Iguanas Flamejantes


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Ficções em Duas Rodas

IGUANAS FLAMEJANTES
Fábio Magnani
[publicado originalmente em dezembro de 2011]

Iconoclasta. (subs. fem. masc., do grego eikonoklástes, lit.: destruidor de imagem). Pessoa que destrói imagens religiosas ou se opõe à sua veneração, elemento que ataca crenças ou instituições estabelecidas, motoqueiro ou motoqueira que desrespeita as tradições motoqueirísticas.

No mundo dos motoqueiros, assim como em qualquer outro lugar, há todo tipo de gente. Para quem olha de fora, aparentemente todos são maloqueiros, pois usam roupas diferentes e arriscam suas vidas no trânsito. Mas, mesmo com a imagem de rebeldes, às vezes são extremamente conservadores, machistas, xenófobos e defensores da ignorância. Mesmo com imagem de rebeldes, às vezes são libertários, harmoniosos, fortes e únicos. São humanos. Legal.

Embora o mundo real dos motoqueiros tenha toda essa diversidade saudável, os livros e os filmes não expressam isso muito bem. Nessas produções, em geral os motoqueiros são retrógrados e conservadores, amantes da hierarquia militar e imitadores baratos uns dos outros. Esses personagens não representam o que realmente é importante para um motoqueiro: o equilíbrio entre a vida e a morte, o contato físico com o mundo real, a quase infantil crítica aos cidadãos acomodados, a expansão da capacidade física em prol do movimento e o estabelecimento de uma ordem caótica no fluir das motos pelo trânsito das cidades. Os motoqueiros que cruzam as cidades e rodam nas estradas não têm nada a ver com esses filmes e livros.

Ainda bem que de tempos em tempos aparece um escritor com coragem de enfrentar feudos literários e cinematográficos. Em 1997, Érica Lopez escreveu Flaming Iguanas (Iguanas Flamejantes), um livro sobre motoqueirismo que acaba com qualquer visão estereotipada que rode por aí.

A personagem principal do livro é Tomato Rodriguez, uma versão fictícia da própria autora. Ela não sabe se é lésbica ou hetero, não sabe se é porto riquenha ou americana, se é branca ou negra, se nasceu para andar de moto ou não, se é gostosa ou gorda. Para buscar uma resposta, aprende pilotar e sai nas estradas com a sua amiga Madalegna. Logo no início as duas já brigam pelo nome do novo motoclube, então cada uma funda a sua gangue de uma pessoa só – a de Tomato é Flaming Iguanas e a de Madalegna Snowballs. Já dá para perceber como foi a harmonia das duas na viagem toda, principalmente quando Madalegna começa cheirar mal porque não abaixa direito a calça ao fazer xixi no mato.

O livro é super neurótico, escrito em primeira pessoa e cheio de humor. Não há bem uma linha na estória, já que Tomato passa a maior parte do tempo lembrando de sua vida – das mais insignificantes besteiras até os eventos mais importantes. No final ela chega à conclusão que não é muito legal esconder as coisas debaixo do tapete da memória. Mas sim que a pessoa tem que conquistar a liberdade de sentir raiva, vergonha, excitação, egoísmo e tudo o mais que nos faz sermos humanos.

Os temas principais aparentemente são dúvidas sobre a sexualidade e claro que motos. Mas acho que, no fundo, a mensagem do livro é que cada pessoa deve buscar o seu próprio caminho, que não há modelos a seguir. Como uma boa motoqueira, Lopez tira o silencioso das suas palavras e usa temas chocantes para acordar as pessoas que estão sonolentas dentro dos seus carros com ar condicionado.

Tomato é nova no motoqueirismo, então outras grandes preocupações dela são os possíveis acidentes, os caminhões que a jogam para fora da estrada e a mensagem trazida pelos animais mortos no asfalto. Tudo é bem exagerado para ser engraçado, mas, como no resto do livro, lá no fundo discute seriamente a nossa relação com a morte.

O livro vem cheio de gravuras feitas pela própria Érika Lopez. Foi tão bem aceito que teve até duas continuações: They Call Me Mad Dog (1998) e Hoochie Mama (2001).

Para falar a verdade, não é bem o meu estilo de livro, com todo aquele humor autodepreciativo e as divagações intermináveis. É um prato cheio para quem gosta de stand up comedy. Mas, embora eu não goste do estilo, acho uma obra importante.

Toda a discussão sobre o lesbianismo é algo que passa longe das minhas preocupações, mais uma razão para eu achar o livro um pouco repetitivo. Por outro lado, é muito bom ver uma escritora ter a coragem de falar o que tem vontade, de quebrar as imagens convencionais que se tem dos motoqueiros e de mostrar que o caminho é feito por cada um, sem mapas e sem GPS.

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