A Economia Mundial das Motos


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Política em Duas Rodas

A ECONOMIA MUNDIAL DAS MOTOS
Fábio Magnani
[publicado originalmente em em julho de 2013]

O que um engenheiro motoqueiro gosta mesmo é de pilotar a sua moto. Mas quando as coisas vão mal no mundo das duas rodas (acidentes, poluição, desperdício, sujeira, exploração e ganância), o único caminho é fazer uma viagem para áreas um pouco mais áridas do que ele certamente gostaria. Uma viagem para conhecer a real causa dos problemas e depois voltar para casa carregando na bagagem pelo menos algumas propostas de melhoria.

Parece que aqui no EQUILÍBRIO EM DUAS RODAS estamos começando uma nova viagem. É que, na tentativa de compreender pelo menos um pouco do mundo das duas rodas, os interesses principais do jornal vão mudando de tempos em tempos. Por exemplo, até agora houve três grandes fases: os RELATOS DE VIAGENS (2007-2009), os ESTUDOS DA MOTOCICLETA (2010-2011) e recentemente os ESTUDOS DA BICICLETA (2012). Claro que essas fases não são herméticas, pois sempre escrevo e leio sobre tudo. Mas dá para perceber algumas preferências em certos momentos, principalmente pelas reclamações que recebo: “Sinto falta dos seus relatos de viagens”, “Não vai mais escrever sobre bicicletas?” ou “Você traiu o movimento motoqueirístico!”. Nada disso, é só uma questão do pouco tempo que posso dedicar à investigação de cada um desses temas.

Pensando sobre isso, percebo agora que uma nova fase vem surgindo em 2013. Meus interesses estão se concentrando cada vez mais nas ATUALIDADES (principalmente no que acontece em outros países parecidos com o Brasil e nos países que nos controlam), nas TECNOLOGIAS INTELIGENTES de prevenção de acidentes (e.g., IoT internet of things, e V2V, vehicle-to-vehicle communication) e na ECONOMIA MUNDIAL. E, como já escrevi recentemente sobre os dois primeiros temas, vamos direto ao último.

ECONOMIA

Bem… embora a economia possa parecer uma ciência sem vida, repleta de números frios, a verdade é exatamente o contrário, como espelha muito bem o cômico livro Freakonomics. No fundo, é a conjuntura econômica, e são as políticas econômicas, que influenciam diretamente a vida das pessoas. Várias questões são mais bem compreendidas com a ajuda da economia. A Zona Franca de Manaus é boa para o Brasil? O monopólio da Honda traz benefícios ao nosso país? Por que não temos motos mais seguras? Por que não temos uma indústria brasileira de motos, que fabrique as motos que desejamos, precisamos e merecemos? Quem deve ser responsabilizado financeiramente pelos milhares de acidentes que ocorrem com as motos? Por que não temos motos mais eficientes e limpas? O governo deve investir no desenvolvimento tecnológico local ou isso deve ser deixado para o mercado? O Brasil vai deixar de usar motos conforme for crescendo, assim como aconteceu nos países do primeiro mundo? Ou isso é uma impossibilidade já que não temos vias públicas que suportem mais carros? Por que as pessoas acreditam tanto na marca Honda, mesmo não existindo informações reais que atestem essa suposta superioridade em relação às outras marcas? As motos chinesas vão dominar o mercado brasileiro? As fábricas japonesas vão dominar a produção na China? Por que não temos motos elétricas?

Todos esses fenômenos – que dizem respeito à vida das pessoas, ao meio ambiente, ao trabalho e à mobilidade dos cidadãos -, são moldados pela conjuntura econômica. Dando um exemplo, basta a justiça responsabilizar financeiramente as fábricas pelas mortes dos seus consumidores que quase instantaneamente as motos sairão mais seguras das fábricas – tenho certeza. Basta o governo transformar a Zona Franca de Manaus em uma verdadeira Zona Franca, voltada só para exportações, que a indústria nacional florescerá automaticamente, podendo competir de igual para igual com os outros países que fabricam motos – competência técnica e mercado nós temos, só faltam condições de igualdade.

Mas, voltando ao que realmente interessa neste texto, que é aprender um pouco mais sobre o motoqueirismo, ao estudar as questões acima eu senti a necessidade de fazer um pequeno levantamento sobre os países mais importantes – pelo menos quando se fala de motos. Ainda é um levantamento bem tosco, incompleto e duvidoso, mas tem me servido como referência. Sempre que descubro uma nova informação, seja em uma notícia ou em um relatório, eu corrijo a página.

Há dois grandes grupos que nos interessam. Por um lado há os países do primeiro mundo: EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Espanha, com IDH variando da 3a até a 26a posição, onde estão as matrizes das fábricas mais tradicionais (e.g., Piaggio, Honda, Yamaha, Kawasaki, Suzuki, BMW, Triumph e Harley-Davidson). Precisamos olhar para esses países porque eles detêm os centros de pesquisa tecnológica responsáveis por equipamentos mais seguros (e.g., vehicle-to-vehicle communication) e eficientes (e.g., motos elétricas).

Por outro lado – o lado ruim -, esses países são os responsáveis pela produção da “cultura do motociclismo”, que é usada nos filmes, revistas e jornais para nos convencer de que as motos oferecidas nos nossos mercados são o supra-sumo da evolução tecnológica – o que certamente não são. O que devemos fazer, então, é separar o trigo do joio. Isto é, ao olhar o que vem do primeiro mundo, precisamos separar as tecnologias realmente mais eficientes, seguras e baratas, das “tecnologias” mostradas nas revistas, que só maquiam coisas velhas ou então exageram avanços irrelevantes.

No outro grupo estão os países que produzem e consomem motos de baixa cilindrada, como a China, Índia, Indonésia, Vietnã, Paquistão, Nigéria, Filipinas, Tailândia, Myanmar, Colômbia e Malásia, com IDH variando da 64a até a 153a posição. Quase todos esses países têm características parecidas com o Brasil (que está na 85a posição na lista do IDH), seja na grandeza da frota de motos, no número de acidentes, na desigualdade social, na submissão tecnológica (a China é exceção) ou ainda no preconceito contra os motoqueiros.

BIBLIOGRAFIA

Para começar a entender minimamente as notícias que apareciam nos jornais, precisei estudar alguns textos introdutórios. Estou ainda em uma fase muito inicial, uma fase de compreensão dos conceitos básicos. A bibliografia que estou usando até agora é a seguinte:

  • Basic Economics: A Common Sense Guide to the Economy. Thomas Sowell me fez ficar completamente apaixonado pelo capitalismo de mercado, onde a livre concorrência faz com que todas as empresas e pessoas alcancem o máximo da eficiência no uso de recursos escassos. O governo, nesse sistema, só intervém para proteger os consumidores de produtos perigosos, os direitos intelectuais, as leis e o meio ambiente, e também para regular formas perniciosas de mercado, como os cartéis, monopólios e oligopólios. Esse sistema só tem um defeito: Non Ecziste! A verdade é que todos os governos e empresas que defendem essa liberdade de mercado fazem isso só para os outros. Os Estados Unidos, por exemplo, mantêm um monte de subsídios para proteger os produtores internos. As fábricas de veículos no Brasil, outro exemplo, só são “competitivas” por causa de incentivos fiscais, subsídios e barreiras alfandegárias. Assim é fácil ser capitalista, né?
  • Cultural Studies: Theory and Practice. Entre muitos outros temas, esse livro apresenta a base teórica para entender como a produção cultural é usada para fortalecer o domínio das grandes corporações e também para tirar o poder político de grupos de cidadãos, como os motoqueiros, por exemplo. Trata fortemente de como a mídia, tanto de a de entretenimento quanto a “informativa”, é usada pelas grandes corporações.
  • No Logo é um livro clássico sobre o movimento anti-corporações, que mostra como as grandes empresas conseguem nos convencer de que têm ótimos produtos (na realidade são iguais aos produtos da concorrência) e quais os impactos que a produção transnacional traz aos países periféricos. Além de explicitar a estratégia de fazer marketing da “marca”, não dos produtos, o livro discute ainda as várias táticas comerciais usadas pelas corporações para garantir exclusividade no mercado e para destruir a concorrência. Ao ler esse livro, dá para entender o que há por trás dessas propagandas recentes do Itaú (#wechangetheworld, com aquelas bicicletinhas bonitinhas mas nenhuma referência aos juros cobrados), Petrobrás (#meinspira, com muito meio ambiente e sem poluição alguma), e Honda (#thepowerofdreams, sem referência aos acidentes e nenhuma informação sobre o consumo médio dos seus produtos ineficientes). Outro tema importante trata de todos os malefícios da terceirização e do trabalho temporário, que são dois tipos de contrato bastante comuns entre os motoboys. O que mais assusta nesse livro, no entanto, é quando explica como essas corporações invadem as universidades e outros espaços públicos, destruindo toda a liberdade e a diversidade de pensamento – infelizmente estamos vivendo isso aqui no Brasil. Uma parte positiva, para variar um pouco de toda essa malvadeza, é a apresentação de algumas táticas para lutar contra os advogados dessas mega-corporações, que atacam os críticos usando ora o argumento de difamação ora o do infringimento de copyright. Sim, é possível vencê-los. Embora seja muito difícil vencer batalhas jurídicas, pois para isso é preciso dinheiro, essas guerras são vencidas no campo político, intelectual e cultural. A jogada é mais ou menos a seguinte. Quando você divulga alguma verdade inconveniente sobre a empresa, eles tentam te amedrontar enviando uma carta de advogados cheirosinhos dizendo que vão entrar na justiça se você não apagar o que escreveu. Mas é balela, pois eles morrem de medo de ir à justiça, porque daí você poderá provar com ampla divulgação toda aquela verdade que havia divulgado antes, sem alarde, no seu website. Além disso, não será apenas uma batalha jurídica, mas também política, porque na justiça você terá o mesmo espaço que eles para argumentar. Sem contar a velha máxima:
  • “Tenha muito medo do homem que não tem nada a perder”

  • Honda Anual Report 2012. O relatório anual da Honda tem informações importantes. Esse é o de 2012, mas o 2013 já está quase saindo. Lá aprendi que a receita anual da Honda foi da ordem de US$ 100 bilhões em 2012. Dessa grana, US$ 17 bilhões vieram da venda motos (US$ 73 bi com carros, e US$ 10 bi com outros negócios). Das vendas de motos, US$ 1 bi foi no Japão (220 mil unidades), US$ 1.2 bi na América do Norte (200 mil unidades), US$ 1.2 bi na Europa (198 mil unidades), US$ 7.3 bi na Ásia (9910 mil unidades da Honda; demanda total de motos na região é de 43 milhões de motos por ano), e US$ 6.3 bi em “outras regiões” (2031 mil unidades). Essas “outras regiões” incluem o Brasil (principal mercado, com demanda de 1930 mil unidades), o restante da América do Sul, o Oriente Médio, a África e a Oceania. No Brasil, quem contribuiu mais com o crescimento foi a CG150 Fan e a NXR150 Bros. Fazendo umas contas básicas, chegamos à conclusão que uma moto média da Honda custa US$ 4.500 no Japão, US$ 6.000 nos EUA/Europa, US$ 3.100 no Brasil, e US$ 750 na Ásia. Provavelmente esses valores médios são mais altos para os países do primeiro mundo porque lá eles vendem motos de maior cilindrada. Agora, é meio difícil entender porque uma moto na Ásia custa 1/4 do Brasil. Estou quase chegando nessa explicação, pode deixar que conto tudo por aqui.
  • As Relações Entre China e América Latina Num Contexto de Crise. Material muito legal, que descreve a evolução da China e do Brasil nos últimos 40 anos, e explica porque a China está se transformando em uma grande potência tecnológica enquanto o Brasil recua cada vez mais para uma posição submissa de produção agrícola. Claro que a China tem problemas com condições de trabalho e com o meio ambiente, mas isso está sendo corrigido aos poucos. Parece que poderíamos aprender uma coisa ou duas com a China.
  • How Asia Works: Success and Failure in the World’s Most Dynamic Region. Outro livro aterrador, que demonstra porque alguns países deram certo na Ásia (Japão, China, Coréia e Taiwan) e outros foram só fogo de palha (Indonésia, Malásia, Vietnã, Filipinas e Tailândia). Em todos esses países, os governos financiaram o desenvolvimento de novas fábricas. A diferença é que, nos países que se deram bem, o governo só financiava fábricas que conseguissem exportar (tinham que fabricar bons produtos para vencer no mercado mundial), enquanto nos países que se deram mal o governo protegia as fábricas que fabricavam apenas para o mercado interno, onde não havia concorrência, o que causava acomodação, incompetência e corrupção. Agora, por que achei o livro assustador? Porque o Brasil seguiu o mesmo receituário dos países que deram errado.
  • Economia Industrial – Fundamentos Teóricos e Práticas no Brasil. Um livro mais micro-econômico, que explica as políticas internas das fábricas. Legal que fala um pouco de monopólios e cartéis, o que tem tudo a ver com a indústria motoqueirística brasileira.
  • Economia Internacional e Comércio Exterior. Esse já é um material sobre macro-economia, que discute como as políticas monetárias, fiscais e jurídicas podem influenciar o dia-a-dia das pessoas. Fiquei impressionado com o poder dos governos, que podem transferir fortunas imensas com um simples aumento de juros ou desvalorização cambial. Achei interessante a parte em que ele explica que as zonas francas foram planejadas para servir como ponto de exportação, o que favoreceria a região sem prejudicar o restante do país. Aqui no Brasil é o contrário, onde a Zona Franca de Manaus é usada para importações, o que só favorece as fábricas japonesas aqui instaladas. Sem contar os subsídios e isenções fiscais. Assim é fácil ser capitalista, né?
  • The Economic Rise of China and the Transformation of Vietnam’s Motorcycle Industry. Tese de doutorado na Inglaterra que estuda o impacto da entrada de fábricas de moto chinesas em um país historicamente dominado por fábricas japonesas. O estudo é feito no Vietnã, mas talvez possamos aprender algo sobre os problemas do Brasil ser controlado por empresas de outros países.
  • O Futuro da Indústria no Brasil: Desindustrialização em Debate. Um tema bastante importante, visto que o Brasil aposta cada vez mais na exportação de produtos primários, como alimentos e minérios. Será que vale a pena apostarmos nessa estratégia ou deveríamos ter mais incentivos para o fortalecimento das fábricas locais?
  • Shooting Star: The Rise and Fall of the British Motorcycle Industry. A Inglaterra já teve a maior indústria de motos do mundo, mas tudo ruiu em poucos anos. Esse livro explica o porquê.
  • Japan’s Motorcycle Wars – An Industry History. Na mesma época em que a indústria inglesa de motos implodia, a do Japão florescia. O que certamente não é coincidência. Mesmo no Japão, aconteceu uma revolução na indústria de motos durante aqueles anos. Em aproximadamente dez anos, o Japão passou de 200 fábricas para apenas quatro. Como será que a Honda, Yamaha, Suzuki e Kawasaki conseguiram isso?
  • Bottled Lightning: Superbatteries, Electric Cars and the New Lithium Economy. A popularização dos veículos elétricos precisa vencer quatro grandes desafios: desenvolvimento de veículos super eficientes, aprimoramento das baterias, geração e distribuição de energia elétrica. Esse livro trata das baterias, uma tecnologia que vem sendo desenvolvida nos países asiáticos.
  • Hybrid Factories in Latin America: Japanese Management Transferred. Para terminar, um livro sobre as práticas japonesas nas fábricas instaladas na América Latina. Os autores falam bastante da Honda aqui no Brasil. Por exemplo, comentam que a Honda japonesa não dá destaque algum ao que acontece por aqui, como fica bem claro ao colocarem o Brasil em “outras regiões” no relatório anual, além de fazer todo o desenvolvimento tecnológico em outros lugares. O que é estranho, já que as motos no Brasil representam cerca de 7% de toda a receita da Honda mundial. O livro conta como a Honda compra quase todas as peças das motos em São Paulo e depois só faz a montagem em Manaus – isso para se aproveitar da isenção fiscal. Coincide com as histórias que um amigo meu caminhoneiro tinha contado, e prova mais uma vez que essa Zona Franca de Manaus talvez não seja boa nem mesmo para aquela região.

Uma observação muito importante sobre essa bibliografia é que quase todos esses livros enfocam praticamente apenas os seguintes temas: fábricas, energia, petróleo e minérios. Mas a economia das motos não envolve apenas a sua fabricação. Há muitos outros ramos importantes, como: serviços de entrega, turismo, mobilidade urbana pessoal, mototáxis, mídia especializada, manutenção, lazer, softwares, design, produção cultural, moda, customização, acessórios, equipamentos de segurança, negócios, administração, comércio, finanças, seguros, financiamento e logística. Por isso, ao pensar na “indústria das motos” é preciso ir muito além das fábricas. Com o tempo chegamos lá…

RESULTADOS (preliminares e nada confiáveis)

Os países de nosso interesse, que foram divididos inicialmente em apenas dois grupos, podem ainda ser agrupados da seguinte forma:

  • Países desenvolvidos: EUA, Japão, Itália, Alemanha, Inglaterra, França e Espanha.
  • Países imensos: China e Índia.
  • Tigres Asiáticos: Coréia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong.
  • Novos Tigres Asiáticos: Indonésia, Malásia, Tailândia, Vietnã e Filipinas.
  • Países Pobres da Ásia: Turquia, Paquistão, Sri Lanka, Laos, Cambodja, Myanmar e Bangladesh.
  • Países da África: Nigéria e África do Sul.
  • Países da América Latina: Brasil, México, Colômbia e Argentina.
  • Outros países despertam nosso olhar por causa da grande população, mas não há muita informação sobre suas frotas de moto. São eles:

  • África: Etiópia, Egito, Congo, Tanzânia, Quênia, Sudão, Marrocos, Argélia, Uganda, Gana, Moçambique e Angola.
  • Ásia: Irã, Iraque, Afeganistão, Nepal, Uzbequistão, Arábia Saudita, Iêmen e Síria.
  • Américas: Canadá, Peru, Venezuela, Chile e Equador.
  • Europa: Ucrânia, Polônia, Romênia e Cazaquistão.
  • Estou ainda no começo desse levantamento econômico dos países. Como vou pescando os dados em vários lugares, eles nem sempre são confiáveis, além de às vezes serem até inconsistentes uns com outros. Por exemplo, a responsável no Brasil pelo pagamento de seguros diz que em 2009 houve 13 mil motoqueiros mortos. Segundo a Organização Mundial de Saúde, com dados do Ministério da Saúde, foram cerca de 10 mil. De qualquer forma, dá para ter uma ideia da ordem de grandeza do problema. Vamos agora a uma análise preliminar.

    Renda per capita. Quanto ao poder econômico dos cidadãos, os países motoqueiros mais importantes são Singapura, Estados Unidos, Holanda, Alemanha, França e Japão.

    Densidade de motos. Já em relação ao número de motos por habitante, a lista fica assim: Malásia, Colômbia, Vietnã, Taiwan, Tailândia e Indonésia. Não há países repetidos nas duas listas (renda per capita e densidade de aquisitivo mais baixo), o que demonstra uma correlação entre a densidade de motos e a pobreza da população.

    Frota de motos. As maiores frotas são da China, Índia, Indonésia, Brasil, Tailândia, Japão, Itália, Malásia, Estados Unidos, Taiwan, Alemanha, Nigéria, Paquistão, Colômbia, Filipinas e Espanha. Aqui dá para ver dois grupos bem distintos de países: pobres (e.g., China, Índia e Brasil) e ricos (e.g., Japão, Itália e Alemanha). O que deixa bem claro que as motos são utilizadas tanto em países que precisam de um meio barato de transporte quanto em países com forte cultura de produção de veículos de duas rodas. Se bem que todos esses países ricos começaram com a indústria de motos porque precisavam de transporte, principalmente após as guerras mundiais. A diferença é que nós, países pobres em crescimento, ao invés de criarmos nossas próprias indústrias, simplesmente compramos as motos dos países que já foram pobres um dia.

    Produção e Vendas. Os países que mais produzem motos são: China, Índia, Indonésia, Brasil, Tailândia e Taiwan. Em relação ao mercado, as primeiras posições são: China, Índia, Indonésia, Vietnã, Brasil, Tailândia, EUA e Paquistão. Os países que têm maior diferença entre produção e vendas são, como exportadores, China, Índia, Taiwan, Japão e Tailândia; e, como importadores, Vietnã, Paquistão, EUA, França, Turquia e Coréia do Sul. Mas é preciso ter muito cuidado com esses dados, pois variam muito de ano para ano. Interessante que alguns países com alta produção, como Brasil e Indonésia, têm praticamente o mesmo número de veículos produzidos e vendidos.

    Maiores percentuais de motos na frota. Os países que têm mais motos em relação a carros são: Vietnã, Indonésia, Myanmar, Cambodja, Índia, Sri Lanka, Bangladesh, Tailândia, Paquistão, Colômbia, Malásia, China, Nigéria e Brasil. Aqui sim dá para perceber claramente uma relação entre a proporção de motos na frota e a riqueza do país, seja econômica ou social. Em outras palavras, quanto mais pobre o país, maior a tendência de ter mais motos na frota.

    Idade da frota. Para estimar a idade da frota, dá para se ter uma ideia dividindo a frota de motos pelo número de veículos vendidos. Alguns países despontam nesse critério. Por exemplo, a Alemanha vende cerca de 200.000 motos por ano, mas tem frota de 6 milhões. Itália e Japão também se destacam, mostrando que as motos vendidas nesses países duram bastante. Mas é bom tomar muito cuidado, pois as vendas variam muito ano a ano.

    Preço da gasolina. Será que a gasolina mais cara leva as pessoas a andarem mais ou menos de moto? Também é difícil encontrar uma relação. A Turquia tem gasolina muito cara e poucas motos. Já na Itália, a gasolina também é cara, mas há muitas motos. No outro lado da lista, México e Malásia têm gasolina barata, mas, enquanto o México tem relativamente poucas motos, a Malásia tem muitas.

    Países com mais acidentes em geral. Os países com mais acidentes por habitante são África do Sul, Malásia, Brasil, Rússia, Tailândia, México, Vietnã, Cambodja, Colômbia e Índia. Aqui claramente há uma ausência de países do primeiro mundo, o que implica que países pobres são mais perigosos no trânsito.

    Países com mais acidentes de moto por habitante. Nesse quesito, o Brasil também é um dos países mais perigosos do mundo, com uma média de 5 motoqueiros mortos a cada 100.000 habitantes. Fica no quarto lugar, atrás apenas da Malásia, Tailândia e Cambodja. No entanto, é bom tomar cuidado com esse número, pois é claro que um país com frota grande terá mais acidentes do que um país com frota pequena.

    Fator de risco ao andar de moto. Outra forma de mensurar o risco de andar de moto é dividir o número de motoqueiros mortos (em pessoas) pela frota de motos do país (por 100.00 motos). Por exemplo, o Brasil tem 9700 motoqueiros mortos por ano e uma frota de 200 vezes 100.000 (20 milhões) veículos motorizados de duas rodas. Portanto, o coeficiente de risco no Brasil é de 49 (=9700/200). Quer dizer, a cada 100.000 motos da frota, 49 estarão envolvidas em acidentes fatais no próximo ano. Vamos ver quais são os países mais perigosos proporcionalmente: Cambodja (94), Rússia (74), México (62), Coréia do Sul (61), Colômbia (61), EUA (56) e Índia (52). Os mais seguros, por esse critério, seriam Japão (9), Indonésia (11), Itália (11), Alemanha (13), Turquia (15), Holanda (18), Espanha (21) e China (25). Interessante que não dá para encontrar uma relação entre risco no trânsito e IDH. O Brasil, por exemplo, apesar de subdesenvolvido, não é um dos países mais perigosos para os motoqueiros quando se leva em conta o tamanho de sua frota. Mas isso não deve ser usado para não fazer nada. É preciso sim medidas mais eficazes para diminuir os acidentes, como campanhas educativas para carangueiros e desenvolvimento de tecnologias inteligentes. 10.000 mortos por ano é considerado uma guerra civil em qualquer lugar do mundo.

    Países com mais acidentes de moto. Já em relação à proporção de acidentes com motos (comparados aos acidentes mortais envolvendo carros, bicicletas, a pé ou em outros veículos), os países mais perigosos são Tailândia, Cambodja, Malásia, Singapura, Colômbia, Paquistão, Indonésia, China e Índia. Onde também não há países ricos (com exceção de Singapura, que não é bem um país). No entanto, é interessante notar que, embora o Brasil seja um dos países mais perigosos no trânsito em geral, não é tão perigoso em relação às motos. MAIS UMA VEZ, essa conclusão depende de qual índice é usado para representar esse risco, pois do ponto de vista de mortos em motocicletas por número de habitantes, o Brasil é extremamente perigoso. A diferença entre um índice e outro não deve ser usada para aumentar ou diminuir as ações para prevenir os acidentes (10.000 mortos é muito!), mas sim para tentar decidir quais são as melhores ações. Por exemplo, ao verificarmos que, levando em conta o tamanho da frota, o Brasil não tem tantos acidentes, podemos concluir de forma preliminar que o nosso problema não é necessariamente de educação dos motoqueiros, mas principalmente de tecnologia e infraestrutura.

    CONCLUSÃO

    Esses estudos e dados são apenas preliminares. Não coloco a minha mão no fogo por eles. Por exemplo, nem sempre é fácil saber se os ciclomotores/triciclos/bicicletas elétricas estão incluídos no número de motos ou não. Além disso, as estatísticas são feitas por órgãos diferentes, em anos diferentes. Espero, com o tempo, conseguir desenvolver uma tabela mais confiável. Também espero encontrar correlações entre os dados, como os fatores socioeconômicos (se é que há) que mais influenciam os acidentes. Por exemplo, será que a educação diminui os acidentes? Se fosse assim, deveria haver uma relação direta entre o IDH e o risco de acidentes de moto, mas não consegui encontrar nada muito claro.

    Outro ponto importantíssimo é o índice utilizado. Por exemplo, no quesito motoqueiros mortos por habitantes, o Brasil é super perigoso. Já no quesito motoqueiros mortos por motos circulando, o Brasil não é tão perigoso assim. O importante é que esses diferentes índices devem ser usados para direcionar as melhores ações, não para diminuir as ações ou para “vencer a discussão”. Digo isso porque não há discussão de que 10.000 mortos por ano seja um absurdo – claro que é. A questão é quem deve fazer os investimentos na prevenção dos acidentes (e.g., usuários, empregadores, fábricas ou governo) e onde devem ser alocados esses recursos (e.g., educação de motoqueiros, educação de carangueiros, desenvolvimento tecnológico, criação de uma indústria local ou produção cultural). No final das contas, não adianta simplesmente “fazer algo”. Temos é que fazer “algo certo”, pois, ao escolhermos o caminho menos eficaz, estamos deixando de salvar vidas. Como exemplo que eu sempre uso, ao apostarmos, como temos feito, todas as fichas na culpa exclusiva dos motoqueiros, deixamos de realizar o desenvolvimento tecnológico das motos, a melhoria das vias e a educação dos carangueiros.

    Há mais três questões importantes, que também são respondidas parcialmente pela economia: o consumo total de combustível devido à frota de motos (direto e indireto, pois as motos podem tanto atrapalhar ou agilizar o trânsito, dependendo da inteligência de quem regula as vias), a poluição gerada pelas motos (também direta e indireta) e quais devem ser os incentivos econômicos para produzirmos veículos mais ágeis, seguros, econômicos, baratos, limpos, que criem empregos, melhorem a qualidade de vida do nosso povo, disseminem a tecnologia em nosso país, que sejam maneiros e divertidos. São questões em aberto, mas pelo menos tenho certeza que a confiança que temos depositado na expertise das fábricas japonesas não está trazendo benefício algum ao nosso país. O caminho a ser seguido é outro.

    Aos poucos essas questões voltarão ao EQUILÍBRIO EM DUAS RODAS. Enquanto isso, fiquem com o nosso levantamento preliminar e nada confiável.

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