© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motocicletas de Mármore
Fábio Magnani
[publicado originalmente em janeiro de 2014]
O grande professor Henry Walton Jones Jr., conhecido no submundo fictício do tráfico de antiguidades como Indiana Jones, poderia ter dito que se alguém quer realmente ser um motoqueiro precisa então sair da biblioteca. O que é meio óbvio. Mas é preciso tomar cuidado ao interpretar essa lei do motoqueirismo, já que com isso o Prof. Jones não estaria dizendo que nós precisamos deixar a biblioteca definitivamente, mas sim, assim como ele, que devemos aprender a alternar o mundo dos livros com o mundo físico. Ou melhor ainda que alternar: combinar os dois mundos.
Livros sozinhos iluminam o nada. Por outro lado, viver sem livros é viver na escuridão. Agora, ao misturar os dois, podemos ter toda a riqueza do mundo físico juntamente com as explicações teóricas que nos permitem compreender e sentir de forma mais completa essas experiências. No final das contas, não faz sentido essa discussão de teoria versus prática, pois se é um fato que é bastante pobre falar de pilotagem de motos se nós nunca tivemos a oportunidade de rodar em uma, também é pobre querer interpretar a nossa experiência pessoal de pilotagem sem conhecer um mínimo que seja da ciência por trás da dinâmica que comanda o movimento das motos, sem conhecer a experiência dos outros motoqueiros, ou ainda os mecanismos psicológicos que regulam os pensamentos que correm desenfreados dentro da cabeça dos motoqueiros.
O legal é juntar as nossas experiências com as experiências dos outros, a prática com a teoria, a física e a psique, o isolamento dentro do capacete com as relações sociais das ruas, as escolhas pessoais com as imposições externas, os livros e as motos. Não precisamos nos contentar com pouco se podemos ter tudo.
Além desses lances filosóficos do Indiana Jones aí de cima, o processo de ler e de escrever tem um lado bem prático, pois não deixa de ser uma forma de conversa. Certo que é uma conversa na qual não existe o contato pessoal, mas, em compensação, é uma conversa que permite maior profundidade e um número muito maior de participantes do que as ditas convencionais. Se não existissem os livros, por exemplo, eu jamais poderia ouvir o que tem a dizer o grande motoqueiro Ted Simon. Se eu não escrevesse, não poderia iniciar um monte de conversas que tenho com pessoas muito interessantes, que sabem tudo de mecânica, do dia a dia nas ruas, moda, de projeto de motos, produção industrial, cultura, trabalho, jornalismo, antropologia, saúde pública, economia, sociologia, pilotagem, fotografia, e de mais uma porção de outros pedacinhos que, juntos, compõem o mundo das duas rodas. Ninguém sozinho jamais dominará nem um mínimo pedaço de tudo isso. E aí está a importância dos diálogos, que podem ser travados nas estradas da vida, nas redes da internet, e nos livros das bibliotecas.
O segredo é que, assim como nós não precisamos decidir entre os livros nas bibliotecas e as motos nas ruas, pois o bom é a mistura dos dois, também não precisamos decidir entre pessoas que falam pelos livros e pessoas que falam pela boca, pois também podemos ter os dois. O importante é que, ao contrário do que tentam nos convencer por aí, podemos sim gostar de tudo. Não precisamos escolher um lado. Podemos pilotar nossas motos, conversar com as pessoas, ler livros e escrever o que pensamos. Podemos pilotar nas ruas das cidades e também nas estradas do mundo. Com motos grandes e pequenas, propelidas por motores de combustão interna, motores elétricos ou pelas nossas próprias pernas. Podemos conviver tanto em universidades acadêmicas quanto na universidade da vida. Pelo menos é nisso que acredito, que o ideal está no equilíbrio entre esses vários movimentos pessoais, assim como o aparente equilíbrio de uma moto andando para a frente é composto de uma infinidade de pequenos movimentos.
Livros
Há livros de todos os tipos. Importantes, clássicos, famosos, específicos, enciclopédicos, intimistas, profundos, superficiais, previsíveis, caça-níqueis, raros, engraçados, chatos e revolucionários. Os que eu mais gosto são os que me entretêm, tanto faz se são populares ou obscuros. Há livros de todos os tipos. Livros de papel, eletrônicos, filmes, documentários, blogs, fóruns. Não importa a tecnologia utilizada, o princípio é sempre o mesmo: uma história que precisa ser contada. As conversas convencionais são comunicações de um para um. Os livros (livros convencionais, filmes, músicas, peças, etc.) tradicionais são comunicações de um para muitos. Os blogs e os fóruns da internet são comunicações de muitos para muitos. O princípio é sempre o mesmo, uma história que precisa ser contada.
Acho que gosto tanto de livros quanto das máquinas de duas rodas. Na verdade, acho que tenho motos e bicicletas para poder ir às bibliotecas, e acho que tenho livros para poder conversar sobre as motos e as bicicletas. Um círculo virtuoso interminável. Claro que é um exagero literário, pois a vida não é feita só de motos, bicicletas e livros – talvez só a parte mais importante.
Agora, deixando de lado a filosofia de botequim, aliás a única que conheço, vamos aos 11 livros que mais gosto. Mas antes três observações. A primeira é que a lista é minha, então ninguém precisa concordar ou discordar. Segundo é que são os livros que mais gosto, não os mais profundos, cultuados ou qualquer coisa que o valha. Terceiro é que a lista dos meus livros preferidos tem bem mais que 11 livros, mas gostei tanto do título que acabei conformando o texto a ele. Semana que vem provavelmente essa lista terá 11 livros diferentes. É que, quanto aos livros, motos e bicicletas, eu sou totalmente volúvel.
Riding with Rilke (2007) conta a viagem perfeita, onde o professor Ted Bishop viajou 10.000 km de moto para fazer uma revisão bibliográfica sobre a grande escritora Virginia Woolf. O que poderia ser melhor do que rodar de moto à procura de livros? Talvez seja viajar de moto para reviver uma grande viagem registrada em um grande livro, talvez a mais famosa de todas as viagens. Em 1961, o estudante Tim Severin e dois colegas (Tracking Marco Polo, 1964) foram atrás das pistas de Marco Polo para provar que boa parte tinha sido verdade.
Continuando no mundo acadêmico, mas agora no fictício, um dos livros mais engraçados que já li foi Throttling the Bard (2010), que mistura todas as maluquices da vida dos professores universitários, motocicletas, aventura, paixão, violência, estrada, sexo, drogas e rock’n’roll. Yeah!
Embora o campus novel seja o subgênero literário que mais agrada ao meu lado racional, o meu inconsciente certamente gosta mesmo é de pulp fiction, como no livro The Go Girls (1963), onde as mulheres do moto clube feminino Wildcats rodam as estradas em suas motos à procura da liberdade, no sentido mais amplo da palavra – doa a quem doer.
Agora, se os pulp fiction são completamente artificiais, há outros livros que criam tão bem um ambiente que parece até que a gente está lá no meio da história, como em Hell’s Angels (1967), no qual Hunter S. Thompson nos joga no meio do furacão dos anos 60. O mesmo acontece ao ler Adventure Motorcycling Handbook (2005) que faz nos sentir como que viajando de moto pelo mundo, mesmo que estejamos sentados em nossas poltronas.
Por ser engenheiro, eu tenho a maluca mania de me entreter com (alguns) livros técnicos. Acho que meu autor preferido nessa área é o Kevin Cameron, escritor, colunista, jornalista, fabricante de motos de competição e quem, de forma quase que irritante, entende mais da física e da tecnologia das motos do que muitos engenheiros por aí. Ele escreveu vários livros, mas o mais legal é Sportbike Performance Handbook (2008). Ainda nessa linha de motos esportivas, eu adoro Stealing Speed (2010), que conta principalmente a história do engenheiro Walter Kaaden, que, quase sem dinheiro algum, conseguiu juntar os conhecimentos da física dos mísseis com a física das motocicletas para revolucionar os motores dois tempos.
Gosto de acreditar que tenho um lado humano além do técnico, embora digam que isso é apenas uma fantasia. Falando sério, e voltando ao assunto dos livros, o filósofo Matthew B. Crawford, em Shop Class as Soulcraft (2010), reflete sobre como uma atividade aparentemente tão sem vida como a manutenção das motocicletas pode ser algo que define, molda e fortalece o espírito de quem a pratica.
Mas nem só de palavras vivem os livros, alguns também têm umas figurinhas bacanas. Em Bikes of Burden (2005) eu aprendi como é uma parte do motoqueirismo lá no Vietnã, onde na prática o único meio de transporte é a moto, que é usada para carregar todo tipo de coisa. And last but not least, Motorcycle Graphics (2013), com um bando de artistas maneiros que representam a cultura do motoqueirismo em duas dimensões.
Biblioteca Idiossincrática de Motoqueirismo
Para resumir, segue a lista com os 11 livros de moto que eu mais gosto nesta semana.
Riding with Rilke – Ted Bishop
Tracking Marco Polo – Timothy Severin
Throttling the Bard – Jay Barry
The Go Girls – Will Laurence
Hell’s Angels – Hunter S. Thompson
Adventure Motorcycling Handbook – Chris Scott
Sportbike Performance Handbook – Kevin Cameron
Stealing Speed – Mat Oxley
Shop Class as Soulcraft – Matthew B. Crawford
Bikes of Burden – Hans Kemp
Motorcycle Graphics – Gary Inman
Biblioteca Básica de Motoqueirismo
Compreensivelmente, se você estiver interessado em montar uma biblioteca mais clássica, de mais qualidade e, principalmente, que cubra melhor o motoqueirismo, tenho uma humilde sugestão. Dois deles até estavam na minha lista pessoal. E, da mesma forma que a lista anterior, essa lista só tem 11 livros por causa da tirania do título. Semana que vem certamente aparecerão outros onze.
Jupiters Travels – Ted Simon (viagem ao redor do mundo)
Motorcycle Design and Technology – Gaetano Cocco (física)
Adventure Motorcycling Handbook – Chris Scott (guia de motoaventurismo)
Proficient Motorcycling – David L. Hough (pilotagem urbana)
Flaming Iguanas – Erika Lopez (iconoclasta)
The Essential Guide to Motorcycle Maintenance – Mark Zimmerman (manutenção)
Hell’s Angels – Hunter S. Thompson (motoclubes)
Zen and the Art of Motorcycle Maintenance – Robert M. Pirsig (filosofia)
The Perfect Vehicle – Melissa Holbrook Pierson (visão pessoal)
Motorcycle: Evolution, Design, Passion – Mick Walker (história)
Motorcycle – Steven E. Alford and Suzanne Ferriss (cultura)
Biblioteca Básica de Bicicletismo
Já que estou por aqui, segue uma pequena biblioteca sobre o bicicletismo.
Bicycling Science – David Gordon Wilson (ciência)
Bicycle Technology – Rob van der Plas and Stuart Baird (tecnologia)
Pedaling Revolution – Jeff Mapes (política)
Miles from Nowhere – Barbara Savage (viagem ao redor do mundo)
Cyclepedia: A Century of Iconic Bicycle Design – Michael Embacher (bicicletas interessantes)
On Bicycles: 50 Ways the New Bike Culture Can Change Your Life – Amy Walker (cultura)
Bicycle: The History – David V. Herlihy (história)
It’s All About the Bike – Robert Penn (fabricantes tradicionais de componentes)
The Birth of Dirt: Origins of Mountain Biking – Frank Berto (origem das Mountain Bikes)
Richard’s 21st Century Bicycle Book – Richard Ballantine (bicicletismo urbano)
Human Powered-Vehicles – Allan V. Abbott e David Gordon Wilson (propulsão humana)