Livro: De Motoca na Estrada
Fábio Magnani
[publicado originalmente em maio de 2011]
O meu estilo de viagem é sair logo com o nascer-do-sol. Depois tento andar de moto o máximo possível, aproveitando as estradas e o visual. É que o que eu gosto mesmo é de andar de moto. Só que daí não sobra tanto tempo assim para conhecer bem os parques nacionais e as cidades. Por isso muitas vezes contrato um guia de turismo para mostrar os lugares. A grande parte dos guias é de gente muito legal, que conhece muito do lugar e que sabe respeitar o ritmo de cada um. Mas têm algumas situações que saem um pouco da normalidade.
Há muitos anos atrás eu estava em São Paulo a trabalho. Sou paulista do interior mas não conheço quase nada da capital. Resolvi então participar de um City Tour promovido para turistas estrangeiros. Tinha que ser, porque só o matuto aqui para pagar para conhecer São Paulo. Pensei que a guia fosse falar em inglês ou com tradução simultânea. Mas assim que a van saiu, com mais 8 turistas, todos loiros de olhos azuis, percebi que o passeio todo seria falado em alemão. Só em alemão. Foi muito legal. Vi um prédio bonito, um viaduto charmoso, uma praça bem grandona e um estádio de futebol. O nome dos lugares? Sua história? Não faço a mínima idéia até hoje.
Os guias são de dois tipos: locais e estudiosos. Há aqueles que nasceram no lugar, passaram a vida toda por lá e agora criaram uma associação de guias. Falam sobre todas as lendas do lugar, curandeiros e almas penadas. Já outros estudaram em universidade e largaram tudo para viver no lugar de seus sonhos. Normalmente falam dos aspectos científicos do lugar; porque tais plantas não nascem ali, porque os bichos só saem a noite e por aí vai. Poucos são a mistura dos dois, habitantes locais que puderam estudar. Eu gosto dos dois tipos, pois adoro ouvir as histórias do lugar, mas também de entender o porque da geografia. Acho que isso é o legal: um matuto para contar da cultura e um cientista para explicar a natureza.
Nessas idas e vindas já entramos em situações estranhas. Uma guia que tinha medo das almas da floresta em que caminhávamos. A outra que só ficava defendendo a importância do instituto que pagava o seu salário. O outro que por estar atrasado falava de dentro do ônibus, que corria a 60 km/h, “à esquerda a igreja católica, à direita o prédio onde morreu o prefeito, à direita o campo de futebol da cidade. Obrigado. Até a próxima!”.
Já tivemos guias surpreendentes, como uma vez em que estávamos em uma igreja em Salvador. Um homem chegou do nada. Depois de um tempo começou a nos explicar a perspectiva das pinturas, histórias de contrabandistas, brigas entre ordens monásticas, técnicas de restauração de órgãos e fofocas da nobreza antiga. Depois ele se apresentou como o curador da igreja.
Há também aqueles clássicos guias meninos que decoram todo o texto. Os turistas acabam pagando só pelo gostinho de ficar interrompendo as crianças com perguntas bestas, para ouvi-los começar tudo de novo, já que só conseguem recitar as informações se retomarem do início.
Outros guias não conseguem perceber o desejo do turista. No Lajedo do Pai Mateus, onde queria conhecer a natureza, tive que ficar ouvindo sobre a vida dos artistas da Globo que filmaram por ali. Em Minas Gerais ficamos boa parte de um passeio no túmulo do Tancredo Neves, ao invés de conhecer a outra parte da cidade. Em Sete Cidades, ao invés de ver o pôr-do-sol em silêncio tive que ouvir um discurso sobre porque eu deveria ir ao forró de Piripiri ao invés de ficar naquele marasmo.
Sempre contamos com as informações que pegamos na estrada com os andarilhos, apesar de não serem guias. A história clássica aqui no nordeste é quando você pára a sua moto ao lado de um matuto, no meio de uma trilha, e pergunta o caminho para voltar para a estrada. O matuto, todo envergonhado por falar com um doutor da cidade, vem andando até você e responde: “É só virar prá esquerda no juazeiro”. Claro que ninguém tem coragem de assumir que não sabe o que é um juazeiro. Melhor morrer de fome perdido no meio da caatinga.
Outro dia estava perdido em uma estrada de terra quando avistei um velho. Parei para perguntar como chegava na estrada de asfalto. Ele respondeu que “de carro são 6 km se você continuar por este caminho”. De onde logo deduzi que seu não estivesse de carro – estava com a minha moto trail – e estivesse disposto a enfrentar uma trilha tortuosa, então haveria uma alternativa mais próxima. Perguntei então “e de moto?”. O velho olhou bem para os meus olhos e respondeu: “Também são 6 km!”. Sem comentários.
É fácil falar dos guias. É fácil falar de qualquer um! Mas às vezes – só às vezes -, tento me colocar no lugar deles. O que escreveriam em seu blog? Turistas são engraçados. Um dia apareceu por aqui um motoqueiro para andar na caatiga, ao sol do meio-dia, todo vestido de preto. Outro dia veio um cara com uma moto bem grandona, cheio de roupa de proteção, mas que andava bem devagarzinho na areia. Os motoboys de CG deram um banho de pilotagem neles. E aquele outro que foi apedrejado pelos macacos-prego?
Falando em macaco-prego (sim, assumo que eu mesmo fui quase apedrejado lá na Serra da Capivara por macacos mutantes assassinos de 3m de altura), lembrei de uma mulher que nos dava dicas de passeios na praia. Conhecemos a mulher faz-tudo no dia em que chegamos, ao chamarmos a recepção do hotel para avisar que a privada estava entupida. Lá vem a Dona Maria desintupir. Meia hora depois vimos uma aranha grande no teto do quarto. Eu não tinha nada para alcançar a aranha, então chamamos de novo a recepção. Lá vem a Dona Maria com uma grande vassoura para matar a bicha. No outro dia começaram a aparecer uns gatinhos recém-nascidos que insistiam em entrar no quarto. Como a Renata estava grávida, eu toda hora colocava eles para fora com medo de alguma zoonose. Mas voltavam mesmo assim. Então eu liguei para a recepção para pedir que levassem os gatinhos para outro lugar distante, porque a Renata não estava podendo aproveitar o gramado em frente ao quarto. Quem vem tirar os gatinhos? A Dona Maria, é claro. No terceiro dia eu estava indo para o restaurante quando vejo a Dona Maria empurrando um carrinho de roupas sujas pelo corredor. Como não havia espaço para nós dois, eu me encostei na parede para ela passar. Nisso ela olha para mim e diz “Tá com medo do carrinho também?”. Não quero nem imaginar como seria o blog da Dona Maria.
E você, já passou por uma situação assim?