Livro: De Motoca na Estrada
Fábio Magnani
[publicado originalmente em julho de 2010]
Nesta viagem nos vimos em vários lugares que nos deixavam sem palavras, como que suspensos no tempo. A primeira visão dos Andes, o banho no Pacífico e estar no meio do Atacama, só para dar alguns exemplos. O problema é que sempre – em algum momento – tínhamos que parar a contemplação e seguir a viagem. Se fôssemos mariquinhas, em uma dessas situações teríamos dito: “Que lugar fantástico. Pena que ficamos tão pouco tempo e já tenhamos que ir embora”. Além disso – se fôssemos mariquinhas -, no momento da despedida do local teríamos, talvez, até deixado correr uma lágrima. Mas como somos machos, toda vez que nos víamos na situação de ter que ir embora de um lugar que gostamos muito, dizíamos: “Vamos embora desta bosta!”. Pode não ser algo de classe para ser dito, mas é coisa de macho!
Nos despedimos do Geraldinho em Foz do Iguaçu-PR. De lá, eu e o Wagner seguimos para Curitiba-PR. Como a estrada não tinha muitos atrativos, aproveitamos para retomar o prazer de simplesmente pilotar uma moto. Curvas, ultrapassagens, retões, subidas e descidas.
No sábado de manhã pegamos chuva na estrada. Tínhamos ainda 7 dias para chegar em Recife. Conheceríamos a Rio-Santos, o sul mineiro e pararíamos em alguma praia nordestina. Mas a saudade bateu mais forte. Olhamos um para o outro e falamos quase que em uníssono: “Vamos embora desta bosta!”.
O que se seguiu foi um Iron Butt triplo. 3.100 km em três dias. Com direito a cruzar São Paulo, contornar Curitiba e Belo Horizonte.
Sabem quando uma empresa quer te impressionar e diz algo do tipo: “Se colocássemos juntos todos os caminhões produzidos nos últimos 5 anos no Brasil poderíamos fazer uma fila ininterrupta de Belo Horizonte até Recife”? Bem… alguém resolveu fazer essa tal fila. Ficamos 2 dias inteiros ultrapassando caminhões em alta velocidade. Foi perigoso, acredito, mas para quem estava com saudade de uma boa andada de moto, foi excitante. A injeção constante de adrenalina fazia esquecermos o cansaço.
Para não perdermos tempo em desmontar as motos à noite nesses três dias, chegamos ao mais baixo nível de desleixo. Já havíamos desistido de tomar banho pela manhã há um certo tempo. Mas agora não havia tempo nem mais trocar de roupa… vão direto para o lixo.
Quando cheguei em casa, a Renata, a Gabriela e o Dante estavam à minha espera na sacada. Que mais alguém pode querer?
Nas outras viagens que fiz sempre chegava em casa já pensando na próxima. Mas desta vez foi diferente. Quero mais é aproveitar os três. Também quero aproveitar mais a minha moto, fazendo passeios com mais calma. Parando em uma sombra para tomar uma água e prosear com os moradores. Usei o dinheiro que economizei chegando alguns dias antes para comprar uma jaqueta de couro tradicional. Nada mais de Iron Butt ou grandes maratonas turísticas. Pelo menos por um tempo.
Desde que voltei do Atacama tenho saído bem menos de moto. Isso é porque tenho que apoiar a Renata, que faz doutorado. Os meus dois filhos também precisam de atenção. É certo que olhando superficialmente pode parecer que cansei de motos, rodando um pouco menos na estrada e me encontrando menos com outros motociclistas nos bares da cidade. Mas é exatamente o contrário. A permanência no deserto, mesmo que por um tempo quase que insignificante, fez com que eu percebesse um pouco melhor o que realmente importa. Fez com que eu me permitisse levar a minha vida acadêmica à moto e a moto à minha vida acadêmica. Tenho escrito mais sobre motos. Além disso, tenho conseguido compreender melhor a minha relação com a moto do ponto de vista psicológico, filosófico, físico, sociológico, cultural e espiritual. Tenho estudado muito sobre esses aspectos e entrado em contato com um monte de gente nova que consegue ver o motociclismo de formas bem diferentes. Se 2007 foi o ano em que descobri que havia um outro mundo à minha disposição – o motociclismo -, 2010 foi o ano em que descobri que tudo aquilo que aprendi no motociclismo pode inspirar toda a minha vida. 2010 tem sido um ano de grande aprendizado, tanto na estrada – na Viagem ao Atacama – quanto nos meus estudos. Espero que em breve eu tenha condições de trazer alguma coisa boa da união desses dois mundos. Contribuir de algum jeito, por mais humilde que possa ser o resultado. Em breve…
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Apresentação. A Viagem ao Atacama foi realizada em torno de janeiro de 2010. Durante 38 dias, quatro amigos – Fábio, Renata, Wagner e Geraldinho – percorreram cerca de 15.000 km em suas motos. Com saída e chegada em Pernambuco, passaram por grande parte do Brasil e conheceram a Argentina e o Chile. A história toda começa em meados de 2008 – lá no início da preparação -, mas não tem tempo para acabar, pois os reflexos continuam aparecendo a cada dia que passa. Planejamento, amizade, trabalho em time, resolução de conflitos, natureza, estrada, crescimento pessoal, aprendizado e amor pelas motocicletas. A viagem é contada em três grandes séries: Planejamento (textos escritos antes da partida), Diário da Viagem (relatos publicados durante a viagem) e Crônicas do Atacama (pós-escritos, da qual faz parte este texto). Nunca é demais dizer que esta seção não tem fim programado. Se gostar, volte de vez em quando para ver as novidades.