Livro: Um Motoqueiro Existencialista
Fábio Magnani
[publicado originalmente em maio de 2017]
Sei que que andam falando por aí que eu só sou motoqueiro como desculpa para poder andar sozinho pela cidade. Para poder colocar um capacete na cabeça e daí não precisar falar com mais ninguém. Para poder afastar as pessoas com a minha roupa preta e minha moto barulhenta. Sei muito bem que espalham que não eu não tenho amigos. Pode até ser que eu não tenha tantos amigos assim, mas claro que tenho amigos. O negócio é que eu sou muito exigente.
Oscar Wilde
Eu escolho meus amigos não pela cor da pele ou outro traço qualquer, mas pela pupila. Têm que ter um brilho que questione e um tom que inquieta. Não me interesso pelos bons de espírito nem pelos maus de hábito. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, eu quero meu avesso. Quero que me tragam dúvidas e medos, e que tolerem o que há de pior em mim. Mas isso, só sendo um louco. Quero santos para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças. Escolho os amigos pela cara lavada e pela alma exposta. Não quero só um ombro e um colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto. Todos os meus amigos são assim, metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis nem choros cheios de piedade. Eu quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de conhecimento, mas que lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos, quero-os metade infância e outra metade vehice. Crianças para que não esqueçam o valor do vento no rosto, e velhice para que nunca tenham pressa. Eu tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo bobos e sérios, loucos e santos, crianças e velhos, eu nunca me esquecerei que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.