© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Um Motoqueiro Existencialista
Fábio Magnani
[publicado originalmente junho de 2016]
Outro dia escrevi sobre livros que tenho lido que falam da vida dos professores universitários. Eles formam uma pequena biblioteca de uns trinta livros que fica dentro da minha biblioteca maior. Ao buscar na internet outros títulos, os livros me levaram aos filmes, os professores aos escritores, e, quando vi, estava olhando para uma lista de filmes que gosto muito: Uma Simples Formalidade, Garotos Incríveis, Encontrando Forrester, O Escritor Fantasma e Meia-Noite em Paris. Sem contar alguns filmes que eu nem sabia que existiam, como A Fome, baseado em um dos meus livros preferidos, escrito por Knut Hamsun.
Nessa lista de filmes sobre escritores aparecia um poster em miniatura para cada filme comentado. Claro que o que mais me chamou a atenção foi um que tinha uma mulher bonita na capa, e claro que ela estava pilotando uma moto – uma mobylette para ser mais exato. Era um tal de Lucía y el Sexo (Lúcia e o Sexo, 2001), que eu nunca tinha ouvido falar.
Acabei de assistir agora. O filme usa o sexo para representar o início do romance, mas depois passa para outros temas, como a confiança, o amparo, ou então a falta destes.
Lucía é uma mulher bonita que se apaixona por um escritor em crise, o sexo é ardente, o mar é presente, há cenas de restaurante e de estrada, a trilha sonora é linda, tem pelo menos uma tentativa de suicídio, o filme é europeu, Lucía tem cabelo curto e vai atrás do homem que deseja.
Impossível não lembrar de um outro filme que tem todos esses assuntos, Betty Blue (1986). Assisti assim que mudei para Florianópolis, e de certa forma condensa boa parte das minhas recordações que tenho de lá, principalmente dos anos em que estava na graduação. Gostava mais e me lembro mais do inverno, principalmente quando era dia de vento sul, pois o frio deixava as praias desertas – bem melhor assim! Minhas praias preferidas eram Naufragados, Pântano do Sul, Barra da Lagoa e Solidão.
Assisti Betty Blue no Centro Integrado de Cultura, de onde eu ia caminhando da minha casa sempre que podia. A trilha sonora do filme se tornou minha companheira para sempre. Em vinil no começo, depois em CD, e agora no celular. Sempre presente.
São dois filmes com muitas semelhanças, mas com algumas diferenças importantes. Lucía y el Sexo tem mais personagens e conta uma história mais longa. Betty Blue é mais estético, é aqui e agora. Ainda, Lucía é um raio de sol. Betty, ao contrário, é blue.
Lucía y el Sexo me lembrou também de um outro filme que gosto muito, Voyager (1991), que é baseado no livro Homo Faber (Max Frisch, 1957). Os dois falam de filhas, de desencontros e, principalmente, de como não podemos fugir do nosso destino, que não há coincidências e que, lá no fundo, livre arbítrio é apenas uma ilusão.
Voyager é com a Julie Delpie, que também fez os meus preferidos Before Sunrise (Antes do Amanhecer, 1995), Before Sunset (Antes do Anoitecer, 2004) e Before Midnight (Antes da Meia-Noite, 2013). Filmes que agora me fizeram lembrar de Ethan Hawke: Dead Poets Society (Sociedade dos Poetas Mortos, 1989), Gattaca (1997) e Boyhood (2014). O próximo filme dele, que já está na minha lista para assistir, é Born to be Blue (2015), sobre a vida do Chet Baker, que foi um dos maiores artistas do jazz de todos os tempos, com sua música calma que escondia sua vida violenta.
Outra diferença entre Lucía y el Sexo e Betty Blue é a imagem. O primeiro é mais movimentado, vivo; já o segundo é contemplativo, com a câmera andando bem lentamente pelo cenário. Um livro super legal sobre essas diferenças é How to Read a Film (Como Ler um Filme, 2009), que fala de tudo em relação aos filmes: teoria, estética, política, economia, linguagem, filosofia, técnica, indústria e por aí vai.
Quando alguém faz uma busca com os dois filmes, da Lucía e da Betty, encontra que o que têm em comum é o erotismo, as cenas de sexo explícito. Não concordo. Os filmes apenas retratam a paixão inicial, que sempre, sempre, é bastante sexualizada. Quando o amor é de verdade continua sempre assim, pois o bom sexo é a base da paixão e do amor.
Na verdade os dois filmes são tragédias. Tragédias no sentido nietzschiano, dionisíaco, que mostra como nada mais somos que frágeis barcos flutuando em um mar revolto. Lucía y el Sexo é uma tragédia sobre forças externas, Betty Blue internas. A mensagem final, no entanto, não é de desconsolo. São tragédias que mostram que a arte, no caso o cinema e a literatura, nos permite tanto ter consciência da nossa insignificância quanto contemplar a grandiosidade do universo.
Lucía y el Sexo é muito bom, mas não bom o suficiente para entrar na minha lista dos dez filmes preferidos, onde Betty Blue é rainha. Por outro lado, Lucía anda de moto, Bettty não. E agora?