O Último Gladiador


© Coleção Equilíbrio em Duas Rodas (2021)
Livro: Motoqueiros Famosos

O ÚLTIMO GLADIADOR
Fábio Magnani
[publicado originalmente em junho de 2011]

Quem viveu na segunda metade do século XX teve a sorte de ver gigantes andando pela terra: Muhammad Ali vencendo os seus adversários nos ringues de boxe, Pelé comandando vitórias nos campos de futebol, Emerson Fittipaldi se tornando o mais jovem campeão de F1, Marilyn Monroe fascinando o mundo nas telas de cinema, Elvis Presley explodindo nas rádios e Bobby Fischer conquistando o mundo, armado com apenas um punhado de peças de xadrez. Mas um desses gigantes não era admirado por andar pela terra. Evel Knievel era venerado porque voava. Com a sua moto, Evel saltava sobre cobras, leões, carros, ônibus, cânions, fontes e até tubarões. Pode parecer que os poucos segundos que sua moto levava para sair de uma rampa e chegar à outra seriam incapazes de chamar a atenção das pessoas. Mas o tempo parava quando Evel Knievel estava no ar, o mundo todo parava para idolatrá-lo.

Confúcio disse que a “nossa maior glória não está em nunca cairmos, mas sim em levantarmos depois de cada queda”. Evel Knievel, o motoqueiro mais famoso de todos os tempos, viveu à risca esse provérbio. O que fazia as pessoas admirarem Evel não era o seu sucesso em alguns saltos, pois uma pessoa comum não consegue julgar se é fácil ou difícil fazer aquilo. Mas todos podiam compreender a grandiosidade de Evel ao tentar mais um salto depois de um grande acidente. Evel saltou cerca de 80 vezes entre 1965 e 1977. Desses saltos, ele caiu em 17, e por 17 vezes Evel Knievel voltou para tentar mais uma vez.

A vida de Evel Knievel é cercada de lendas, que ele mesmo ajudou a polir. Algumas pessoas acreditavam que ele tinha saltado sobre o Grand Canyon, que ele tinha quebrado todos os ossos do corpo, que tinha dormido com 2000 mulheres e que iria saltar de um avião sem pára-quedas. Evel não desmentia essas estórias porque, além de ser um homem de ação, ele também era muito bom em marketing pessoal. Então, às vezes é difícil saber o que realmente aconteceu. Mas mesmo que alguém se atenha apenas ao que foi documentado, ainda assim a vida de Evel foi grandiosa. Uma das suas marcas registradas era a roupa usada nos saltos: um macacão de couro branco, com capa esvoaçante e enfeitado com a bandeira americana. Nos seus anos de sucesso, os bonecos de Evel vendiam mais que a Barbie. Teve muitos carros, mansões, motos e barcos. Uma das lendas conta que ele pintou o seu nome em um dos seus aviões e que depois comprou um segundo avião, só para voar lado a lado do primeiro, contemplando o seu nome na fuselagem.

Seus três maiores saltos deram errado. O primeiro foi em Las Vegas, no ano de 1967, antes de ser famoso. Ele tentou saltar a fonte do cassino Caesars Palace, que tinha sido inaugurado pouco tempo antes. Ele até conseguiu superar os 43 metros da fonte, mas caiu na aterrissagem. O vídeo da queda é considerado o segundo vídeo mais assistido do mundo, ficando abaixo apenas do assassinato de Kennedy. Todo mundo achou que ele tinha morrido. Mas, depois de 29 dias em coma no hospital, Evel Knievel acordou para descobrir que era uma celebridade de primeira grandeza. O segundo salto famoso foi em 1974, quando Evel tentou saltar uma distância de 1.200m sobre o Snake River Canyon, pilotando um foguete propelido a vapor. Era para ser uma grande festa, com multidão tipo Woodstock, registro na televisão e transmissão ao vivo para cinemas espalhados pelo mundo. Mas o pára-quedas abriu logo que o foguete foi lançado. Embora nunca ninguém tivesse se importado antes que um salto desse errado, muito pelo contrário, desta vez as pessoas se sentiram enganadas, pois parecia que Evel tinha ficado com medo no lançamento. Evel Knievel sempre insistiu que não acionou o pára-quedas, defendendo que havia sido um problema técnico. Mas a verdade é que sua carreira começou a desmoronar dali em diante. O terceiro salto mais famoso de Evel foi na Inglaterra, Estádio de Wembley, em 1975. Estavam presentes 90.000 pessoas para assistir o salto de 13 ônibus. Como não havia muita distância para tomar velocidade, Evel usou uma rampa de lançamento parecida com aquelas usadas em saltos de ski. A velocidade não foi suficiente, por isso a moto aterrissou no último ônibus, provocando mais uma queda fantástica.

O seu recorde em distância é de 40m, bem abaixo dos 100m de hoje em dia. Mas eram outros tempos. Os saltos de Evel eram feitos sem treino, sem cálculos científicos, com uma moto muito pesada e quase sem suspensão para absorver o impacto da queda. Ele não usava protetores de corpo e, sendo ateu, também não podia contar com a proteção divina. Como ele mesmo dizia, só um louco teria apostado que ele viveria mais tempo que os seus contemporâneos famosos. Mas viveu e, mesmo não sendo mais o recordista em distância, será para sempre o rei.

O problema em viver de saltos de moto é que cada vez as pessoas esperam que você salte mais longe. Quando você consegue, dizem que é porque o salto era muito fácil. Quando não consegue, você é um fracassado. Quando o salto dá errado, o piloto tem que cancelar uma série de espetáculos, ficando sem receber até que se recupere. Além disso, quanto uma pessoa está disposta a pagar por um espetáculo que dura apenas alguns segundos? Chegou uma hora em que Evel não conseguia mais atrair as multidões.

A década de 80 foi horrível para ele. Sem os saltos, não havia mais adrenalina. Mas o que mais sentia falta era do sucesso, das pessoas que ficavam sem respirar enquanto ele fazia suas peripécias, das crianças que o idolatravam mais do que ao Super Homem. Ele perdeu todo o dinheiro que ganhou. Ficou devendo mais de 20 milhões e foi obrigado a passar esses anos se escondendo, rodando pela América em seu ônibus particular, quase anônimo, apostando em partidas de golfe, contando histórias e bebendo muito. Até que chegaram os anos 90. Nessa época, as crianças dos anos 70 já tinham crescido e queriam lembrar os bons tempos. A televisão começou a reprisar os seriados e mostrar a vida das celebridades de então. Além disso, nos anos 90 ocorreu a explosão dos “extreme sports”, como o “free style”. Esses novos esportistas consideravam Evel Knievel como o grande criador daquele estilo de vida. Evel Knievel era venerado mais uma vez.

Evel morreu em 2007, aos 69 anos. A causa foi uma doença pulmonar de origem desconhecida, não um acidente de moto como muitos haviam previsto. Mas os acidentes cobraram um preço alto a Evel no final da vida, pois as dores eram muito fortes. Apesar das dores, Evel dizia que se arrependia de poucas coisas, como ter deixado escapar a chance de dormir com certas mulheres, ou não ter matado uma ou duas pessoas que mereciam. De resto, tinha valido a pena sim. Evel ficou como exemplo de que o objetivo da vida não é chegar ao final em um estado de perfeita conservação física, mas sim aproveitar o máximo possível.

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