As Guerras das Motos no Japão


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Fábricas de Motocicletas

AS GUERRAS DAS MOTOS NO JAPÃO
Fábio Magnani
[publicado originalmente em novembro de 2011]

O livro Japan’s Motorcycle Wars: An Industry History (Alexander, J.W; 2009) é muito bom para quem quer entender uma ou duas coisas sobre as fábricas japonesas de moto. Como elas começaram no início do século XX? Por que, de 200 fábricas nos anos 50, só sobraram quatro a partir dos anos 60? Que paralelo existe entre as fábricas japonesas do passado e as fábricas chinesas de hoje em dia? Que lições podemos aprender com as campanhas de prevenção de acidentes feitas no Japão?

A primeira parte do livro detalha o desenvolvimento das fábricas japonesas antes da Segunda Guerra Mundial. Na Era Edo (1603-1868), as estradas japonesas eram muito ruins e com postos de controle frequentes. Isso fazia parte da política dos Tokugawa, que queriam impedir o livre movimento de tropas rebeldes. Com a Restauração Meiji, em 1868, houve uma série de avanços na infraestrutura de transporte de massa (principalmente trens). Então, embora as estradas não fossem muito boas, pelo menos havia liberdade de trânsito. Daí começaram a aparecer os primeiros fabricantes, como a Shimazu e a Miyata. Mas a maior parte das motos nos 20 anos antes da Segunda Guerra era importada (Henderson, BSA, Rally, Triumph, Douglas, Harley-Davidson, Indian, Brough Superior, Sunbeam, NSU, BMW e Moto Guzzi). Em 1924 seria fundada a Meguro, uma importante indústria nessa história.

O crescimento do mercado e da indústria de motos no Japão é devido às melhorias nas estradas, aumento na renda dos japoneses, encomendas dos militares e às corridas. As competições aumentavam as vendas de motos e de jornais, inchavam os bolsos do governo pelos ingressos e apostas e, principalmente, separava as boas motos das ruins. Já pensou se hoje em dia tivéssemos corridas entre as várias fabricantes de 150cc aqui no Brasil? Poderíamos parar de confiar apenas em boatos sobre quais as melhores motos e ver, de verdade, quais são as mais duráveis, as mais econômicas e de melhor performance. Nessa época pré-guerra reinaram a Maruyama, Toyo, Meguro, Showa, Miyata e Rikuo. Em 1940, o Japão produzia 3000 motos e 8000 veículos de três rodas.

Com a Segunda Guerra Mundial, o governo forçou várias fábricas a mudarem de ramo, que passaram a produzir equipamentos militares, e proibiu as competições. A única atividade aceita pelos militares era a produção das motos militares Type-97, fortemente baseadas no projeto da Harley-Davidson.

A produção da guerra trouxe avanço tecnológico e de produção em muitas fábricas japonesas. Com o final da guerra, essas empresas tiveram que descobrir onde empregar o seu conhecimento. Várias delas olharam para o crescente mercado de pequenas motos. Duas grandes fábricas, a Fuji (Nakajima) e a Mitsubishi, investiram na produção de scooters. Em poucos anos a produção e o número de fabricantes explodiu. Em 1950 o Japão produziu 2.600 motos. Esse número passou para 260.000 em 1955 e para 1.500.000 em 1960.

O mais impressionante é que em 1953 o Japão tinha 200 fábricas de moto, mas esse número caiu para somente quatro em meados dos anos 60. Por que só Honda, Yamaha, Suzuki e Kawasaki prosperaram? Primeiro, porque usaram o conhecimento desenvolvido durante a produção da Segunda Guerra para desenvolver produtos de qualidade e com tecnologia avançada. Segundo, porque produziam o que os consumidores queriam (motos de pequena cilindrada nos anos 50-60 e depois motos esportivas a partir dos anos 70). Terceiro, porque suas linhas de produção eram avançadas, permitindo o trabalho sem grande qualificação. Quarto, criaram uma larga rede de distribuição e assistência técnica. Quinto, tiveram acesso a dinheiro quando precisaram. Sexto, souberam expandir sua produção na hora certa. Sétimo, produziam quase todas as peças em suas fábricas, sem contar com fornecedores instáveis. Oitavo, compreenderam a importância das competições nacionais e internacionais para provarem a qualidade dos seus produtos. Nono, tiveram a ousadia de entrar em outros países quando chegou a hora certa.

Mas há diferenças entre as fábricas. A Honda teve que crescer paulatinamente, mas com dois grandes homens: Honda Soichiro (que comandava a engenharia, produção e as competições) e Fujisawa Takeo (arquiteto das operações comerciais e expansões). A Yamaha, Suzuki e Kawasaki começaram por cima, pois já eram grandes empresas quando entraram no negócio de motos. Um detalhe interessante é que a Kawasaki, embora muito poderosa, só estava acostumada a fornecer para o o governo, por isso teve problemas com a comercialização dos seus produtos. Mas nada que não tenha se resolvido com a compra de uma empresa experiente no mercado, a Meguro.

A produção japonesa atingiu o seu pico em 1978, com 6 milhões de motos. Em 2006 esse número caiu para um quarto disso, devido principalmente ao acesso aos minicarros e aos computadores pessoais. Mas as quatro grandes não perderam seu poder, pois começaram a produzir nos outros países, como o Brasil, Índia e vários países asiáticos.

O livro termina com dois paralelos entre as experiências do Japão e o que vivemos no mundo de hoje. Primeiro, fala sobre a grande produção chinesa, que copia os produtos japoneses, vende motos sem grande qualidade e não oferece boa assistência técnica. Isso foi exatamente o que o Japão fez desde o início do século até o início dos anos 60. O autor defende que com a China vai acontecer o mesmo processo: expansão desenfreada de fábricas (um passo importante para acelerar o desenvolvimento tecnológico de um país) e posterior concentração em poucas fábricas de qualidade. Mas acrescenta que algumas medidas podem ser tomadas pelos outros países para tornar esse processo menos doloroso: fornecer informação ao consumidor para que esse possa fazer boas escolhas, criar exigências técnicas para restringir a circulação de produtos de baixa qualidade e aumentar o rigor alfandegário para diminuir as fraudes nos impostos.

Eu não sei o que o Brasil está fazendo sobre a questão alfandegária. Só sei que não temos quase informação nenhuma sobre a real qualidade dos produtos chineses. Tudo gira em torno de boatos, que na maioria das vezes são desacreditados por serem preconceituosos. Não temos corridas para comparar os produtos japoneses com os chineses, não temos institutos de pesquisa publicando análises técnicas dos produtos e não temos uma imprensa especializada independente. Isso é arriscado, pois, por um lado, podemos estar desprezando produtos de boa qualidade da China porque somos preconceituosos e acreditamos em boatos. Por exemplo, as fábricas japonesas sempre enfrentaram muito preconceito nos EUA, e as sua motos tinham melhor qualidade. Por outro lado, podemos estar permitindo a destruição das fábricas instaladas no Brasil e da nossa rede de assistência técnica. Qual a solução para isso? Informação.

Outro paralelo que o autor faz é com o número de acidentes de trânsito que o Japão viveu a partir dos anos 60 e o que acontece hoje em dia nos países em desenvolvimento. É interessante que o livro mostra várias campanhas governamentais contra acidentes desde as primeiras décadas do século. Na maior parte das vezes, as campanhas não funcionaram. Não adianta só colocar mais policiais na rua e fazer campanhas colocando a culpa nos motoqueiros. Os japoneses aprenderam que é preciso a participação de todos (sociedade, governo e fábricas), que é preciso descobrir as causas reais dos acidentes (investir em pesquisa) e, acima de tudo, muito tempo. Na tentativa que deu certo, que começou no final dos anos 60, eles precisaram de cinco anos para fazer uma legislação decente, outros cinco anos para implementar as campanhas e mais dez anos para alcançar os resultados. As grandes fábricas japonesas tiveram participação ativa nessas campanhas. Mas, segundo o autor, não estão conseguindo atuar tão bem nos outros países. Não porque elas não saibam ou não queiram fazer algo, mas porque não podem fazer nada sozinhas.

O Brasil aparece várias vezes no livro. Primeiro com a Miyata exportando as Asahi para cá em 1936. Depois, em 1954, com a Honda e a Meguro participando da primeira competição internacional de fábricas japonesas no pós-guerra. E, claro, com a vinda das chinesas para o Brasil nos anos 2000, depois que o governo chinês começou a proibir motos nas suas grandes cidades para diminuir o tráfego, barulho e poluição.

O livro tem muito mais do que isso. É cheio de detalhes interessantes, como a vida dos principais empreendedores, fraudes, lealdade e acordos quebrados. O mais legal, no entanto, é que mostra também a história das empresas que não deram certo. Segundo o autor, e eu concordo, é tão importante aprender com os acertos como com os erros.

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