Livro: De Motoca na Estrada
Fábio Magnani
[publicado originalmente em janeiro de 2008]
Isso que escrevemos foi só um resumão. O primeiro estágio da escrita de um texto, onde as palavras são jogadas no papel sem um segundo pensamento. Um grande rascunho. Não foi revisado nem editado. Têm muitas coisas repetidas, ordenamento discutível, pieguices (principalmente), fórmulas prontas, vírgulas em locais errados, erros de grafia, alguns problemas de concordância, esquecimentos etc. Quem sabe um dia reescrevemos. Não temos muito tempo disponível agora para refinar o texto. Então, tivemos que deixar do jeito que está, com o risco de esquecermos coisas importantes.
FÁBIO:
Infelizmente, não dá para descrever as mudanças interiores durante a viagem. Não há um ponto de mudança, a viagem é um todo. Gostaria que todos pudessem viver uma viagem assim.
Por que alguém se expõe deste jeito, escrevendo detalhes tão pessoais? Certamente, neste caso, não é para se fazer de vítima ou chamar a atenção. É uma homenagem a um tempo que se foi. É o fim de uma etapa. É o epitáfio de um ciclo. Que seja escrito para que não precise ser revivido. Acabou. Agora é só vida nova.
Quero agradecer a todos que ficaram acompanhando a viagem pelo FOL (meus amigos) e pelo BLOG (meus familiares). Adorei conhecer vários integrantes do FOL durante a viagem. Posso dizer que me sinto uma pessoa muito mais completa agora do que era antes desta viagem. De verdade mesmo, não teria feito isso sem o FOL e sem a minha família. Certamente aprendi muito sobre amizade durante esta viagem. Sempre que cheguei em algum lugar, normalmente suado e cansado, contando fatos irrelevantes, fazendo críticas impensadas etc, nunca me senti julgado. Sempre me senti aceito e ponto final. As pessoas (de Patos de Minas, Mirassol, Rio Preto, Osvaldo Cruz, Araçatuba, Araraquara, Três Lagoas, Ribeirão Preto, Linhares, Salvador, Penedo e Linhares), compartilharam o seu tempo, família, comida, auxílio, sem que eu precisasse dar nada em troca. Eu fui sempre recebido com grandes honras, não por ser isso ou aquilo, mas simplesmente por amizade. Aposto que fizeram isso naturalmente, sem perceber a intensidade com que me marcaram. Saio desta viagem com a certeza de que amigos não são pessoas que têm um relacionamento perfeito; amigos são aqueles que se amam, mesmo sendo imperfeitos.
Tenho uma porção de vídeos e livros sobre pilotagem, viagens e crônicas de motociclismo. Todos foram muito importantes para me motivar durante a preparação. Seus autores são pessoas excelentes, de quem aprendi muito. Pena que estejam tão distantes.
Eu tenho um amigo que diz que a palavra inveja é usada para duas coisas diferentes. Inveja ruim (quando você quer roubar alguma coisa do outro, ou destruir o que o outro tem) e inveja boa (quando você também queria ter aquilo, ou compartilhar). Eu acho que podemos chamar a inveja boa de VONTADE. Eu tenho um monte de livros sobre viagens de moto, sobre aventureiros habilidosos e corajosos. Também leio um montão de relatos de nossos amigos do FOL. Morro de VONTADE de viver o que eles viveram. Não quero roubar nada deles. Quero é fazer igual. E se não puder, quero receber o que eles estão me dando de presente, um pouquinho das suas sensações. Acho é muito bom sentir inveja boa (ou vontade)! Foi isso que me deu força para fazer a minha viagem. Não fiz mal a ninguém. Espero que possamos inspirar outros com nossas humildes aventuras.
Minha avó, que aparece nas fotos de Osvaldo Cruz-SP, faleceu alguns dias depois de termos chegado em Recife-PE. Era a sua hora. Fiquei contente por ter tido a chance de vê-la nesta viagem.
O meu relacionamento com a Renata levou uma grande martelada lá em Petrolina-PE, com a mudança repentina de planos e a aparente destruição de um sonho de mais de um ano. Mas o impacto foi absorvido instantaneamente, ali, na hora. Não saímos trincados, saímos forjados. Mais fortes do que nunca. A vida real se mostrou melhor que o sonho.
Estamos preparando a próxima viagem para julho de 2008. Serão 4.000 ou 5.000 km, em uns 14 dias, pelo sertão nordestino. Queremos conhecer melhor a Chapada Diamantina-BA, a Serra da Capivara-PI e Lençóis Maranhenses-MA. Mas ficar pouco tempo em cada um? Ou desistir de um deles para aproveitar melhor os outros? Qual a ordem da viagem? Engraçado, na viagem anterior sempre tivemos um foco, que era Osvaldo Cruz-SP. Agora não há mais. Temos que nos acostumar um pouco com a liberdade que ganhamos.
Para finalizar, algumas besteiras infantis e piegas que ia pensando sozinho na estrada ou durante a preparação:
O que se encontra na estrada? O passado? O futuro? O presente! Não há nem futuro nem passado, apenas o infinito presente em um piscar de olhos. Só de moto, em uma curva, com o vento no corpo, o sol nos olhos, é possível deslumbrar o tempo infinito. Tudo se comprimindo em um único instante.
A viagem é o caminho ou é o destino? Certamente é o caminho.
Por que você escolheu uma viagem assim, de moto, pelo sertão? “No fundo, escolha é uma palavra carente de sentido.”
Espera-se pela mulher que te foi determinada, pelo tempo que for o ideal.
Encontrei uma ou duas coisas do passado que valeram a pena. Espero ter sabedoria e leveza para trazê-las ao presente.
Caminha-se pela estrada que apresente desafios e prazeres na medida de cada um. E a única coisa que se deve esperar é que a sua estrada seja o mais desafiante o possível, e que você seja merecedor dos obstáculos.
Não aprendi grande coisa na viagem, apenas que tenho muita coisa a aprender. Seja em pilotagem, seja na vida. Pelo menos tenho mais paciência com meus defeitos e limitações. Continuarei a ouvir por um bom tempo “paciência, gafanhoto, paciência!”.
Conheci a Nascente e Foz do São Francisco, a Chapada Diamantina, a Serra da Canastra, Cidades Históricas de Minas e Litoral Nordestino. 25 dias, 8.200 km. Fiz novos amigos, tive sensações maravilhosas de liberdade e me conheci melhor.
Não quero abandonar o caminho do aprendizado. Isso nunca foi perda de tempo. Apenas o desequilíbrio entre o pensar e o sentir é que era prejudicial.
Encontrei na estrada uma maneira fácil de representar o meu renascimento. Representações claras de coisas pesadas que me seguravam, de como decidir quando seguir sozinho ou acompanhado. De quando ir devagar, quando correr. Principalmente, de como quero que minha vida seja de agora em diante. Sempre olhando para frente, sempre para o próximo ponto de parada. Aproveite cada quilometro, tenha objetivos em curto prazo. Viva. Tem um buraco? Passe por ele. Fique orgulhoso de ter transposto o obstáculo, mas não perca tempo colocando a culpa no buraco, tentando descobrir quem o colocou ali. Ande sempre para frente, com liberdade, sempre buscando a harmonia. Vivendo. Não necessariamente aprendendo, mas sempre sentindo. Harmonia. Equilíbrio.
Uma música que sempre cantarolava na estrada: “Eu não vim até aqui para desistir agora (…) se depender de mim eu vou até o fim!” (Humberto Gessinger)
“Viva como se fosse morrer amanhã. Aprenda como se fosse viver para sempre.” (Mahatma Gandhi)
Valeu a pena? Valeu!