Livro: De Motoca na Estrada
Fábio Magnani
[publicado originalmente em novembro de 2010]
14.11.2010 – Um Dia no Agreste
Assim que saio aqui de casa posso escolher dois caminhos. Pela esquerda tem uma rua asfaltada, pela direita um caminho de terra todo esburacado. Outro dia percebi que ultimamente tenho escolhido sempre o de terra. Hora de pegar a estrada!
Acho que nem me lembro da última vez que saí de moto sozinho. Isso era bem comum quando eu rodava de Falcon, mas foi diminuindo com o tempo. É legal andar em grupo, mas de vez em quando é bom andar no seu próprio ritmo.
Hoje em dia eu só uso o GPS para saber que horas o sol vai nascer. Daí é só sair uns 20 minutos antes. Desse jeito, assim que eu pego a minha moto debaixo das árvores aqui de casa, sou saudado por uma cantoria de passarinhos. O sol vem logo depois, na estrada, dando sinal de luz alta no meu retrovisor, como se quisesse avisar que ia pegar a estrada também.
A primeira parada foi em Guadalajara-PE. Uma cidadezinha aqui perto de Recife-PE. Tudo lembra o interior. Mulheres indo para a missa, o campo de futebol do lado da estrada, os bêbados do final de semana e a feira. Eu adoro alguns nomes de cidades, como esse de Guadalajara-PE. As pessoas devem se sentir especiais por ali. Aqui por perto também tem Buenos Aires-PE. Outro dia quero ver se faço um tour por essas cidades com nomes distantes. Aqui em Pernambuco, acho, não há tantas cidades em homenagem a pessoas, como no sudeste. Parece que a maioria é de origem indígena. Mas tem outras que nos fazem imaginar a sua origem. Como Glória do Goitá-PE, onde passei logo depois. Goitá é o nome do rio. Já pensou como não deve ser morar em um lugar que é a glória de todo um rio? Legal.
O dia não prometia chuva. Bom para pilotar. Aqui perto de Recife-PE só chove no meio do ano, ao contrário de quase todo o resto do Brasil. Mas mesmo assim, naquelas primeiras horas da manhã, ainda peguei um pouco de neblina nas baixadas dos rios.
Dá para ir de Recife-PE até Caruaru-PE pela BR-232, que é uma pista duplicada quase sem curvas. Legal para quem tem esportivas e não quer quase fazer curvas. Como era um domingo de manhã, eu estava com a minha moto e sem pressa nenhuma, preferi ir pelo caminho de Paudalho-PE, Glória do Goitá-PE e Passira-PE. São estradas vicinais, quase sem acostamento. Mas cheia de subidas e descidas, curvas para fazer devagar e cidadezinhas espalhadas. Dá para saber o tamanho de uma cidade pelo comportamento dos seus cachorros. Em uma cidade acostumada com trânsito, os cachorros nem dão bola para as motos. Mas em uma cidade mais isolada, o divertimento é correr atrás do meu calcanhar. E eles são espertos, pois ficam me esperando perto dos quebra-molas, onde tenho que passar mais devagar.
Eu não sei distinguir onde começa e termina cada uma das regiões aqui de Pernambuco. Só sei que Paudalho-PE fica na Zona da Mata e Caruaru-PE fica no Agreste. Na passagem de um lugar para o outro você vai vendo cada vez menos gente, mais bodes e carros de boi.
A mente também vai ficando mais desocupada. No começo do dia tudo é uma maravilha com o sol nascendo. Dali a pouco as preocupações começam a voltar. Isso é ruim porque sua mente não consegue lidar ao mesmo tempo com as preocupações do dia-a-dia e com as decisões da pilotagem. É só esperar mais um tempinho para que sua mente compreenda que pilotar é mais importante, pois sua vida está em jogo. Nesse momento a viagem começa a ficar uma delícia, porque tudo o que não é importante é jogado fora, você só tem espaço para pensar no que realmente vale a pena. É uma sensação muito boa, difícil para mim de alcançar sem ser em cima de uma moto.
Em algum lugar a oeste de Caruaru-PE começa a Caatinga. Os arbustos são verdes, porque o tempo ainda não está muito seco nesta época do ano.
Depois 280 km, parei para tomar um café e abastecer em Arcoverde-PE. Coisa de 20 minutos.
Virei para o sul, para passar ao lado do Vale do Catimbau. Esse é um dos lugares mais legais para se passear aqui em Pernambuco. Não tenho uma lembrança muito boa porque levamos um tombo aqui em 2008. Nada grave, mas deu um certo trabalho arrumar a Falcon depois. O Vale do Catimbau é a nossa Chapada Diamantina. Pena que não tem rios e cachoeiras. Mas por outro lado também não é cheio de turistas.
O clima aqui perto do Catimbau, por volta das 10 da manhã, começa a ficar seco e um pouco mais quente. Estavam reformando a estrada, então peguei terra, buracos, brita e asfalto novo. Bom para lembrar como é andar de moto no mundo real. Era esse tipo de coisa que eu estava precisando quando pegava a rua esburacada lá perto de casa.
O caminho por perto de Águas Belas-PE não é muito sinalizado. Bom porque, mesmo estando ainda em Pernambuco, dá uma certa sensação de estar perdido. Você nunca sabe onde está exatamente. Eu poderia pegar o GPS na minha bolsa. Mas não faço, a não ser que minha moto quebre e eu precise de ajuda. Como ela não quebra, a valente, então o GPS vai e volta guardado.
Em Águas Belas-PE eu começo a volta para o litoral. Mesmo sendo feriado, a estrada que vem de Paulo Afonso-BA tem movimento de caminhões. Um pouco antes de Garanhuns-PE atinjo a altitude de 950m. Para quem vive no mar, já é alguma coisa. Lá em cima já é Agreste novamente.
Se eu tivesse que eleger o carro do sertão diria que é a Caravan, aquele carro da Chevrolet. Todo lugar que você anda tem uma delas rodando na estrada. Acho que o pessoal gosta porque dá para carregar bastante coisa. Deve existir toda uma rede informal de distribuição de peças e conhecimento especializado em manutenção. Outro dia quero investigar isso melhor.
Desço até Catende-PE. Essa região é muito bonita, cheia de cachoeiras mais ou menos desconhecidas. É conhecida como a Região das Águas de Pernambuco. Para chegar dali até Bezerros-PE você tem que passar de novo por um trecho sem muita sinalização. Perfeito para parar aqui e ali para pedir informação nas barraquinhas e vilas.
Em Bezerros-PE encontro a tão falada BR-232. Dali até Recife-PE a única atração é a descida da Serra das Russas. A uns 70km de Recife-PE, é uma delícia para pilotar. Além disso, quando chego de uma viagem mais longa, é quando passo por ali que começo a me sentir em casa.
Foi isso. Um tempão sem sair de moto. Litoral, Zona da Mata, Agreste e Caatinga. Cidadezinhas e grandes estradas. 800 km com a minha moto rodando sem nenhum problema. Um dia perfeito.