Livro: Um Motoqueiro Existencialista
Fábio Magnani
[publicado originalmente agosto de 2011]
Ultimamente, na minha procura por coisas de moto, tenho sido atraído por histórias de guerra, filmes de cinema, música calma e a Itália em geral. Acho que tudo começou com um texto que escrevi sobre uma viagem de Vespa pela Itália, que talvez tenha me influenciado a escolher um livro sobre Vespas para ser o meu ducentésimo livro de moto. Na pesquisa para o texto sobre esse livro especial, fui atrás de algumas músicas italianas. Acabei dando de cara com Tu Vuò Fà L’Americano em três versões. Uma dessas versões, por acaso em inglês, era cantada pela italiana Sophia Loren. Nunca tinha dado muita atenção para ela, mas agora não podia mais escapar do meu destino.
As mulheres de verdade, do mundo real, é que são as mulheres mais bonitas do mundo. Fato. Ponto. Isso posto, não deixo de admirar algumas atrizes de cinema. Até alguns dias atrás, as duas mulheres mais bonitas do mundo do cinema eram a Catherine Zeta-Jones e a Liv Tyler. Empatadas. Mas, depois que olhei com mais atenção para a Sophia Loren nesse tal vídeo, vi qual tinha sido meu erro: não se deve comparar meninas com mulheres. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Por coincidência, nessa mesma época acabei entrando em contato com o filme e o livro Bandolim de Corelli, sobre um músico italiano que é forçado a lutar na segunda guerra mundial. Uma história sobre amor, guerra e música. Claro que tinha moto também.
Sem nenhuma relação aparente entre tudo isso, acabei ficando com essas coisas na cabeça: Itália, guerra, música, motos e a Sophia Loren. Pena que não podia ter tudo ao mesmo tempo, já que, muito embora insistam em me dizer que existe, não consigo encontrar a foto da Sophia Loren andando de Vespa de jeito nenhum. Paciência, fiquei com o que podia. Fui para a locadora, onde passei um tempão até que encontrei um filme dela – Os Girassóis da Rússia – que, se não tinha muito a ver com música ou motos, pelo menos tinha guerra e Itália.
Liguei a TV. Nos primeiros segundos do filme já percebi o meu engano. O filme tinha tudo a ver com música, pelo menos para mim. Quando começaram as primeiras notas da trilha sonora, me lembrei que eu tocava aquela música no piano quando era adolescente. Para falar a verdade, eu até tinha esquecido que já toquei piano alguma vez… e violão também, bem antes do piano.
Eu venho de uma cidade pequena. Uma cidade relativamente nova e de gente trabalhadora, mas que não tem quase nada de especial. Para mim, desde criança, o que sempre destoou do resto foi a existência de um conservatório de música naquele lugar. Era uma casa comum, cheia de quartos pequenos. Talvez houvesse uns oito pianos, mas minha imaginação prefere visualizar dezesseis. Tenho certeza que pelo menos um deles era de calda e outro simulava o som de uma harpa, ou talvez de um cravo.
Estudei violão clássico nesse conservatório dos 7 aos 14 anos. Eu era a mais completa nulidade. Nunca vi ninguém com menos aplicação ou talento. Penso que não me expulsaram porque eu era a única esperança que eles tinham de alguém se formar como violonista, já que quase todo mundo estudava piano. Talvez essa falta de interesse não fosse culpa só minha. Meu professor, o Antônio, era uma das pessoas mais doces que eu já vi na vida. Acho que ele não tinha coragem de me repreender por não praticar. Mas acho que o fator principal foi a falta de referência, algum tipo de experiência prática do efeito que a música tem sobre as pessoas. Apesar do conservatório, a cidade não era propriamente musical.
Finalmente decidi que aquilo não era para mim. Saí do conservatório. Mas não desisti da música. Acabei fazendo um curso de piano popular por dois anos. As aulas eram na casa da professora, uma moça bonita chamada Giovana. Diz a lenda que eu nunca permiti que ninguém me chamasse de Fabinho – com exceção dela. E foi ela quem me ensinou a música Os Girassóis da Rússia, que eu tocava sem nunca ter ouvido falar da história que tinha passado no cinema.
Voltando ao filme, lá estava eu ainda assistindo a abertura, com todas essas lembranças musicais, quando, na primeira cena, aparecem os dois personagens principais se amando na praia. Sophia Loren e Marcello Mastroianni. O nome dos seus personagens? Giovanna e Antonio, exatamente como meus professores de piano e violão!
No filme, os dois são simples namorados, quase desconhecidos, que se casam na esperança de que ele não precise ir para a guerra. Passam uma lua-de-mel de duas semanas. O casamento não serve o seu intento e Antonio é forçado a ir combater na Rússia. O tempo passa, a guerra acaba, e Antonio não volta. Giovanna, sempre fiel, vai até a Rússia para encontrar seu marido. Talvez ele tivesse perdido a memória, mas morto nunca. Antonio nunca faria isso com ela. Depois de procurar muito, encontra Antonio vivendo com Mascia (Lyudmila Savelyeva), com quem tinha tido uma filhinha. Giovanna foge de volta para a Itália, desesperada e desiludida.
O tempo passou e Giovanna retomou a sua vida. Deixou a casa onde havia morado com Antonio e mudou-se para a cidade grande. Agora namorava Ettore (Germano Longo), com quem teve um filho. O filme, que até ali estava bem pesado com todo o sofrimento, recebe um sopro de vida. Isso é representado por um passeio de moto em que a belíssima – nunca esteve mais bonita durante todo o filme – Sophia Loren anda na garupa de Germano Longo. Até o tombo que eles levam na praia é engraçado. Sophia Loren e Germano Longo andando de moto. Quem mandou o Marcello Mastroianni largar a italianona pela russinha Lyudmila Savelyeva?
Por falar em lembranças, esse tombo é muito parecido com o levei lá na areia do Vale do Catimbau em 2008. Do mesmo jeitinho, com a roda da frente derrapando. Ainda bem que a que não levei uma bronca como a da Sophia Loren.
No final do filme, Antonio viaja para a Itália na tentativa de convencer Giovanna a voltar para ele. Ela não aceita, pois agora cada um tem a sua vida. Na última cena, Antonio vai embora de trem, enquanto Giovanna fica na estação, no mais completo desespero. A vida não é fácil. Eu não sei se ela realmente o amava ou se todo sofrimento vinha apenas da traição. Também não sei se ela fez a escolha certa, colocando o orgulho acima do amor. Legal histórias que não são conclusivas.
Adoro quando acontece esse monte de coincidências. Como eu ia esperar que o tema do filme fosse uma música que eu até tinha esquecido que sabia tocar? E os nomes dos personagens principais serem iguais aos dos meus dois professores de música, muito embora os dois provavelmente nunca tenham se conhecido? E a cena com a moto, que aparece do nada no meio do filme, mas que tem tanta importância para expressar a renovação da vida?
Um profeta diria que não existem coincidências, que o acaso e a escolha são apenas ilusões. Um cientista diria que são apenas coincidências mesmo, que atraem a nossa atenção porque somos programados para reconhecer padrões. Como não sou profeta, nem cientista, fico aqui só curtindo o meu filme sobre moto, guerra, amor, Itália, música, Sophia Loren, Giovanna e Antonio.