A Língua Madrasta

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: De Motoca na Estrada

A LÍNGUA MADRASTA
Fábio Magnani
[publicado originalmente em junho de 2010]

Uma das grandes ansiedades que eu tinha antes de viajar era a língua. Não tive tempo para aprender nada de espanhol. Mas quando chegamos na Argentina e no Chile tudo correu muito bem. Compreendemos quase tudo que eles falavam. Eles não nos entendiam muito bem, mas se esforçavam bastante.

Mas isso não impediu que acontecessem situações interessantes. A primeira, que não é bem da língua espanhola, foi quando estávamos chegando em Posadas, no dia mais quente da minha vida. O sol estava tão quente que brigávamos para ficar na sombra do sinaleiro. Na estrada vi uma placa com um chuveiro, escrito 24h embaixo. Daí pensei em dar uma parada para me refrescar. Mas assim que parei, com o cérebro quase derretido pelo calor, a Renata caiu na risada me dizendo que a placa não era de chuveiro, mas sim para usar luz baixa o dia todo.

Outra situação foi quando paramos em um restaurante para almoçarmos. Conhecemos uma família com seis crianças. Conversamos com o casal argentino por mais de 30 minutos. Ao nos despedirmos, dissemos a eles que gostamos muito de conhecê-los. No entanto, eles entenderam que os tínhamos convidado para passar alguns dias em nossa casa em Recife.

Os de língua espanhola escolhem bem as palavras para descrever as coisas: extintor=matafuego, palito=cava dientes, acetona=quita esmalte, carrapato = garra patas.

Às vezes fazemos algumas brincadeiras que só nós os brasileiros entendemos, como pedir uma cueca quando queremos uma coca-cola.

Outro dia, fomos pedir um café. A moça então perguntou: “Un café chico?”, para o qual respondemos de bate-pronto: “Sim, um café na xícara”.

Na parte da Argentina perto de Foz do Iguaçu eles chamam as garagens de cochera. Então, em todos os hotéis que parávamos, perguntávamos se havia uma cocheria. Só depois de sairmos da Argentina é que descobrimos que cocheria quer dizer cemitério.

Estávamos na aduana super militarizada entre a Argentina e o Chile. De repente, ouço o Geraldinho vindo correndo em minha direção: “Fábio! Fábio! Eles querem cobrar CH$ 800,00 de pedágio! Eu não tenho esse dinheiro todo! O que eu faço? Como vou sair daqui?” (nota: CH$ 800,00 = R$ 2,00)

Em São Pedro de Atacama, o Wagner estava dando o maior sermão no Geraldinho porque ele não prestava atenção direito no que as pessoas diziam (em espanhol), depois respondia qualquer coisa. Como no caso em que ele falou para a polícia que tínhamos nos encontrado com um traficante brasileiro em Antofagasta (o Geraldinho tinha entendido que a polícia tinha perguntado se tínhamos procurado o Hotel Brasil). O Wagner tentava explicar para o Geraldinho que aquele comportamento dele poderia nos meter em uma fria blá-blá-blá. Depois de meia hora de sermão, chegou o prato que o Wagner tinha pedido – em espanhol – para a garçonete. Ele achou que tinha pedido bife com fritas, mas veio creme verde de entrada e salmão com rúcula como prato principal (ou qualquer outra coisa que ele destestava). Nós não paramos de rir do Wagner por mais de 40 minutos.

No Chile, quase todos os hotéis têm água quente e banheira. Então tive a grande idéia de colocar as roupas de molho na banheira. Mas não encontrei um tampão. No elevador, a caminho da portaria, fiquei pensando em como poderia explicar que precisava de um tampão. Penso que descobri uma descrição que combinava exatidão com lirismo. Chegando lá, falei para o porteiro.

“Permisso. Por favor, tenerias un dispositivo que impessa que la àgua se vá embora en el baño?”

Para a qual o carinha respondeu prontamente:

“Queres un tampon?”

Mas isso não impediu que acontecessem situações interessantes. A primeira, que não é bem da língua espanhola, foi quando estávamos chegando em Posadas, no dia mais quente da minha vida. O sol estava tão quente que brigávamos para ficar na sombra do sinaleiro. Na estrada vi uma placa com um chuveiro, escrito 24h embaixo. Daí pensei em dar uma parada para me refrescar. Mas assim que parei, com o cérebro quase derretido pelo calor, a Renata caiu na risada me dizendo que a placa não era de chuveiro, mas sim para usar luz baixa o dia todo.
Outra situação foi quando paramos em um restaurante para almoçarmos. Conhecemos uma família com seis crianças. Conversamos com o casal argentino por mais de 30 minutos. Ao nos despedirmos, dissemos a eles que gostamos muito de conhecê-los. No entanto, eles entenderam que os tínhamos convidado para passar alguns dias em nossa casa em Recife.
Os de língua espanhola escolhem bem as palavras para descrever as coisas: extintor=matafuego, palito=cava dientes, acetona=quita esmalte, carrapato = garra patas.
Às vezes fazemos algumas brincadeiras que só nós os brasileiros entendemos, como pedir uma cueca quando queremos uma coca-cola.
Outro dia, fomos pedir um café. A moça então perguntou: “Un café chico?”, para o qual respondemos de bate-pronto: “Sim, um café na xícara”.
Na parte da Argentina perto de Foz do Iguaçu eles chamam as garagens de cochera. Então, em todos os hotéis que parávamos, perguntávamos se havia uma cocheria. Só depois de sairmos da Argentina é que descobrimos que cocheria quer dizer cemitério.
Estávamos na aduana super militarizada entre a Argentina e o Chile. De repente, ouço o Geraldinho vindo correndo em minha direção: “Fábio! Fábio! Eles querem cobrar CH$ 800,00 de pedágio! Eu não tenho esse dinheiro todo! O que eu faço? Como vou sair daqui?” (nota: CH$ 800,00 = R$ 2,00)
Em São Pedro de Atacama, o Wagner estava dando o maior sermão no Geraldinho porque ele não prestava atenção direito no que as pessoas diziam (em espanhol), depois respondia qualquer coisa. Como no caso em que ele falou para a polícia que tínhamos nos encontrado com um traficante brasileiro em Antofagasta (o Geraldinho tinha entendido que a polícia tinha perguntado se tínhamos procurado o Hotel Brasil). O Wagner tentava explicar para o Geraldinho que aquele comportamento dele  poderia nos meter em uma fria blá-blá-blá. Depois de meia hora de sermão, chegou o prato que o Wagner tinha pedido – em espanhol – para a garçonete. Ele achou que tinha pedido bife com fritas, mas veio creme verde de entrada e salmão com rúcula como prato principal (ou qualquer outra coisa que ele destestava). Nós não paramos de rir do Wagner por mais de 40 minutos.
No Chile, quase todos os hotéis têm água quente e banheira. Então tive a grande idéia de colocar as roupas de molho na banheira. Mas não encontrei um tampão. No elevador, a caminho da portaria, fiquei pensando em como poderia explicar que precisava de um tampão. Penso que descobri uma descrição que combinava exatidão com lirismo. Chegando lá, falei para o porteiro.
“Permisso. Por favor, tenerias un dispositivo que impessa que la àgua se vá embora en el baño?”
Para a qual o carinha respondeu prontamente:
“Queres un tampon?”

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Apresentação. A Viagem ao Atacama foi realizada em torno de janeiro de 2010. Durante 38 dias, quatro amigos – Fábio, Renata, Wagner e Geraldinho – percorreram cerca de 15.000 km em suas motos. Com saída e chegada em Pernambuco, passaram por grande parte do Brasil e conheceram a Argentina e o Chile. A história toda começa em meados de 2008 – lá no início da preparação -, mas não tem tempo para acabar, pois os reflexos continuam aparecendo a cada dia que passa. Planejamento, amizade, trabalho em time, resolução de conflitos, natureza, estrada, crescimento pessoal, aprendizado e amor pelas motocicletas. A viagem é contada em três grandes séries: Planejamento (textos escritos antes da partida), Diário da Viagem (relatos publicados durante a viagem) e Crônicas do Atacama (pós-escritos, da qual faz parte este texto). Nunca é demais dizer que esta seção não tem fim programado. Se gostar, volte de vez em quando para ver as novidades.

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