olham atravessado. Principalmente esses cachorros que perambulam pelas estradas no final da madrugada, procurando confusão com os ciclistas. Sei que eles devem estar ali porque estão com fome, estão desamparados, ou talvez seja da sua própria natureza. Só que o que parece é que me perseguem só por diversão, só para ver a minha cara de assustado, torcendo para eu me estatelar no chão. Posso estar enganado sobre isso, mas é muita coincidência que a velocidade deles seja só um pouquinho menor que a minha, suficiente para me fazer fugir em disparada, mas insuficiente para terem que me morder de verdade.

Ultimamente fui perseguido dois dias seguidos por matilhas de quase uma dezena de cachorros. Na última delas, quando vi estava pedalando em uma subida a 45 km/h, o que é muito para um velhinho pesado como eu. O coração quase saiu pela boca.

Por falar em subida, claro que eles só correm atrás da gente na subida, né? Porque é a parte que nós estamos mais devagar. Safados esses bichos.

Outro dia estava em uma subida quando dois cachorros começaram a latir. Eu acelerei a pedalada, mas mesmo assim o som ficava cada vez mais próximo. Pedalei mais ainda. Nada de afastar os bichos. Só pensei: desta vez não vai ter jeito, vou levar uma mordida. As latidas cada vez mais perto, quase no meu ouvido. O final era inevitável. Não haveria escapatória. Ou eu cairia, ou seria mordido, ou teria um infarto. E eu nem tinha me despedido pela última vez dos meus filhos. Adeus mundo cruel.

Era só esperar o fim. Só que, dali a pouco, os dois cachorros, ao invés de me atacarem, simplesmente me ultrapassaram. Como assim? Isso mesmo. Os putos estavam em cima do reboque de um carro, latindo para mim só de sacanagem.

Agora, falando sério, por mais que eu reclame, se eu fosse cachorro faria exatamente a mesma coisa, mataria o meu tédio correndo atrás dos ciclistas bobalhões. Mas só em dia que não estivesse chovendo. Ninguém é de ferro.

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