Na Trilha de Marco Polo


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motoqueiros Famosos

NA TRILHA DE MARCO POLO
Fábio Magnani
[publicado originalmente em fevereiro de 2012]

Eu uso óculos desde os 18 anos, quando diagnosticaram meu astigmatismo. Aos 30 fui atacado pela miopia e aos 42 eu peguei presbiopia. Agora estou na espera da catarata e dos vermes que um dia hão de comer os meus olhos. Mas isso é outra história. O certo é que tenho que usar dois óculos, um pra longe e outro pra perto. Esse pra perto é uma maravilha, parece que estou usando uma lente de aumento. Meu prazer de ler, se é que isso é possível, aumentou 26% desde que passei a usar esse artefato. O mais legal é que quando estou vestindo esses óculos pra perto eu não enxergo nada do mundo além de 50cm de distância, fazendo com que eu fique grudado ao livro mais ainda. Me disseram que tudo seria mais fácil se eu usasse um tar de mutifocar. Mas quem aqui quer o caminho mais fácil? Prefiro eu mesmo escolher quando quero me concentrar no perto ou no longe, da mesma forma que quero curtir minha moto às vezes no dia a dia urbano e às vezes nas estradas do mundo.

Minha primeira aventura com esse dispositivo óptico foi Tracking Marco Polo (“Na Trilha de Marco Polo”, 1964). Esse livro é o diário de bordo do jovem Tim Severin em sua viagem de 1961 para provar que Marco Polo realmente viveu suas grandes aventuras. Depois Severin ficaria famoso por causa de outras aventuras do mesmo tipo, como cavalgar com pastores mongóis em busca das trilhas de Genghis Khan (1990) e navegar pelo atlântico para reconstruir a lendária Viagem de Brendan (1976). Isso sem contar as expedições sobre Jasão e os Argonautas (1984), Simbad o Marujo (1980), a Odisséia de Ulysses (1985), o navegador e explorador chinês Hsu Fu (1993) e Moby Dick (1999). Todas essas aventuras foram publicadas em livros pelo próprio Severin.

O interessante dessa aventura na rota de Marco Polo é que foi a sua primeira, quando ele tinha só 21 anos e ainda era estudante de graduação. Mas o legal mesmo é que foi feita de moto. Tim Severin viajou com mais dois amigos, Stan e Mike, por 13.000 km. Da Inglaterra até Teheran (6.000 km) foram em duas motos BSA Shooting Star ’61, cada uma com um sidecar. De Teheran até Kabul (2.200 km) Stan e Mike foram em uma moto sem sidecar. Nessa parte Tim Severin foi de ônibus, por uma outra rota, porque tinha quebrado a perna em uma queda de moto. Os três amigos se reencontraram em Kabul. De Kabul a Calcutta, depois até Bombay (4.700 km), os três foram montados em uma única moto.

Durante a viagem eles descobriram como foi importante viajar de moto, ao invés de carro, porque permitiu um maior contato com as pessoas dos lugares por onde passaram. Quanta diferença do recente livro Planet Earth’s Greatest Motorcycle Adventure Tours (Os Maiores Tours de Aventura com Motocicleta do Planeta Terra, 2008), em que os autores dizem que um dos maiores prazeres de viajar de moto é ver os nativos entusiasmados e excitados, se empurrando para ver a sua moto grande, moderna e cara. Para ver que com o passar do tempo algumas coisas mudam para pior.

Algumas coisas mudam para pior, outras parecem que não mudam nunca. Por exemplo, quando Tim quebrou a perna teve que andar muito de ônibus, onde conheceu os ghost passangers, que pegavam ônibus fora da cidade, pagando diretamente ao motorista, que embolsava toda a grana. Eu usava esse mesmo sistema quando viajava pelo interior de São Paulo. Não porque a passagem ficava mais barata (não ficava), mas porque era ameaçado pelo cobrador: “bem, às vezes algumas malas desaparecem no caminho”. Ele também conta no livro que as empresas de ônibus diminuíam o espaço entre as poltronas para vender mais passagens, do mesmo jeito que algumas empresas aéreas fazem hoje em dia. Isso sem contar as inúmeras quebras e pneus furados, que eu cansei de viver quando viajava de ônibus entre Santa Catarina e o Paraná.

Essa parte do livro sem moto deveria ter sido chata, mas foi bem legal porque me lembrou do tempo que eu era estudante e vivia rodando de ônibus pelo sul-sudeste do Brasil. Pensando nisso, acabei fazendo um levantamento de quanto tempo eu passei em minha vida com cada meio de transporte principal: 7 anos a pé, 16 anos de bicicleta, 3 anos de carro, 10 anos de ônibus e 6 anos de moto.

Tim, Stan e Mike aprenderam a andar de moto um pouquinho antes de viajar. Quer dizer, aprenderam a pilotar mesmo um veículo de duas rodas só no meio da viagem, quando os sidecars começaram a se desmontar e tiveram que ser abandonados. Não conseguiram refazer toda a viagem de Marco Polo porque na época a Guerra Fria estava comendo solta, então não tiveram permissão para entrar na China. Mas a parte do Oriente Médio foi muito bem documentada, provando que Marco Polo realmente fez a viagem.

Para quem quiser um relato de moto de toda a Rota da Seda, desde a China até o mediterrâneo, é preciso juntar três livros: Planet Earth’s Greatest Motorcycle Adventure Tours (o livro tem três páginas sobre a China), The Road Gets Better From Here (que fala sobre o Topo do Mundo e o Oriente Médio) e Tracking Marco Polo. Recomendo também algum livro sobre as grandes expedições, para se ter uma idéia da importância histórica dos aventureiros que desbravaram o mundo.

Mas o que eu recomendo mesmo é ler esse livro Tracking Marco Polo com um óculos pra perto, que fará com que você fique completamente imerso na vida daqueles carinhas, que conseguiram juntar a paixão juvenil pela aventura com o amor intelectual pelo conhecimento. Mas dos intelectuais de verdade, que se jogam sem medo no mundo que estudam, com humildade e entusiasmo. Ler esse livro é muito inspirador, para quem gosta de viajar de moto e para quem gosta de conhecer de verdade as coisas.

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