© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motoqueiros Famosos
Fábio Magnani
[publicado originalmente em julho de 2009]
A verdade é que eu não gosto nada da ideia de separar quem anda de moto em homens motoqueiros e mulheres motoqueiras, e quem escreve em escritores homens e escritoras mulheres. Cada pessoa é diferente da outra. Mas não posso deixar de notar duas coisas. A primeira é que existem pouquíssimos livros de mulheres motoqueiras. A segunda é que esses poucos livros que existem são excelentes. Separei três livros da minha estante para comentar um pouco.
O mais divertido dos três é “Lois on the Loose”, escrito por Lois Pryce e publicado em 2007. Lois largou tudo na Inglaterra para percorrer as Américas. Andou 32.000 km, dormiu em um bordel no México, caiu na Patagônia, conheceu as mais variadas figuras e sempre se saiu bem com os machistas latino-americanos. Tudo em uma moto trail de 225cc. O seu humor inglês é imbatível. Viajando sozinha, foi totalmente destemida, pois como ela sempre diz: você precisa deixar de lado aqueles que só te alertam sobre o pior e sempre ver o lado bom das coisas. Afinal, ser sequestrada na Colômbia significaria economia com hotéis. E sobre as torturas, pensando bem, existem pessoas que pagam muito dinheiro por isso em Londres.
Karen Larsen nos traz um livro bem diferente. Introspectiva, no meio de uma relação sem reciprocidade, depois de ter andado pelo mundo em ajudas humanitárias, Karen resolve pegar a sua moto para se reencontrar. O motivo inicial da viagem era encontrar a família de sua mãe biológica. Só que a viagem acaba sendo muito mais do que isso, pois na realidade a mulher faz uma audaciosa viagem dentro de sua própria psique, buscando descobrir quem realmente é, quais são os seus valores e qual é a sua identidade. Andou 24.000 km pela América, conhecendo pessoas, vencendo o cansaço físico e mental. Uma mulher aparentemente de corpo frágil para as 1200cc de sua Harley Davidson, Karen nunca deixou-se dominar pela máquina. Ao invés, tornaram-se companheiras. Com um olhar para frente e outro olhar para o interior, “Breaking the Limit” é um livro profundo e emocionante.
Melissa Holbrook Pierson, pelo o que eu saiba, nunca fez uma viagem grande de moto. Mas fez do motoqueirismo a sua vida. Para mim, o seu livro “The Perfect Vehicle – What it is About Motorcycles”, de 1997, não é um livro de motocicleta escrito por mulher. Também não é um livro de motocicleta. Para mim é O livro de motocicleta. Melissa conta como nasceu o seu amor, os seus temores, as alegrias. Sabe quando a gente está escrevendo um relato, mas chega em uma hora que não tem palavras para explicar a imensa alegria que você sentiu na moto? Pois é, Melissa tem as palavras. Além disso, ela fala sobre como os motoqueiros são vistos pelos outros, encontros, motoqueiros deficientes físicos, romances, motos, motos e motos. Se eu precisasse comentar o livro “The Perfect Vehicle” em poucas palavras, diria: “O Livro Perfeito do Motoqueirismo”.
Infelizmente as pessoas são algumas vezes rotuladas em homens motoqueiros e mulheres motoqueiras. Como se o sexo da pessoa fosse a sua principal característica, mais importante que a coragem, o caráter, a inteligência, a empatia e a leveza. Existem motoqueiros corajosos e covardes, honrados e falsos, sábios e turrões, egoístas e solidários, leves e profundos. Tristemente, algumas pessoas veem as mulheres motoqueiras solitárias como sendo disponíveis e promíscuas. Seria fácil deixar essas pobres almas de lado, mas elas podem trazer riscos à segurança dessas viajantes. Nicki McCormick e Lois Price escrevem uma seção no livro “Adventure Motorcycling Handbook”, de Chris Scott, onde dão um monte de dicas muito engraçadas de como lidar com isso. Quando deixar o feminismo de lado, fazendo-se de donzela para conseguir ajuda na estrada. Como se impor para que os homens as vejam como as motoqueiras destemidas e respeitáveis que são, e não como presas. Mas, como dizem elas, sem afastar demais os homens porque uma apalpadela ou beliscão na rua, como sinal de admiração, também não são tão ruins assim.
Mas, será que as mulheres são diferentes dos homens? Lois Pryce é reativa? É, como Glen Heggstad (“Two Wheels Trough Terror”). Karen Larsen é dramática? É, como Neil Peart (“Ghost Rider”). Melissa Pierson é sensível? É, como Charles Boorman (“Race to Dakar”). Lois Pryce é tagarela? É, como Vince Austin (“Mondo Enduro”). Melissa Pierson é sábia? É, como Ted Simon (“Jupiter Travels”).
No final das contas, existem grandes pessoas, grandes escritores e grandes motoqueiros. Karen, Melissa e Lois são os três. Ponto.