© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motoqueiros Famosos
Fábio Magnani
[publicado originalmente em abril de 2012]
Muito do que se escreve sobre motoqueirismo nos jornais e nas revistas hoje em dia pode ser condensado em três conceitos: proibição, crime e consumo.
É proibido andar na garupa, é proibido andar no corredor, é proibido andar sem capacete, é proibido andar sobre apenas uma roda, é proibido acelerar demais, é proibido passar rápido pelos obstáculos, é proibido estacionar na calçada, é proibido estacionar nas vagas dos carros e, a minha lei preferida, é proibido cometer crimes usando capacete.
É proibido ser feliz.
O assaltante era um motoqueiro, quem sujou o piso do elevador foi um motoqueiro, quem causou o acidente foi o motoqueiro, o motoqueiro falou uma palavra feia, era a roupa do motoqueiro que cheirava mal, os motoqueiros falam errado, o motoqueiro perdeu o documento.
O motoqueiro deve morrer.
Compre uma moto maior, compre uma moto com pintura personalizada, compre novos acessórios, compre uma viagem de turismo inesquecível, compre uma roupa nova, compre o livro absoluto sobre motoqueirismo – mea culpa, mea maxima culpa -, compre a revista que vende tudo de moto, compre a assinatura da televisão a cabo que passa corridas, compre um GPS, compre um ABS, compre um curso de pilotagem, compre um controle de tração, compre um inibidor de quedas, compre um piloto automático, compre um fone de ouvido.
Compre e seja feliz.
Em resumo, o motoqueiro não pode nada e o motoqueiro é sempre o culpado. Agora, amigo motoqueiro, não pare de comprar nossos produtos, tá bom?
Não pode! Não pode! Culpado! Culpado! Compre! Compre! Compre!
Ainda bem que volta e meia aparece alguém que foge dos lugares comuns ideológicos – não pode, é perigoso, comprecomprecompre -, e nos mostra novas formas de ver e viver o motoqueirismo.
Estou escrevendo isso porque acabei de ler o livro Live to Ride: The Rumbling, Roaring World of Speed, Escape, and Adventure on Two Wheels (Wayne Johnson, 2011).
Cada capítulo é dedicado a um tipo de motoqueirismo.
“The Call of the Open Road” (O Chamado da Estrada) é sobre o que se sente pilotando uma moto na estrada. O que se sente fisicamente, emocionalmente e filosoficamente.
O capítulo “The Riders of the Apocalypse Find a New Mount” (Os Cavaleiros do Apocalipse Encontram uma Nova Montaria) conta o início de tudo, como a sociedade sempre tentou controlar, proibir, regular, enquadrar e discriminar quem anda sobre duas rodas. Isso mesmo, duas rodas, porque antes das motos as bicicletas eram as vilãs. E as mulheres então, que começaram a andar de bicicleta e moto para ir ao trabalho? Putas! Machorras! Mal amadas! Mas nem todo o preconceito conseguiu impedir que as motos invadissem o trânsito e que as mulheres tomassem o que lhes era de direito no mundo.
“Road Racing: Sex on Wheels” (Corrida de Pista: Sexo Sobre Rodas) descreve o prazer de andar à toda em uma pista de corrida, um prazer comparável ao fazer bom sexo.
Depois conta a explosão do motocross, supercross, enduro e trial no capítulo “Why Don’t We Do It in the Dirt?” (Por Que Não Fazemos na Lama?).
Em “MCers, 1%ers, Outlaw Bikers, and Club Riders: Brando, Barger, Balls and Bluster” (Motoclubes Fora-da-Lei) ele dá uma pincelada sobre os motoclubes, mas algo bem pontual, contando mais as suas experiências pessoais.
Então vai para uma modalidade que não é muito comum por aqui, mas é muito engraçada para ver no vídeo, que é tentar subir de moto uma montanha bem inclinada. “Widowmaker: Hill-Climbing Killer Extraordinaire” (Fazedoras de Viúvas) mostra o ambiente em torno dessas competições e descreve as modificações feitas nas motos. Algumas ficam estranhas, com suspensão de trail e motor de custom.
“At Last, Fastest Place on Earth: Salt Fever” (O Lugar Mais Rápido da Terra: a Febre do Sal) é sobre o deserto de Boneville, onde os malucos batem os recordes mundiais de velocidade.
O último capítulo, “The Ultimate Freedom Machine. (Just) Getting Out There” (A Máquina Absoluta de Liberdade), é sobre o prazer das longas viagens.
Claro que não é um livro perfeito. Eu senti falta de algumas formas de se viver o motoqueirismo: andar de moto no dia a dia, trabalhar com a moto em entregas, fazer malabarismos com a moto e fuçar na máquina.
Tudo bem, ninguém aqui está com pressa. Aos poucos vamos nos libertando dessa ideologia imposta de que o motoqueiro é proibido de quase tudo, é culpado de tudo e tem que comprar tudo. Esse tipo de livro, ao invés de ficar nesse negócio de “não pode”, “culpado” e “compre”, grita: Experimente! Mude a ordem! Mova-se!
Mais para o final do livro, o autor conta que depois de tantos anos no motoqueirismo finalmente aprendeu que era hora de parar de querer o tempo todo estar em outro lugar, ser outra pessoa, ter uma moto mais potente, comprar uma moto nova, ou andar mais rápido.
Ele aprendeu a simplesmente estar ali.
Ser. Só ser. Só?
De onde podemos concluir que a verdadeira e profunda mensagem do motoqueirismo é, como dizem os mestres Zen:
Transforma-te no que tu és.