Livro: Bicicletas em Equilíbrio
Fábio Magnani
[publicado originalmente em janeiro de 2016]
Eu adoro a chuva. A chuva que limpa, refresca, diminui a luminosidade e que relaxa. Adoro ler ao som da chuva, correr na chuva, voltar para casa pilotando minha moto na chuva. Adoro andar de bicicleta na chuva. Será?
Bem… quanto a pedalar na chuva eu tenho sentimentos mistos – e claro que esta não seria uma opinião de Fábio Magnani se não contivesse alguma rabugice.
Primeiro algumas considerações. Eu uso a bicicleta principalmente para passeio, esporte e acúmulo de capital cultural, muito pouco para questões utilitárias. Mesmo quando vou ao trabalho de bicicleta, em geral posso esperar parar a chuva, ou escolher ir de carro, ou pagar de salvador do mundo ao livrar os pecados da humanidade só porque pedalo. Por isso tudo, minha relação com a chuva é muito menos problemática do que para quem depende da bicicleta para estar em determinado lugar em determinado horário, principalmente para quem não aumenta seu prestígio social ou político só por pedalar.
Ainda, eu não moro em um local com risco de desabamento ou de alagamento, então acho a chuva um fenômeno lindo. Mesmo as tempestades me acalmam – já que posso me proteger.
Voltando à bicicleta, como eu disse aí em cima, eu adoro a chuva que refresca e que acalma. Mas não gosto de todos os efeitos da chuva. Fico irritado com os meus óculos, que ficam embaçados, dificultando a visão. Segundo, a pista fica escorregadia, o que demanda maior concentração no chão que atrai. Pior, como eu ando com firma pé, fico mais preocupado ainda de dar uma escorregadela e não ter tempo de colocar o pé no chão.
Terceiro, na escola me colocaram um medo danado de água da chuva, que teria leptospirose. Não que isso me impeça de pedalar na chuva, mas não vou negar que penso nisso de tempos em tempos quando a água é jogada para cima. A educação infantil se baseia muito mais no medo do que no esclarecimento. Se você não rezar vai ser assombrado por fantasmas, se você pedalar na chuva vai pegar leptospirose (nem sei o que é isso, mas tenho medo mesmo assim), se você desrespeitar uma autoridade vai ser preso.
O maior inconveniente de pedalar na chuva, no entanto, são os carros. E sinto isso também quando piloto a minha moto. É que os veículos de quatro rodas têm muito mais facilidade em fazer curvas e manobras que os veículos de duas rodas – não só por terem quatro rodas, mas também por terem pneus mais largos e com pressão mais baixa. Em geral a gente não liga muito, pois o fato das motos e bicicletas serem mais leves e compactas acaba compensando a aderência dos carros, nos distanciando deles. Só que na chuva, com atrito mais baixo, a gente sente muito. Os carros ficam relativamente mais ligeiros, colando o tempo todo, nos forçando a andar mais rápido do que gostaríamos. Pior é que você nunca sabe o que tem embaixo de uma poça ou de uma lâmina d´água – e o carro te coagindo a entrar nela sem muito tempo para pensar.
Por essas e outras é que pedalar uma bicicleta ou pilotar uma moto na chuva não é tão legal quanto poderia ser.
Tudo seria muito melhor se as pistas fossem bem cuidadas, se houvesse separação do tráfego de bicicletas, motos e de carros, e se os carangueiros tivessem treinamento para compreender as especificidades dos veículos de duas rodas.
Daí seria uma maravilha, teríamos apenas o lado bom da chuva. Pelo menos para quem prefere chuva do que sol, como eu.