Livro: De Motoca na Estrada
Fábio Magnani
[publicado originalmente em novembro de 2010]
Jujuy-AR fica a 1.500 km de Foz do Iguaçu-PR. Pelo o que tínhamos lido no guia, seriam grandes retas semi-áridas. Sempre com muito calor. O guia estava certo.
Os primeiros 150 km ao sul foram feitos em uma estrada moderna. Tivemos um pouco de dificuldade em encontrar a saída para a estrada 16. Esperamos na estrada até que um casal de motoqueiros parou para explicar o caminho. Os outros 700 km foram por uma estrada muito parecida com as vicinais do semi-árido nordestino. Isso era bom porque fazia com que nos sentíssemos em casa.
Em Taco Pozo-AR enfrentamos uma tempestade de borboletas. Rodamos mais de 30 km no meio daquela nuvem. Ao pararmos em um posto estávamos – nós e as motos – completamente amarelos. Nos limpamos rapidamente na torneira do banheiro.
Ao sairmos do posto eu tive a idéia de brincar com o Wagner, que estava perto do escape da minha moto. Acelerei o motor com a mão cheia, fazendo com que saísse uma fumaça muito preta do escapamento. Estava explicado o alto consumo da moto. Como na argentina e no Chile não há álcool misturado na gasolina, a minha moto – que tem o motor regulado para o Brasil – estava trabalhando com uma mistura muito rica. Então parte do combustível não era queimado, formando depósitos de carbono sólido. Chegando no Brasil isso seria resolvido com uma simples limpeza na vela.
Chegando perto de Corrientes, já no meio da tarde, paramos em um posto para conversar. Daí percebemos que era a primeira vez que parávamos com mais tranqüilidade. O clima isolado do lugar e o calor da tarde também colaboravam para isso. O ambiente estava tão gostoso que até os frentistas entraram na conversa, lavando as nossas motos enquanto ouviam nossas histórias. Eles não estavam fazendo um trabalho, mas sim um agrado a amigos que nunca tinham visto.
Dormimos em Corrientes-AR. Quando eu fui preparar a moto para sairmos, percebi que a trava da corrente – que eu tinha colocado lá no Chile – tinha caído. Saímos rodando a cidade para encontramos alguém que nos ajudasse. Depois de várias oficinas, nos indicaram a Yamaha. O rapaz tinha uma trava genérica, que seguraria a corrente por mais um tempo, mas era perigoso arriscar mais. Ele então sugeriu que fôssemos até a Honda. Por sorte eles tinham o jogo de elo-final e trava para a minha corrente. Ao contrário do que acontece no Brasil – onde uma moto da Yamaha não pode nem chegar perto de uma concessionária Honda, e vice-versa – eles arrumaram a minha moto sem problema algum. Legal.
A estrada aqui foi ficando cada vez mais monótona. Isso poderia parecer chato, mas liberava a nossa mente para nos concentramos mais na pilotagem da nossas motos.
Os últimos 100 km antes de chegarmos na fronteira com o Brasil foram totalmente irresponsáveis. Estávamos tão excitados por voltar que começamos a correr bem mais do que estávamos acostumados naquelas terras estrangeiras. Sorte que não fomos parados pelos policiais que faziam treinamento na estrada. Mais sorte ainda não termos nos acidentado. Na próxima vez que eu voltar ao Brasil, vou deixar os últimos 100 km para o ínicio da manhã, não para o final de um dia cheio como tínhamos feito. Isso diminui o risco e permite aproveitar mais a chegada.
Paramos dois dias em Foz do Iguaçu-PR para descansarmos e revisarmos as motos. Trocamos as velas carbonizadas, óleo e os pneus. A trava da corrente havia caído de novo. A solução foi forçar uma emenda definitiva, achatando os pinos do elo-final. Compramos umas bugigangas no Paraguai e aproveitamos para mandar toda a bagagem desnecessárias pelo correio. Estávamos a apenas 3.600 km de casa agora. Um pulinho.
O plano era rodarmos com calma mais uma semana pelo litoral de São Paulo e Rio de Janeiro, explorando a Rio-Santos. Mas o Geraldinho recebeu um telefonema de que era hora de ir para casa. Sua filha tinha tido um problema de saúde durante a viagem. Sua família não tinha contado nada para não estragar o passeio. Estava tudo bem agora, mas eles o queriam em casa.
Ao sairmos de Foz do Iguaçu-PR, Geraldinho seguiu para Patos de Minas-MG, enquanto eu e o Wagner fomos para Campo Largo-PR, pertinho de Curitiba-PR. Agora nosso grupo tinha se desfeito quase que completamente. A Renata estava em casa com o nosso bebê. O Geraldinho logo estaria em casa com suas filhas. Só restávamos nós dois na estrada. Dormimos em Campo Largo-PR, a 3.100 km de Recife-PE. No outro dia pela manhã faríamos os novos planos.
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Apresentação. A Viagem ao Atacama foi realizada em torno de janeiro de 2010. Durante 38 dias, quatro amigos – Fábio, Renata, Wagner e Geraldinho – percorreram cerca de 15.000 km em suas motos. Com saída e chegada em Pernambuco, passaram por grande parte do Brasil e conheceram a Argentina e o Chile. A história toda começa em meados de 2008 – lá no início da preparação -, mas não tem tempo para acabar, pois os reflexos continuam aparecendo a cada dia que passa. Planejamento, amizade, trabalho em time, resolução de conflitos, natureza, estrada, crescimento pessoal, aprendizado e amor pelas motocicletas. A viagem é contada em três grandes séries: Planejamento (textos escritos antes da partida), Diário da Viagem (relatos publicados durante a viagem) e Crônicas do Atacama (pós-escritos, da qual faz parte este texto). Nunca é demais dizer que esta seção não tem fim programado. Se gostar, volte de vez em quando para ver as novidades.