© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motocicletas de Mármore
Fábio Magnani
[publicado originalmente em maio de 2015]
Ralph Nader é um marco na luta contra os carros moedores de carne. Um dos livros mais importantes na história da indústria do automóvel é “Unsafe at Any Speed” (Inseguro em Qualquer Velocidade, 1965), no qual o autor Ralph Nader expõe a indústria automotiva por essa não se importar se os carros comercializados são inseguros, ineficientes ou poluidores. Claro que, depois da publicação, Ralph Nader foi atacado ferozmente pelas empresas, pela mídia, pela academia e pelo governo, que tentaram silenciá-lo e desmoralizá-lo. Não conseguiram. O seu livro serviu como uma das ferramentas culturais para que as fábricas de automóveis deixassem de ser as “queridinhas da América”. Foi um trabalho que deu fôlego para a luta pela regulamentação dessas máquinas de moer carne. Às vezes, algumas pessoas, como Ralph Nader, se autossacrificam para alcançar um bom resultado coletivo no final. Agem como se estivessem em um jogo de xadrez. Parece triste, é certo, mas quem pode dizer que os bispos, cruzando o tabuleiro em diagonal para abrir as defesas do inimigo, não se divertem um monte antes de morrerem? Um brinde!
Haagen-Smit foi outro grande herói na luta contra a indústria de automóveis, constituída, como sabemos hoje, por empresas retrógradas que comercializam carros lustrosos, mas imundos, mortais, perdulários e ineficientes. Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que as fábricas de automóveis eram vistas como as propulsoras do mundo, como muitos pateticamente ainda acham aqui em Pernambuco, como se o propalado aumento do PIB fosse ser distribuído com a população, como se a isenção fiscal, subsídios e os gastos com acidentes não fossem tão caros, como se o consumo dos cidadãos com combustível não acabasse com qualquer vantagem de ter alguns novos empregos por aqui. Só depois de trabalhos como de Haagen-Smit (poluição) e Ralph Nader (acidentes) – entre muitos outros trabalhos importantes e batalhas legais -, é que passamos a entender que os automóveis só fazem bem para as próprias fábricas. Afinal, os automóveis trazem consigo os acidentes, a poluição, os congestionamentos e um imenso gasto mensal para os cidadãos, que, na falta de transporte coletivo, cidades orgânicas ou infraestrutura para bicicletas, têm que pagar por carros caríssimos e gasolina mais cara ainda.
Voltando ao professor Haagen-Smit, enquanto fazia pesquisa sobre vegetais na Califórnia, ele só estava preocupado em saber porque o smog (smog=smoke+fog, fumaça+neblina) atacava as suas plantas. Como ninguém sabia a fonte do tal smog, ele teve que descobrir: os carros! Ao publicar seus resultados, claro que a indústria de automóveis pagou acadêmicos, políticos, jornalistas e personalidades para acabar com a reputação de Haagen-Smit. Não conseguiram. O professor, que inicialmente só estava preocupado com suas plantas, “pegou ar” e resolveu provar definitivamente como os carros eram imundícies mortais. Além disso, acabou pegando gosto por uma certa autopromoção, a qual, aliada à sua excelência técnica, lhe deu força na mídia para divulgar a verdade sobre a indústria de automóveis e capital político para defender mais pesquisa e mais regulamentação em prol da qualidade do ar. Um brinde!