© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Bicicletas em Equilíbrio
Fábio Magnani
[publicado originalmente em maio de 2011]
Durante um bom tempo eu andei muito de bicicleta, desde a minha infância até o meio da universidade. Nesse tempo todo só tive duas: uma Monareta roxa e uma Monark Super 10 azul, que depois pintei de branco e depois pintei de vinho. Da mesma forma que os motoqueiros mais antigos acham estranho usar capacete para andar de moto, eu também estranho um pouco os ciclistas de hoje em dia, que andam de bicicleta naqueles passeios grupais noturnos, com luzinhas, capacete, roupa com cores vivas e bicicletas que custam mais caro que a minha moto. Eu não consigo me ver andando em um grupo protegido por batedores da polícia. Sou do tempo em que se andava sozinho pelas ruas, dividindo o caminho ombro a ombro com os ônibus. Nada contra os dia de hoje, mas tem certas coisas com as quais você não consegue se adaptar. Tenho consciência que o errado sou eu. Eu até andaria de bicicleta de novo para ir ao trabalho, mas aqui em Recife não temos estrutura para guardar as bicicletas, não podemos levá-las nos ônibus e nem temos lugar para tomar banho. Voto em qualquer vereador que lute por melhores condições para os ciclistas irem ao trabalho.
Desde que eu me lembro, todo dia à tarde eu pegava minha Monareta para explorar as redondezas e observar a estranha normalidade das pessoas. Já com meus 17 anos, ainda em Osvaldo Cruz, sempre que dava eu matava aula pegar a estrada. O duro era quando furava o pneu. Como eu não tinha kit de reparo, eu tinha que empurrar até alguma cidade para procurar uma bicicletaria. Ou então pegava carona com alguma Kombi; ou com o trem, que naquela época ainda passava por lá.
Em Florianópolis eu rodava pela ilha toda, continuando com a minha mania de matar aula para andar de bicicleta. Isso é interessante, pois eu sempre fui um bom estudante, tirava notas boas na escola e depois fui trabalhar como professor universitário, mas, por mais engraçado que pareça, eu nunca gostei de assistir aula. Se o professor não fizesse chamada, eu preferia estudar sozinho. Se ele obrigasse a assistir aula, eu fazia questão de faltar a todas as aulas a que tinha direito. Mas eu não andava só durante o dia. Cansei de rodar sozinho à noite e de madrugada pelo centro deserto da cidade.
Nos anos 80 tinha uns filmes legais de bicicleta. Eu me lembro de três. Flashdance (1983) é sobre uma soldadora que quer ser dançarina. Não é bem um filme sobre bicicletas, mas mostra uma mulher que vive em uma cidade grande, é independente e busca os seus sonhos. Acho bem legal o lugar onde ela mora, um estúdio completo. Mesmo que apareça pouco, a bicicleta é um símbolo importante da individualidade da moça. Quicksilver (1986) mostra um cara que perde tudo investindo errado na bolsa de valores e depois tem que ir ganhar a vida como entregador. Esse aqui sim é sobre bicicletas, pois o cara usa o mundo das bicicletas para renascer. O meu preferido é American Flyers (1985), que conta a história de dois irmãos que competem nas serras do Colorado. Foi com esse filme que eu descobri que era possível andar de bicicleta na estrada.
Na época desses filmes eu ainda vivia no interior, então nunca tinha visto as pessoas andando de bicicleta na estrada. Mesmo nas ruas, só havia crianças brincando, ou então trabalhadores que não tinham dinheiro para comprar um carro. Uma cidade pequena não é lá uma grande fonte de exemplos. A previsibilidade é mais importante do que a diversidade. Para mim, era impensável que um adulto tivesse o direito de se divertir daquele jeito, de impregnar a sua vida de maneira tão forte com as bicicletas. Ainda bem que existiam aqueles filmes para me mostrar que outras formas de vida eram possíveis, que existiam outros mundos lá fora e que era normal rodar sem rumo por aí.