Livro: De Motoca na Estrada
Fábio Magnani
[publicado originalmente em junho de 2010]
Dizem que os gerentes cuidam das coisas e os líderes das pessoas. Concordo. Isso ficou muito claro na Viagem ao Atacama. Em alguns casos – como quando chegamos em Córdoba sem falar uma única palavra em espanhol -, precisamos de toda uma organização de mapas, GPS e guias para encontrar algum hotel. Precisávamos de gerência. Mas quando as pessoas do time começaram a mostrar cansaço pela rotina diária de andar de moto, sempre longe da família, era preciso reafirmar porque estávamos ali. Precisávamos de liderança.
Ao nos propormos a fazer uma viagem de moto tão longa, sempre tivemos uma missão: conhecer novas pessoas, lugares e situações, usando a moto como meio de transporte, lazer e de expressão de nossos valores. Como assim, como andar de moto pode expressar valores? Simples. Quem anda de moto deixa claro que quer se integrar ao máximo com o ambiente por onde passa, ao mesmo tempo que espalha pelo mundo a mensagem de que devemos respeitar os riscos que a vida nos trás, mas que nem por isso devemos deixar de viver.
Só que para conhecer as pessoas, expressar valores e curtir a vida, é preciso ir aos lugares. É preciso chegar nas cidades desejadas, com a moto funcionando, mais ou menos na data prevista. Esses eram os objetivos da viagem: ir e voltar do Atacama, com os dias e dinheiro disponíveis.
Gerência é a preocupação com os objetivos, liderança é a valorização da missão.
Embora os gerentes apareçam mais – como chatos que exigem prazos e horários -, são os líderes que fazem a viagem valer a pena. No começo, convidam as pessoas do grupo inicial, dando relevância para a missão da viagem. Depois, na formação do grupo e durante a viagem, tentam resolver ao máximo os conflitos. Mas, acima de tudo, o líder deve reafirmar diariamente porque estamos ali: andar de moto com alegria, conhecendo de verdade as pessoas e os lugares.
Eu não acho possível fazer uma viagem legal com apenas um líder. Todos devem fazer a sua parte, mostrando entusiasmo quando os outros estão cansados, desarmando os corações quando os outros estão em conflito, tendo calma quando aparece alguma crise e sempre inspirando os outros a viver a viagem. Ninguém consegue fazer tudo isso, o tempo todo. Felizmente, na nossa Viagem ao Atacama, conseguimos preencher sucessivamente o papel de liderança quando necessário. Cada um com sua característica principal – compaixão, emotividade, obstinação e objetividade -, teve a coragem de tomar as rédeas quando foi necessário.
Penso que o principal motivo de insucesso nos times de motociclistas – que viajam, passeiam ou se encontram -, é algum tipo de crise de liderança. Às vezes há uma confusão entre a posição de comando e a de liderança. Os dois são necessários e não precisam ser cumpridos pela mesma pessoa. Quem comanda só é responsável pelos horários, são os líderes que inspiram as pessoas, influenciam no rumo, tomam a responsabilidade pelas decisões, ressaltam os valores e facilitam os relacionamentos.
Comando sem liderança significa encontros sem vida. Liderança sem comando resulta em frustrações e perda de tempo. Tudo dá errado quando um líder mina as posições de comando, ou quando um gerente minimiza a importância do líder. Exemplos clássicos são um líder que se atrasa todo dia só para marcar a posição de que não é comandado, ou então um gerente que só se preocupa com os horários, insensível às necessidades do time de se integrar melhor por meio de brincadeiras.
Embora formalmente o gerente esteja acima na hierarquia, é o líder quem é respeitado por todos. Quando um líder é medíocre, fica enciumado por não ser reconhecido oficialmente. Então vira um líder negativo, destruindo tudo. Um líder de verdade precisa ser seguro de sua posição e ter uma visão clara da missão do time.
Um verdadeiro líder não ordena, inspira. Liderança não tem nada a ver com autoridade. Muito pelo contrário, pois a liderança tem que passar por todos do time, dependendo da situação. Embora eu tenha gerenciado boa parte da Viagem ao Atacama, tenho muito orgulho de ter feito uma viagem muito legal, tendo sido liderado ¾ do tempo pelo Geraldinho, Wagner e Renata. E nos outros ¼ tendo assumido, espero, a minha responsabilidade como líder.
– – –
Apresentação. A Viagem ao Atacama foi realizada em torno de janeiro de 2010. Durante 38 dias, quatro amigos – Fábio, Renata, Wagner e Geraldinho – percorreram cerca de 15.000 km em suas motos. Com saída e chegada em Pernambuco, passaram por grande parte do Brasil e conheceram a Argentina e o Chile. A história toda começa em meados de 2008 – lá no início da preparação -, mas não tem tempo para acabar, pois os reflexos continuam aparecendo a cada dia que passa. Planejamento, amizade, trabalho em time, resolução de conflitos, natureza, estrada, crescimento pessoal, aprendizado e amor pelas motocicletas. A viagem é contada em três grandes séries: Planejamento (textos escritos antes da partida), Diário da Viagem (relatos publicados durante a viagem) e Crônicas do Atacama (pós-escritos, da qual faz parte este texto). Nunca é demais dizer que esta seção não tem fim programado. Se gostar, volte de vez em quando para ver as novidades.