Ruas de Fogo

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Um Motoqueiro Existencialista

RUAS DE FOGO
Fábio Magnani
[publicado originalmente dezembro de 2011]

Cada um amadurece na década que merece. A minha foi a de 80. O mundo mudava, se preparando para formar uma grande rede onde todos estariam conectados e seriam interdependentes. Enquanto alguns filmes falavam sobre o futuro, outros representavam uma reação a esses novos tempos, mostrando o herói como um lobo solitário que vagava pelo mundo derrotado pelas massas de cordeiros. Sempre com a cabeça erguida, para esses heróis a paixão estava acima do dinheiro, e a honra acima de tudo.

Um filme que mostra bem essa individualidade extremada é Streets of Fire (Ruas de Fogo, 1984). A história é simples: Ellen Aim, uma cantora pop famosa, é raptada por Raven Shaddock, o líder de uma gangue de motoqueiros. Então entra Tom Cody, seu antigo namorado, para salvá-la. Clássico da Sessão da Tarde.

O filme se passa em um mundo que você nunca viu antes, “onde o rock’n’roll é rei, a única lei é uma arma carregada e onde o belo, o bruto e o bravo vivem em ruas de fogo”. É praticamente um musical, com trilha sonora pop rock. Não é à toa que o subtítulo do filme é “Uma Fábula em Rock’n’Roll”.

O mocinho é um aventureiro hardboiled super tosco, individualista, autêntico, íntegro e original. A mocinha é durona, uma mulher linda e independente. É representada pela atriz Diane Lane, que na época estava bombando com os filmes The Outsiders (1983) e Rumble Fish (1983). Típico casal em que um nasceu para o outro, mas que estão condenados a viver separados. O que me lembra o filme Ladyhawke (O Feitiço de Áquila), também da década de 80, mas isso é outra história.

Embora Streets of Fire seja de aventura, tem um tema bem sério, que é a dificuldade que algumas pessoas tiveram com o fortalecimento da sociedade em rede. Tom Cody não conseguia suportar a vida tendo que fazer política pessoal o tempo todo. Por isso preferia viver na solitude e na solidão. Ele até venceu os bandidos, mas a mocinha no final ficou com o vendilhão. Esses individualistas, como o mocinho Tom Cody, se perderam completamente a partir da década de 90.

Cada um amadurece na década que merece. A minha foi a de 80. Os filmes daquela época nos ensinaram a sermos durões e a lutarmos com unhas e dentes pela nossa individualidade. Isso foi muito bom para nos tornarmos consumidores (um cara independente tem que ter o seu estilo próprio), apolíticos (um herói tem que lutar até o fim pela sua autenticidade, não se curvando a absolutamente nenhum grupo), autoexilados (melhor só do que mal acompanhado), céticos (não esperamos nada de ninguém) e ridiculamente inofensivos (porque no final das contas você pode até ser mais forte que um punhado de medíocres em conluio, mas sempre será mais fraco que uma multidão em rede). Geração coca-cola.

Os individualistas sempre se dão mal. O problema é que individualidade não é uma questão de escolha. Tudo bem, pois, como dizia Renato Russo: nada mais vai me ferir, é que eu já me acostumei com a estrada errada que eu segui e com a minha própria lei. Além disso, ser individualista é melhor do que qualquer outra alternativa. É melhor reinar no inferno do que servir no paraíso.

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