O Caso da Ciclista Solitária


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Má-Criações em Duas Rodas

O CASO DA CICLISTA SOLITÁRIA
Fábio Magnani
[publicado originalmente em fevereiro de 2014]

Parecia mais uma tarde de domingo comum, quando eu e o meu caro amigo Dante Magnani saímos para o Paço Alfandega em busca dos mistérios recifenses que sempre são publicados nos jornais locais. Um pouco antes da banca de revistas, uma singular ciclista nos chamou a atenção. Descobrimos que se tratava de Ms. Violet Smith, professora privada de música em Farnham, imortalizada como a ‘Ciclista Solitária’ por Sir Arthur Conan Doyle. Ao seu lado estava o Dr. Thorneycroft Huxtable, fundador e diretor da ‘Escola do Priorado’, a melhor e mais seleta escola preparatória da Inglaterra, em Mackleton. Confesso que inicialmente ficamos tão atraídos pela beleza de Violet, magistralmente desenhada na capa do livro junto com uma daquelas modernas invenções de duas rodas chamadas de bicicletas, que portanto pouquíssima atenção demos ao Dr. Huxtable. Ao chegarmos em casa, no entanto, não pudemos nos furtar de consultar a nossa renomada e completíssima enciclopédia bicletística, que nos revelou que os textos de Sir Conan Doyle já haviam sido analisados previamente no livro ‘The Literary Cyclist’, publicado há mais de um quarto de século por James E. Starrs. Qual não foi a nossa surpresa ao percebermos, no capítulo dedicado ao personagem Sherlock Holmes, apenas uma pequena referência à estória de Ms. Violet Smith, enquanto muitas páginas resgatavam a saga do priorado que havíamos inicialmente desprezado: uma introdução, o texto original, fotos, mapas, ilustrações e, o que mais nos interessou, uma análise técnica sobre o que havia sido relatado pelo fiel Dr. John H. Watson. O fato é que o Dr. Watson nos contou que Sherlock Holmes havia resolvido o crime através da análise dos rastros deixados por duas bicicletas. Primeiro, ele teria conseguido diferenciar os rastros de um pneu Dunlop de um Palmer. Segundo, olhando para uma trilha ciclística no pântano, teria deduzido a direção da bicicleta. Tudo bem que ele tinha em sua memória prontamente o registro de 42 diferentes tipos de pneus. A questão que restava, no entanto, é como ele teria descoberto a direção tomada pela bicleta. No texto do Dr. Watson, ele afirmou que o pneu traseiro suportava mais peso, e portanto, a marca mais pesada (traseira) estaria sobre a mais leve (dianteira). O problema é que, como todos engenheiros sabem – em uma farsa literária desvendada primeiramente por Msgr. Ronald Knox e pelo Professor Jay Finley Christ – um bom veículo de duas rodas apresenta distribuição de peso entre as rodas de praticamente 50/50, imperceptível ao olho humano. Claro que o Dr. Holmes poderia ter dito que sabia da direção porque a roda dianteira das bicicletas tem uma oscilação lateral maior que a traseira, mas não comentou nada sobre isso. O resultado é que Sir Arthur Conan Doyle ficou arrasado com essa crítica, principalmente depois que o artista Irrazaga demonstrou experimentalmente que as duas rodas deixam marcas com a mesma profundidade. Sir Arthur Conan Doyle ficou arrasado, é certo, repito, mas não desistiu. Em um novo experimento, feito agora em terreno inclinado, percebeu que, se a bicicleta estivesse em uma subida, certamente a roda traseira teria carregado maior peso e deixado sim uma marca mais funda que dianteira. E veja, essa era exatamente a topologia da região em que investigavam Sherlock Holmes e o seu amigo Dr. Watson. Logo, concluímos que não houve embuste literário. A afirmação tinha fundamento científico. Caso resolvido! Dante e eu pudemos então repousar tranquilos, após confirmarmos o que já desconfiávamos desde o início, i.e., que há bem poucas coisas na vida mais interessantes que uma boa investigação literária. Há, é claro, mas são definitivamente raras, raríssimas. Quanto à belíssima ciclista solitária Ms. Violet Smith, apenas podemos dizer que agora é esposa de Cyril Morton, sócio majoritário da Morton & Kennedy, dos reputados eletricistas de Westminster.

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