© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Bicicletas em Equilíbrio
Fábio Magnani
[publicado originalmente em abril de 2012]
O tempo todo eu me sinto como se estivesse em uma daquelas tirinhas do Angeli, “Duas coisas que eu odeio… e uma que adoro”. Sou muito rabugento com bicicleteiros que compram equipamentos caríssimos para se sentirem especiais, pobres coitados que definem as suas identidades a partir do que consomem. Também odeio aqueles que ficam vomitando o nome de fabricantes de peças e de projetistas famosos para parecerem culturalmente diferenciados. Quando ouço alguém falando assim, na minha cabeça começa a tocar aquela música do Capital Inicial que diz “quem tenta ser diferente apenas fica igual a todo mundo que tenta ser diferente”. Isso sem contar os que andam à noite protegidos por batedores mas que durante o dia jogam seus carros sobre os motoqueiros.
Putz… já se foram três coisas que eu odeio e até agora nenhuma que eu adoro. Dever ser a idade.
Brincadeira. Tem um monte de coisas que adoro sobre as bicicletas: a simplicidade, a eficiência, a elegância, a mobilidade e a sustentabilidade. Já escrevi vários textos sobre a história da bicicleta. Do ponto de vista tecnológico, as bicicletas abriram o caminho para a indústria dos carros e das motos. Socialmente, as bicicletas ajudaram na liberação das mulheres, na mobilidade da classe operária, no crescimento das cidades e na independência do indivíduo.
O que mais me atrai nas bicicletas é o seu poder transformador. Por isso não gosto de autores que falam de marcas de grife, já que esses produtos em geral são usados exatamente para manter uma classe alta diferenciada e conservadora.
Mas agora um carinha conseguiu me convencer de que em alguns casos – poucos é verdade – vale a pena prestar atenção na elite. No livro “It’s All About the Bike: The Pursuit of Happiness On Two Wheels” (2010), Robert Penn percorreu o mundo para montar a bicicleta perfeita. Ele investiu $5000, o que pode parecer uma quantia alta, mas é até pouco quando alguém pensa que essa bicicleta vai durar toda a vida. Além disso, essa bicicleta do livro não foi feita para alguém que só quer participar da próxima modinha da classe média. No caso dele vai ser usada em viagens, passeios, commuting e também para fazer exercício. Taí um cara que já rodou o mundo de bicicleta e ainda pedala todo dia para ir ao trabalho. Tá perdoado.
Já deixei claro que não gosto de frescura com marcas. Mas neste caso vou abrir uma exceção, pois na escolha de cada componente dessa bicicleta perfeita, Robert Penn sempre teve alguma boa razão: durabilidade, ergonomia, resistência ou conforto. O quadro de aço foi feito pela Brian Rourke Cycles. Aqui ele faz uma certa gozação em carinhas que compram quadros de alumínio, titânio ou de fibra de carbono. Tudo bem que esses quadros possam até fazer alguma diferença em competições, mas será que vale a pena o investimento só para passear por aí?
O guidão veio da Cinelli, a transmissão da Campagnolo, os cubos da Royce, pneus da Continental e banco da Brooks. Durante o livro, quando visita cada uma dessas fábricas, ele aproveita também para contar a história do desenvolvimento tecnológico de cada uma das partes da bicicleta.
O livro cria a trama com três fios de cores diferentes: história da tecnologia, tradição dos fabricantes e paixão pelas bicicletas. Não é um livro sobre o chic, é um livro sobre qualidade. Quando você acaba de ler, não fica doido para contar para o seu vizinho a diferença entre um Campagnolo e um Shimano, para mostrar como você é sofisticado. Também não fica com vontade de encomendar uma roda montada em Marin County para poder se sentir exclusivo. Ao contrário, quando acaba o livro, você se sente orgulhoso por viver em um mundo onde já passaram tantos inventores, comerciantes, engenheiros e ciclistas perfeccionistas, que sempre colocaram a qualidade acima de tudo na produção do mais perfeito dos veículos.
“Long may you live. Long may you ride.”