A Primeira Perna

© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: De Motoca na Estrada

A PRIMEIRA PERNA
Fábio Magnani
[publicado originalmente em maio de 2010]

A primeira parte da Viagem ao Atacama foi no Brasil, entre Pernambuco e Foz do Iguaçu. Andamos 3.500 km em 10 dias. De estrada mesmo foram 5 dias, pois aproveitamos para conhecer Patos de Minas, passamos o Ano Novo com minha família em Osvaldo Cruz e fizemos um pouco de turismo e compras em Foz do Iguaçu.

A logística dessa primeira parte foi um pouco complicada. Eu e o Wagner saímos de moto de Recife. A Renata, Gabriela minha filha, Dante meu filho e sua babá, foram de avião para a casa dos meus pais, em Osvaldo Cruz, para nos esperar. Encontramos o Geraldinho no meio do caminho, em Patos de Minas. A partir de Osvaldo Cruz, a Renata foi na minha garupa até Santiago, de onde voou para pegar o nosso bebê em Osvaldo Cruz, antes de partirem novamente para Recife. Enquanto isso, minha filha foi de Osvaldo Cruz para Florianópolis, para passar as férias com a parte materna da sua família. Levando-se em conta que boa parte disso foi feita em torno da passagem do ano, é de se esperar que toda a sincronização entre as várias sub-viagens e compra de passagens tenha sido feita com bastante antecedência.

Outra opção teria sido sair de casa bem easy-rider, mas isso só funciona se você largar completamente a sua família. Com um pouco de planejamento, pude passar o ano novo com toda a minha família, viajar mais de 3.000 km com a Renata e saber que meus filhos estavam em boas mãos e – também – aproveitando suas férias enquanto eu realizava minha viagem de moto de 15.000 km.

Eu e o Wagner andamos de Recife até Patos de Minas em um ritmo constante e forte. Não paramos nem para tirar fotos, pois a ansiedade era tão grande que só queríamos andar de moto. Quanta diferença da Grande Viagem, que eu fiz em 2008. Daquela vez, aproveitei cada momento como se fosse um grande desafio. Cada trecho com buracos, cada serra, cada novo aprendizado de como fazer curvas, cada encontro na estrada… tudo era curtido ao máximo. Agora, com o foco tão forte no Atacama, as coisas passavam rapidamente, como meros detalhes na lateral da estrada.

Embora o trânsito em Minas Gerais seja insano, com carros andando em altíssima velocidade e nos jogando para fora da pista o tempo todo, o único risco de acidente foi causado por uma desatenção minha. Quando você está de carro, esperando a ultrapassagem atrás de um caminhão, só consegue ver ser vem trânsito contrário pelo lado esquerdo. Já de moto, é só ir para o lado direito da pista para dar uma olhada. Então fica fácil fazer curvas para a direita. Você vai para o lado direito, conta quantos carros estão vindo. Depois é só esperar a oportunidade para se jogar para a esquerda e fazer a ultrapassagem do caminhão. Mas numa dessas, eu contei errado o número de carros que vinham. Quando saí para a esquerda, vi um carro vindo em alta velocidade em sentido contrário. Não sei como, mas passei a milímetros do carro, de um lado, e do caminhão, do outro. O mais interessante é que tudo foi tão rápido, que eu nem fiquei nervoso. Achei estranho ter acontecido algo assim sem ter me alterado. Mas o preço veio logo. Durante os vários dias seguintes, acordava à noite sonhando com esse quase acidente.

Combinamos de não fazer nenhuma reserva prévia de hotéis durante a viagem. Isso nos daria liberdade para parar em qualquer lugar. Embora isso seja um pouco inconveniente em cidades maiores, foi uma boa decisão. Encontramos hotéis com bom preço e limpos em Feira de Santana e Montes Claros.

Em Minas Gerais, perto de Salinas, pegamos uma chuva forte e muito fria. Como minhas roupas tinham sido pensadas para o deserto, fiquei todo ensopado e tremendo. Mas paciência, pois não dá para levar tudo em uma viagem, ou se preparar para todos os climas possíveis e imagináveis.

Em Patos de Minas, da mesma forma que em 2008, encontramos uma grande recepção da família do Geraldinho e do seu motoclube. Comemos muito, em todos os lugares que fomos. Destaque principal para o casal Maria Helena e Ricardão, que gastou um tempão com a gente enquanto esperávamos o dia de retomar a estrada. Tínhamos planejado que o Geraldinho iria seguir mais tarde, nos encontrando em Foz do Iguaçu dali uns 4 dias. Mas como ele conseguiu adiantar os seus negócios, bastou que esperássemos um dia por ali para que pudéssemos sair todos juntos.

De Patos de Minas rumamos para Osvaldo Cruz, em uma viagem de um dia, mas muito marcante. Aprendíamos ali como andar em 3 motos, os costumes uns dos outros, os tipos de brincadeiras que poderiam ser feitas e o ritmo de cada um. Esse tatear foi bem legal para depois resultar em um grande companheirismo durante todo o restante da viagem.

Ficamos 2 dias em Osvaldo Cruz, na casa dos meus pais. Como sempre, muita comida e conversas colocadas em dia. A Renata agora seguiria conosco, na minha garupa. Nos despedimos de meus filhos no segundo dia do ano e pegamos a estrada rumo Argentina.

Tínhamos um certo medo de que a Renata pudesse cansar na garupa, por isso planejamos esse último trecho brasileiro em duas partes. Mas no meio do caminho, a Renata disse que podíamos seguir direto para Foz do Iguaçu. Encontramos o casal Boeira no caminho, que nos deu boas instruções sobre compras no Paraguai.

Os dois dias em Foz do Iguaçu foram bem aproveitados. Cataratas, compras no Paraguai e um pouco de descanso.

Dali para frente, tudo seria novidade. Outro país, outra língua, outros costumes, outras paisagens. Até ali os detalhes da viagem tinham quase sempre escondido a apreensão que eu tinha sobre cruzar a fronteira. Seríamos bem tratados? Nos ajudariam se precisássemos? Nos veriam como párias ou como amigos de longe? Nessa última noite no Brasil, com todos os detalhes acertados, só restava esperar. Que viesse o novo!

Se passamos mais de um ano escolhendo as pessoas do grupo, a montagem mesmo só aconteceu nesta primeira perna. Porque uma coisa é escolher pessoas, outra completamente diferente é criar os vínculos para chamar um agrupamento de time. Saímos do Brasil como um time, prontos para aprendermos cada vez mais, para nos ajustarmos conforme a necessidade, para encarar os desafios e, principalmente, aproveitarmos a viagem entre amigos. Que venha o novo!

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Apresentação. A Viagem ao Atacama foi realizada em torno de janeiro de 2010. Durante 38 dias, quatro amigos – Fábio, Renata, Wagner e Geraldinho – percorreram cerca de 15.000 km em suas motos. Com saída e chegada em Pernambuco, passaram por grande parte do Brasil e conheceram a Argentina e o Chile. A história toda começa em meados de 2008 – lá no início da preparação -, mas não tem tempo para acabar, pois os reflexos continuam aparecendo a cada dia que passa. Planejamento, amizade, trabalho em time, resolução de conflitos, natureza, estrada, crescimento pessoal, aprendizado e amor pelas motocicletas. A viagem é contada em três grandes séries: Planejamento (textos escritos antes da partida), Diário da Viagem (relatos publicados durante a viagem) e Crônicas do Atacama (pós-escritos, da qual faz parte este texto). Nunca é demais dizer que esta seção não tem fim programado. Se gostar, volte de vez em quando para ver as novidades.

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