© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motoqueiros Famosos
Fábio Magnani
[publicado originalmente em julho de 2011]
Por 60 anos, “Big Sid” Biberman foi o mecânico a ser procurado nos EUA se você tivesse algum problema com a sua Vincent, uma daquelas lendárias motos inglesas. Quando teve um ataque cardíaco quase fatal, Big Sid praticamente desistiu de viver. Seu filho Matthew entrou em pânico. Sem pensar, prometeu ao pai que construiriam uma Vincati (uma moto feita de partes de uma Vincent e partes de uma Ducati).
O problema é que Matthew não era um mecânico. Embora fosse apaixonado por motocicletas desde a infância, ao perceber que não tinha as habilidades do pai, havia deixado as ferramentas de lado e se tornado um acadêmico especializado em Shakespeare. Como adultos, pai e filho quase não conversavam. Mas, para manter a promessa após a quase morte de Big Sid, Matthew jurou aprender as habilidades mecânicas necessárias para o empreendimento que muitos julgavam como impossível.
Vincati
Algumas horas depois de postar um texto sobre a Vincati, recebi um comentário de Matthew Biberman. De alguma forma, o autor do livro tinha descoberto o meu post. O que é interessante, pois eu escrevi em português e ele é americano.
Em um primeiro momento achei que ele tinha escrito para reclamar sobre direitos de imagem ou algo do gênero. Mas não, ele estava só pedindo o meu e.mail para mandar algumas fotos novas. Claro que é brincadeira esse lance de direitos, pois apenas nobreza poderia vir de alguém que é escritor, mecânico, piloto e doutor em Shakespeare .
Trocamos vários e.mails, nos quais ele falava sobre a nova moto que construíram, a Overtime Tina. Quando eu disse para ele que não podia imaginar exatamente o resultado da união das motos, ele recomendou um vídeo do Jay Leno´s Garage. Agora sim pude ver como a moto ficou linda. E o som do motor parece música. Como diz o apresentador, a Vincati é a união do antigo (a moto Ducati dos anos 70) com o realmente antigo (o motor da Vincent, dos anos 50). Só que o resultado da união é uma moto com comportamento moderno, provando que as Vincents não estão mais por aí apenas por alguma questão de mercado, nunca por falta de competência técnica.
Só para falar um pouco de históra, as Vincents Series C (Rapide, Black Shadow e Black Lightning) foram produzidas entre 1948 e 1955. Eram vendidas como as motos “de linha” mais rápidas do mundo, podendo alcançar os 200 km/h.
As Ducati 750GT foram lançadas na Itália em 1971. A partir de 1973, a 750 Desmo foi a primeira moto de produção com três discos de freio (dois dianteiros e um traseiro). Projetada por Fabio Taglioni, a 750 GT foi a moto de entrada da Ducati no reino das superbikes.
Para ter uma idéia de como a Vincati é bonita, imagine como o motor da Vincent preenche melhor o espaço do quadro da Ducati. Realmente, parece que foram feitos um para o outro. O casamento é fantástico. Isso sem falar da pintura escolhida pelo pai e filho (a cor não deveria privilegiar nem as Vincent nem as Ducati). Mas o ponto forte mesmo foi o ajuste do motor, feito por Big Sid. Segundo Leno, só um mestre para fazer um motor que rodou mais de 50 anos parecer que acabou de sair da linha de montagem.
No e.mail, Matthew mandou dois diagramas explicando como cortar o quadro da Ducati para encaixar o motor da Vincent. Esse foi um dos pontos mais delicados. Não poderia haver erro. O problema foi quando o quadro voltou da soldagem final. Com o aquecimento houve uma pequena deformação que não deixava mais o motor encaixar. Mas com calma eles conseguiram descobrir como ajustar os dois novamente.
Para quem quiser saber um pouco mais sobre as Vincent, recomendo um texto da coletânea “Leanings”, de Peter Egan. No texto “To Ride a Vincent”, de 1998, o autor fala sobre a experiência de andar naquela moto histórica. Egan chega até a detalhar toda a liturgia para dar a partida na máquina.
Em homenagem às Ducati GT 750, recentemente a empresa lançou a GT 1000. Se eu ganhasse na loteria, essa seria a minha primeira encomenda, ao lado da BMW R1200GS Adventure.
Mas, voltando à Vincati, o duro é que, depois de ler tanto sobre o assunto, acabei ficando saudoso de uma moto que provavelmente nunca verei…
Mas, pensando um pouco melhor, a verdade é que só de olhar a cara de realização e companheirismo de Big Sid e Matthew, posando pertinho de Polly, penso que é possível de alguma forma aproveitar também um pouco desse grande feito. Foram 5 anos para construir peça-a-peça, dia-a-dia, a moto e uma nova relação entre pai e filho. Saudação aos dois, que aparecem na próxima foto, na oficina, montando a próxima Vincent: Lola!